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sábado, fevereiro 02, 2013

O ódio supera o respeito



O ódio supera o respeito


A tragédia de Santa Maria, RS, que se tornou o arroz-doce do telejornalismo brasileiro esta semana, extrapolou o interesse mercadológico dos canais de notícia e mexe com a vaidade de alguns mortais que viram nisso a chance do chamado para os quinze minutos de fama. Circula na Internet uma carta a Dilma Roussef, encimada por uma foto da Presidente chorando. E a primeira frase não poderia conter mais mau-gosto do que o teor: “Engula o choro, presidente”. Assina-a uma pessoa que diz ser Marcella Martins, de Santa Maria.

Procurei, à exaustão, localizar essa pessoa no Facebook, que é onde circula a tal carta, que gera incontáveis comentários a cada minuto, tantas vezes foi reproduzida. Dos que me abordaram, uma pessoa disse que a decepcionei, e recomendou-me deixar “para a direita” isso de difamar a presidente Dilma (essas pessoas que “defendem” sem considerar o que acontece seguem à risca a recomendação da mandatária de feminilizar o termo, que é comum de dois gêneros). Respondi que o decepcionado sou eu, claro. Afinal, o PT, que se notabilizou por reunir tanto para discutir tanto, agora teme discussões.

A carta, a meu ver, é um prato e tanto não para quem quer ofender a presidente. Ela foi digna ao comparecer à cidade, ao abraçar os familiares das vítimas, chorar os mortos e oferecer alento aos feridos e seus queridos. Xingamos o Bush quando ele se recusava a visitar Nova Orleans; reclamamos que Lula demorou a ir a Congonhas, e cumprimentamos José Serra por ter ido lá; agora, uma Senhora Marcella Martins organiza um xingamento infundado e é enaltecida pelos anti-PT, enquanto os partidários a execram e os de bom senso chamam à racionalidade.

Dilma Roussef obteve os votos da arrasadora maioria dos brasileiros – merece estar lá. E, com firmeza, cuida de bem desempenhar sua função. Tem consciência de que fará o que for possível, que enfrenta obstáculos bem mais graves do que a pedra no meio do caminho que Drummond decantou. Vem fazendo um bom trabalho e a cegueira da oposição tacanha é tão grave quanto a cegueira da base política não menos tacanha.

Quantos de nós, anônimos mortais, não choramos a dor dos pais e amigos, dos irmãos e professores? Choramos o heroísmo dos que voltaram para salvar, salvaram e se vitimaram, alguns com a própria vida. Nem mesmo o profissionalismo de calejados repórteres foi capaz de imunizar todos eles em seu ofício de ver e contar – muitos choraram, sim, porque essa dor é genérica, tão contagiante quanto catapora ou gripe. Mas a presidente, não: essa é “do petê”, não merece consideração; ela não pode chorar; ela é culpada; foi ela quem inventou as boates e introduziu nelas a música ruim de ritmo agradável, de melodia fácil e de letra pobre – essas coisas que contaminam os que têm preguiça de pensar e pouco tempo para apreciar o que traz valores maiores. Foi ela quem inventou o dinheiro fácil do marketing imediato dos xous fast food.

Recebi a tal carta e divulguei-a sem comentar; de imediato, recebi inúmeros comentários e só então comecei a discutir. E encabulou-me o fato de que muitos dos que lá postaram algo não tinham argumentos – apenas frases de ódio para apoiar a carta. Ou condená-la.

Que pena! Mas chore sim, presidente Dilma! O Brasil que votou em você e o Brasil que não a apoiou também está de luto. E chora junto.

* * *

22 comentários:

Luciene Silva disse...

Perfeita a crônica do meu poeta e PRIMAVERA MINHA Luiz de Aquino, faço de suas palavras as minhas... “Mas chore sim, presidente Dilma! O Brasil que votou em você e o Brasil que não a apoiou também está de luto. E chora junto.”
Eu confesso não votei na presidente Dilma, e me arrependo... Se fosse hoje teria meu voto, hoje não, antes mesmo no dia de sua posse em seu discurso quando disse: Diga as suas filhas que elas podem... Naquele momento senti toda a força feminina, força de mulher, mãe e guerreira... EU SOU MAIS DILMA!

Alda Inácio disse...

