Cada um por si
Dizem que Aristóteles
definiu o homem como “um animal social”. E a gente entende que, sob tal
definição e a (para nós) inevitável necessidade de interações, criamos os
estados, ou seja, a organização política (de polis – múltiplo, coletivo, social). Estados, sejam eles uma tribo,
um clã, um povoado, uma paróquia, cidade, município ou comarca, implicam regras
(leis).
As Treze Colônias” que deram
origem aos Estados Unidos da América, há quase 240 anos, organizaram-se de modo
a disciplinar a sociedade (nação). A isso, chamamos Constituição; e outras
regras, menores são as leis. Estados geralmente organizam-se com planos de
governos; e esses planos costumam cobrir um futuro relativamente extenso – algo
que transcenda o tempo de vida dos que elaboram tais planos. Assim, pelo menos,
agiram os mentores e autores da Independência Norte-Americana; mas os nossos
mentores – tanto os da Independência quanto os da República – não “sabiam” que
isso era importante, fundamental.
A União Norte-Americana
nunca mudou o regime e sequer viveu momentos de gravidade em que o regime
esteve sob risco; aqui, tivemos a substituição da Monarquia pela República, e
esta surgiu num gesto de traição do Ministro da Guerra para com o Imperador; e
tal como a Independência, chegou de chofre, subitamente, sem um plano de longo
alcance. Algo como lançar ao mar um transatlântico sem plano de viagem nem
combustível bastante para que atinja algum objetivo. “Uma república de se tirar
o chapéu”, ridicularizava meu velho mestre de História do Brasil no Colégio
Pedro II (quarta série de Ginásio, em 1961), o poeta J. G. de Araújo Jorge,
numa alusão à estátua equestre do marechal Deodoro nas proximidades do Passeio
Público, no Rio; nela, o militar parece saudar a tropa, com o quepe à mão.
E vivemos golpes; já nos
primeiros anos da República, houve manifestações (sempre a Marinha de Guerra na
liderança) pela volta à Monarquia, o que Floriano Peixoto tratou de sufocar;
depois, a derrubada de Washington Luís em 1930, quando Getúlio tomou as rédeas
do poder e as manteve nas mãos por longos 15 anos. Cinco anos depois,
retornaria ao poder pelo voto direto, numa evidência de que o povo está também
sujeito à Síndrome de Estocolmo – ou seja, gosta de apanhar de seu algoz.
Dez anos depois da morte de
Getúlio, os militares tomaram o poder e nele ficaram por mais de vinte anos; e
a chamada “redemocratização” gerou uma filosofia sem passado nem fundamento, contrária
à máxima aristotélica – cada um achou que democracia é cada um sendo dono de
si, desde que ninguém cobre nada de ninguém, e que cada qual faça o que bem
entender.
É sob tal crença que os
vândalos das passeatas agem. Cada um faz o quer: mascara-se para não ser
identificado; chegam sempre com truculência; destroem ou danificam o patrimônio
público, agências bancárias e concessionárias de automóveis; saqueiam
supermercados.
Dizem que alguém os alicia;
que em grande parte são jovens pobres que agem pelo prazer da algazarra (fazer
arruaça dá a adolescentes e jovens uma certa sensação de poder) e chegamos ao
ápice com a morte de um jornalista porque um moço irresponsável soltou um rojão
(todo mundo sabe o desfecho).
Com esses a presidente da República certamente não conversa... |
Esta semana, um grupo de
sem-terras enfrentou a PM em Brasília; a PM, no caso, dava proteção ao Palácio
da Alvorada. Os sem-terra feriram 22 policiais; apenas dois manifestantes foram
feridos – na análise política, a PM saiu vencedora: não pode, assim, ser
acusada de truculência.
No dia seguinte, a
presidente da República recebeu os sem-terra. Falta receber os dois jovens
presos pela morte de Santiago Andrade.
* * *
3 comentários:
"Meu caro amigo, é lamentável fatos como este do Santiago que pagou com a vida pela falta de Leis em nosso País, como você bem colocou no texto. Luiz de Aquino, é deprimente ter que dizer isto: estamos como em um barco sem rumo e naufragando. A alegria é saber que você foi aluno do POETA J. G. de Araújo Jorge que tanto admiro!"
Uma avaliação lúcida, sensata e pertinente de um momento sensível da nossa História. Sem paixões e rara isenção, Luiz, você explicou e aí está um momento teste para a nossa reflexão. Que país queremos?
Excelente a sua explanação. Não tinha tanta clareza sobre a nossa história, nem tanta informação. Obrigada mais uma vez por compartilhar conosco o seu saber, a sua sensatez. Não é este o Brasil que eu quero. Lamento imensamente a morte do Santiago e de tantos outros brasileiros causadas pela falta de ética, de respeito,de regras claras. Quantos brasileiros anônimos caem todos os dias na batalha da vida desrespeitados em sua maior necessidade: ter direito e acesso aos "direitos humanos". É preciso que se grite com toda força: "Acorda Brasil". Precisamos mais do que nunca da verdadeira democracia. Te admiro mais a cada dia. Abraços
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