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Yoani: voz solitária pela liberdade em Cuba; a esquerda brasileira exalta os resistentes à ditadura militar, mas deplora a militante cubana. |
Regimes
e conveniências
Ver a
vida acontecer, por seus detalhes, é encontrar o contraponto entre todo o
manancial de teorias que tentam conceituar, de modo genérico, tudo o que
acontece e o que se sente. É que a filosofia e a ciência, pela investigação,
gostam muito de regras, de receitas, de definições; e quanto mais vivo – e como
tenho vivido! – mais me convenço de que a natureza não se repete. Duas folhas
de uma mesma árvore jamais são iguais, e cada fruto também traz a sua
individualidade.
E as
pessoas? Cada qual com o seu conjunto de características que, junto ao seu modo
individual, constituem a tal de personalidade. A capacidade de resumo, ou de
organização, do bicho sapiens chega a elaborar ações de grupo de modo tão
rigoroso, sob regras e disciplinas tão peculiares que chegamos a entender que o
rigor de uma coreografia ou de um arranjo musical asseguram a repetição de um
evento na mais elevada perfeição matemática. Ao menos aos nossos olhos leigos,
pois que os virtuosos de tais gêneros certamente encontrarão diferenças.
Em
atividades como os esportes, notadamente os esportes grupais, nem mesmo o
chamado tempo regulamentar segue um rigor de repetição. O mesmo se dá numa
dança folclórica, como a quadrilha, e nas encenações teatrais. Sempre há algo
que se muda. É como num jardim de petúnias – o que à primeira vista parece
repetir-se, de perto evidencia-nos um universo de variedades.
Tudo
muda conforme a região e o tempo. Dias atrás, lembrei-me de um velho ditado que
dizia algo parecido com “Cada terra tem seu fuso, cada fuso tem seu uso”. O bom
dos provérbios é que eles pretendem nos mostrar uma evidência, mas não
pretendem ser definitivos. Haja vista que há sempre um contraditório a outro:
“Pedra que rola não cria musgo”, a sugerir resignação; e “macaco que muito mexe
quer chumbo”, a reafirmar o anterior. E então aparece “Cobra que não se arrasta
não engole sapo”, entre outros.
Vejo as
novidades nacionais repetindo fatos, como a violência das torcidas de futebol –
não satisfeita em ver seu time campeão mundial, torcedores marginais do Timão
paulistano exportaram a violência bárbara: dispararam, com intenção de fato
belicosa, um petardo contra a torcida adversária, matando um garoto na Bolívia.
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Yoani: volta pelo mundo em 80 dias. |
Depois de 54 anos de ditadura, a
nossa tão admirada Cuba dá sinais de distensão e libera a jornalista
oposicionista Yoani Sanchez para
viajar ao Brasil, onde foi recebida com rejeição “ideológica”: militantes de
esquerda não gostam de saber que alguém se opõe ao regime da ilha e
manifestam-se contra a presença da moça, e esta, tolerante, responde que quer
essa democracia em seu país.
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Há 40 anos, queríamos no Brasil o que Yoani Sanchez quer em Cuba. Estávamos errados? |
Engraçado...
Esses caras que a rejeitam diziam querer democracia. Mas opõem-se a esse
conceito de convivência, distribuindo na Internet um apanhado de bobagens
contra a militante libertária cubana. Isso me recorda um velho amigo, já
falecido, militante da esquerda e irônico por excelência, que “tentava perdoar”
os milicos que cerceavam as liberdades no Brasil dos generais:
- Eles
estão certos; ditadura é ruim quando é “nós por baixo”; mas “nós no cabo do
chicote” é muito bom!
* * *