Seu texto é de uma elegância a toda prova Luiz, mas nem tanto por ódio se fala contra a presidenta. Se na política não temos amigos e sim correligionários, deveríamos também não ter emoções, mas como você diz o Brasil inteiro chorou e por que não a presidenta. No entanto há que se analisar muitas outras coisas por trás das lágrimas do povo e por trás das lágrimas da presidenta. O povo tem mãos atadas, nada pode fazer para impedir tragédias e os políticos têm a lei na mão e na hora de uma catástrofe como essa só lhes restam lágrimas, talvez para chorar sua parte de culpa no fato. Não podemos comparar as lágrimas puras de um povo com as lágrimas de alguém que podia botar o Brasil no primeiro mundo, mas deixa correr a galope leis ultrapassadas, apostando corrida com a corrupção generalizada. Nem ódio, nem admiração, guardo meus respeitos apenas para a família das vítimas. A presidenta representou bem o seu papel, se realidade ou comédia, o resultado foi: Bravo! Palmas.

Guimarães Filho disse...

Sr. Luiz de Aquino,
a Universidade de Coimbra me poupou a angústia de Santa Maria, a dor de assistir a esse espetáculo da morte sobre a vida e o cotidiano das pessoas. Tive provas nesse período e portanto não pude ver quase nada sobre esse terrível acontecimento. Deus me livrou disso, porque de certa forma absorvo a dor alheia, e me penalizo pelos que morreram. Mas como sempre a sua crônica vem, a rigor, me deliciar os olhos pela profundidade do tema, o modo suave e às vezes irônico de tratar sobre determinados assuntos. Ainda não li a carta da Marcella Martins, acabo de chegar de viagem aqui em Coimbra e estou muito cansado. Li a sua crônica e fiquei maravilhado. mesmo diante de um assunto desgastante por causa da gravidade como ocorreu, o Sr. sabe, como ninguém, ser poético, usa as palavras certas, os verbos, os adjetivos que comovem, que emocionam. Como já disse, estou cansado, mas me curvo diante de sua crônica e a saúdo, tal é sua beleza sintática e sua essencia poética. Receba o meu abraço comovido Sr. Luiz de Aquino, em memória daqueles que não poderão ler o que o vosso espírito (tão maduramente) escreveu. Coimbra, neste frio, deste vosso amigo e poeta, Guimarães Filho.

Mônica Simone de Morais disse...

Muito sensato texto.
Está, como sempre, de parabéns!

Mônica Simone de Morais

Helissa Oliveira Soares disse...

Muito bom mesmo! O que Luiz Aquino coloca no texto, de pessoas reclamarem porque a autoridade não vai ou demora a ir a um local de catástrofe, mas também reclamar porque a Dilma foi prontamente à Santa Maria não me deixa dúvidas de que, na verdade, as pessoas só querem mesmo é reclamar. Deve mesmo existir uma espécie de prazer, beleza e relevância em reclamar, mas só reclamar, gratuitamente, porque fazer algo para mudar, dos reclamões, ninguém faz...
Helissa Oliveira Soares

Pedro Du Bois disse...

Caríssimo Aquino, parabéns pelo texto em defesa da democracia, ou seja, de todos nós. Infelizmente, como bem colocou o Umberto Eco (no livro Sobre a Literatura, pelo menos), em outras palavras, é que quando começamos a falar sobre a intolerância, a mesma já está instalada entre nós. As trolagens diárias - virulentas, não argumentativas, desprovidas de ética - são provas inequívocas. Abraços e bom domingo entre os seus. Pedro.

Sonia Lucia Carvalho disse...

Oi Luiz, concordo com voce, adorei sua crônica parabéns.

Sonia Lucia Carvalho

José Fernandes disse...

Caro amigo Luiz, continuo achando que foram lágrimas de crocodilo, apenas dividendos políticos.

José Fernandes

Sonia Vianna disse...

Como sempre perfeito!! Justo e ponderado, tb vi essa carta e ando meio cansada desses comentários sem argumentos que apenas condenam, não discutem nem argumentam, sinceramente há muito que nem tento mais dar a minha opinião... Mas apoio sempre quem tem o que dizer e sabe fazê-lo como você. Abraço,

Sonia Vianna

Auriane Rissi disse...

Apreciei as considerações. Acertivas por sinal, caro Luiz de Aquino.

Auriane Rissi

Mara Narciso disse...

