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sexta-feira, março 08, 2013

As festas de cada dia


As festas de cada dia


“Se Deus quiser, um dia quero ser índio” - escreveu para cantar Rita Lee, a roqueira pioneira, a branquela brasileiríssima, descendente do General Lee da História e dos filmes do tio-sam… A ruiva mais brasileira dentre todas, sem ter recorrido aos compostos químicos hoje em voga para clarear a mestiçada.

Poetas já foram rotulados trovadores, porque compunham trovas que cantavam ao som de liras ou alaúdes; e ainda há quem se refira aos bardos como vates – os que cometiam vaticínios, isto é, previsões. A menestrel do rock brasileiro vaticinou ao sonhar ser índio um dia. É um surto que acometeu a metrópole paulista lá pelo começo da década de 80 do século passado e hoje já nos contamina; ninguém gosta de consumir 90 minutos num percurso urbano que, há bem pouco, se fazia em 15 ou 20.

As cidades crescem, invadidas por hordas de pessoas carentes de recursos materiais próprios e de bens públicos; quer-se sempre morar em ruas pavimentadas, andar de automóvel, ainda que seja um “carro médio” de três ou quatro décadas – um desses que, ao se comprar, custam pouco mais que um jogo de pneus e, quando se pensa em vender, sai mais em conta abandoná-lo, agredindo o ambiente comunitário.

Essa violência social urbana tem muitas marcas. Como o garoto de 15 anos, no ultimo domingo, pilotando uma moto; invadiu sem receio a pista à minha frente, e tive de frear de súbito, o que fiz enquanto batia a mão na buzina; o menino respondeu-me com o dedo médio em riste e assustou-se quando parei à sua frente – e só então me dei conta de que podia levar um tiro e que o condutor, irregular ao conduzir, demonstrava a baixa idade, isto é, sequer podia estar ao controle da moto.

O mesmo gesto fez-me um estafermo de seus 30 anos quando reclamei de que ele parara o carro sobre o xadrez do cruzamento quando devia permitir-me a travessia. Tive de recorrer aos mais sórdidos recursos literários, em alta voz, recomendando-lhe o destino que lhe daria prazer ou o faria humilhado, sugerindo a violência ao término intestinal.

Semana densa e pesada, esta! Julgamento do goleiro Bruno Fernandes; liberdade para o suspeito de mandar matar Valério Luiz, o jornalista esportivo; a data internacional da mulher, em festejo marcado que deveria ocorrer todos os dias. E encerra-se a semana civil com o prenúncio de outra data importante, a do aniversário do poeta Castro Alves, o mentor intelectual da Abolição da Escravatura, dia 14. E por uma feliz coincidência, a semana da poesia estende-se até 21 de março, início do nosso Outono – por conseguinte, da Primavera no Hemisfério Norte (o que levou a Unesco a instituir a data como Dia Internacional da Poesia).

Questiona-se muito isso de se ter uma data. E são datas para tudo na vida. Festejemos, todos os anos, o 8 de março, mas com o compromisso de que a mulher é digna de mimo e respeito sempre; cuidemos de festejar a poesia em 14 e 21 de março, mas respiremos poesia em cada momento – afinal, cuidamos de nós e dos nossos queridos todos os dias e festejamos seus aniversários.

Esses cuidados são bons e oportunos. A gente pode curtir e viver muitas festas, mas sem descuidar de bem zelar do que nos é caro e importante. E já que falo de datas, tenho mais: no decorrer da semana que se finda, tivemos o 5 de março, Dia da Imprensa Goiana por duas motivações: a primeira, que remonta a 1830, quando circulou pela primeira vez a Matutina Meiapontense, na antiga Meia-Ponte, hoje Pirenópolis; e a segunda, o dia de uma escaramuça entre governo (Polícia Militar) e estudantes, em 1959, que deu nome ao semanário que resistiu heroicamente à ditadura militar.

E no próximo dia 12, terça-feira, o nosso DM festeja seus 33 anos de circulação. Sou feliz por ter atuado no saudoso Cinco de Março e por integrar a equipe do DM desde a sua fundação. Assim, posso dizer o quanto me é importante festejar a data, tal como compartilhar diariamente da vida deste jornal.


* * *

6 comentários:

Marluci Costa disse...


Pois é, Luiz, há pouco tive a notícia que um amigo foi assassinado nesta madrugada, num assalto à sua casa no Cosme velho. E ele nem reagiu...

E vamos tentar ser felizes nesse mundo Rio cão.
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Marluci

Profa. Agda disse...

[...]Festejemos, todos os anos, o 8 de março, mas com o compromisso de que a mulher é digna de mimo e respeito sempre; [...]

E como você nos "mima", amigo! Obrigada por mais uma vez se lembrar de nós mulheres. E também por ser meu amigo especial. Estar em sua companhia é sempre muito agradável. Nem tenho palavras para descrevê-lo. Sinto-me privilegiada por ser sua amiga...

Um abraço, querido!

Sueli Soares disse...

Inspiração máxima, num texto irretocável! Repito quantas vezes quiser,
que meu coração não me enganou... Mas, por favor, tenha cuidado ao
dirigir e procure controlar-se. Beijinho!

Sueli

Leda Selma disse...

Li e gostei muito. Comemoremos, sim, a poesia todos os dias, inclusive, de 14 a 21, bem como o an iversário de 33 anos do DM (adoro aniversário, você sabe). Beijocas. Lêda

Mara Narciso disse...

Como disse a ministra Eleonora Menicucci, mulher não precisa de parabéns, mas sim de respeito todos os dias. E se o respeito vem com flores e bombons, mal não faz. O seu texto nos fala de coisas boas e ruins do dia a dia. Começou leve, seguiu pesado e terminou bem. E por isso, viva a poesia!

Unknown disse...

Caríssimo Luiz, gostei da sua crônica intitulada “A festa de cada dia”. Somos cada vez mais reféns de uma sociedade brutalizada, que não tem mais educação nem princípios, que não respeita professores, idosos, crianças. É cada um por si e o caos por todos. Terrível.

Eu parei de discutir e reivindicar direitos no trânsito. Você deveria fazer o mesmo.

E para resfriar essa panela de pressão social prestes a explodir, você nos brinda com comentários sobre festas e esperança em um mundo melhor.