Vi a carta e a ignorei por considerá-la grosseira. Eu posso não gostar disso ou daquilo, como não gostei do incêndio e algumas coisas que vi na TV. Fizeram o que se chama "espetacularização da tragédia". Mas a imprensa dava o prato que o povo queria. Quanto ao choro da presidente, foi autêntico e solidário. Não somos máquinas, e mesmo correndo e deliberando temos sentimentos. Entendo e gosto das lágrimas de Dilma Rousseff. Quem precisa engolir a burrice crônica é quem escreveu a missiva, e sob alguém que não existe, ou seja, um fake. Que a esqueçamos o mais rápido.

Anônimo disse...

Gostei muito do que escreveu.Mas continuo, achando que ela não inventou as boates, nem as músicas enlouquecidas e sem nenhum sentido...mas, sem pena, ela é sim responsável por não prover os órgãos de fiscalização de pessoas responsáveis e não ficar presa a acordos políticos, como o que temos assistido. Eu votei nela,mas neste episódio não creio na veracidade de seus sentimentos.

Luiz de Aquino disse...


Costumo rejeitar comentários sem identificação, mas deixo este para responder: a omissão do poder público, no Brasil, é uma triste tradição, portanto não podemos centralizar a falha na atual presidente. E as medidas que essa pessoa anônima reclama são da alçada das prefeituras. São quase seis mil municípios no país e os três níveis de poder são independentes entre si. Portanto, sua avaliação não procede.

Sinvaline disse...

Amigo concordo com alguem quando diz de sua elegancia no modo de escrever. Essa cronica do choro da Dilma deveria ser lida por todos que não sabem avaliar a sensibilidade humana. Gostei muito e vou envia-la para a presidente Dilma, abraços

Marilene Dantas disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Unknown disse...

Parabéns Luiz Aquino pelo texto tão bonito,esclarecedor e elegante! Independentemente de ser a Presidenta, é um ser humano como nós e todos nós choramos sem questionar os motivos que causaram a grande tragédia. Por que só o choro dela é falso????
Abraços, Janira Damasceno

Marilene Dantas disse...

Luiz.Bacana a sua reflexão sobre este epsódio. Existem pessoas que desconhecem a distancia entre promover o ódio e estanca-lo. Infelismente temos que conviver com essas diferentes facetas humanas.Pessoas inalteradas de postura e respeito pela dor alheia. Tenho visto barbaridades sobre este epsódio de Santa Maria. A midia e e alguns transcolocados ativista politicos que fazem de tudo para ganhar um pontinho na desvairada forma de preencher a mais alta exarcebação do ego.Penso que, se não temos condições de ajudar com uma palavra de conforto os que ficaram, que permanecemos em silencio em respeito aos que partiram. A presidenta Dilma fez o que o coração dela pedia. Impossível não soltar o choro e a emoção. Afinal: não temos conhecimento que sentimentos de dor e pesar, passe pela ideologia politica.Anda faltando senso de respeito humanitário entre as pessoas.

Marisa de Castro disse...

Palabéns, Luiz! Você se engrandeceu a meus olhos e aos de todos que leram a sua magnífica crônica sobre a emoção da Presidente Dilma. Como ser humano e como jornalista, você emocionou a todos os que o leram.Parabéns!
Abraço
Marisa de Castro

Marisa de Castro disse...

Palabéns, Luiz! Você se engrandeceu a meus olhos e aos de todos que leram a sua magnífica crônica sobre a emoção da Presidente Dilma. Como ser humano e como jornalista, você emocionou a todos os que o leram.Parabéns!
Abraço
Marisa de Castro

Mirian S. Cavalcanti disse...

Ah, Luiz, só faço gostar e gostar e gostar de tudo que você escreve. Assino embaixo, cada vez mais. E, apesar do atraso, meus parabéns pela página de poesia no DM. Poesia dessa qualidade merece páginas e páginas. Parabéns, mais uma vez, amigo!
Mirian

Elder Rocha Lima disse...

Luiz de Aquino,

A propósito da sua crônica sobre o choro da Dona Dilma: compartilho integralmente de seu pensamento - você escreveu belas e sábias palavras.
Abraços de seu leitor e amigo

Elder Rocha Lima

Neusa Casado disse...

Querido amigo,
Gostei demais de sua reportagem sobre o choro da presidente(a). Não sou petista, mas acho que nestes momentos não dá para misturar as coisas. Penso que ela demonstrou ser uma pessoa mais sensível do que esperávamos. Que bom que por trás de toda a aparência e todos os protocolos presidenciais ainda existe alguém com um coração que sente os infortúnios do povo do país que dirige. Abraços. Neusa