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sábado, fevereiro 08, 2014

Coisas da fala (e do pensar)



Coisas da fala (e do pensar)



É bom conversar com crianças. Principalmente as crianças de pré-escola – a fase em que o pensamento já se reveste de lógica, uma espécie de gramática está bem estruturada nas pequeninas mentes e as palavras conhecidas ganham novas construções.

Luiz Henrique gostava de se sentir “nomocionado” (emocionado) e conta que choveu “granismo”; Gabriel fez uma “cerurgia”, com a primeira vogal aberta, tal como em “corativo”- referindo-se ao mesmo ato médico. Gosta de ver desenhos na “tevelisão” ou no “mucuntador” (computador), “bulhancia” que vai para o “ispital” e muitas outras preciosidades. Como bom goiano, réplica mais interiorana do mineiro, ele chama qualquer coisa de “um quenócio” ou “quenocim” (negócio, negocinho). Bom goiano, mas nascido em São Francisco da Califórnia; gosta de pequi e de “machinelo”, além de “santili” no “coquiqueique”. 

Tudo bem, coisas da infância que tenta descobrir o mundo e seus encantos, e junto com tudo isso os nomes dos “quenócios”. Cuido sempre de registrar essas criações espontâneas e ingênuas, respeitando-as e buscando corrigir a tempo. Conheço uma senhora que tinha dois filhos; o mais novo ficou determinado como caçula e aos quatro anos o menino já começava a falar tudo corretamente.

Essa mãe, em crise de auto-piedade (não queria ficar sem o neném; mas os nenéns crescem), começou a forçar a barra, induzindo a caçula a falar errado, como se, aos quatro anos, tivesse dois. Em pouco tempo, o menino, que já estava na escola, começou a dar mostras de que desaprendia tudo. A professora provocou, a diretora entrou no circuito e o pequeno foi parar numa fonoaudióloga. A mãe recebeu as merecidas reprimendas das profissionais da Educação e da Fala.

Tudo bem: a gente sabe que a fala representa bem a capacidade do cérebro (outra palavra interessante para o citado Gabriel: “céburo”): o aparelho fonador repete o que a “massa cinzenta” concebe ou entende.

Admiro muito a competência dos coleguinhas de rádio e tevê, sobretudo os da área esportiva, pela fluência verbal e a velocidade com que conseguem narrar uma partida movimentada. Alguns deles fizeram história e, infelizmente, não foram seguidos como exemplos por grande parte das gerações que os sucedem. Sei de muitos jornalistas de boa cepa e professores dedicados que colecionam “pérolas” desses falantes narradores e comentaristas. Há muitos fatos notáveis, grande capacidade de criar figuras literárias e de linguagem, uma incrível e invejável competência para dar plasticidade ao que narram, ou seja, permitir que criemos imagens a partir de suas narrativas.

Mas há alguns...

O rádio do meu carro fica sintonizado, em 90% do tempo, numa emissora “que toca notícias”. Como sabemos, as grandes emissoras do eixo-maravilha só incluem nosso noticiário em seus programas quando aqui acontece algo na linha do “mundo cão”. Até a previsão do tempo, nessa rádio, é discriminada – o enfoque maior é para o Sudeste e o Sul, de modo que Norte, Nordeste e Centro-Oeste são “o resto” do país.

Bem: todos sabem o que é uma “via marginal” (as que seguem a margem ou as margens de um curso d’água); não confundir com “via lateral”, que são as vias paralelas a uma principal (quase sempre uma rodovia). Pois bem: em Goiânia, as marginais são poucas – até agora, somente os córregos Botafogo e Cascavel têm suas Marginais. Pois o âncora fez a chamada e a repórter, transmitindo do local, repetiu: “A polícia encontrou o cadáver de uma mulher num córrego da Marginal Cascavel”.

Tá bom!

* * *





2 comentários:

Mara Narciso disse...

No Facebook há piadas com vias Marginal Lula e assim por diante. Quanto aos erros de meninos de quatro anos, tenho convivido bastante com um dessa idade, Arlie, mas já está quase terminando, pois ele percebe rápido. O pai leva o menino para ter o cabelo cortado num salão em frente ao cemitério, que a criança diz "sem mistério", para as risadas gerais. Outro dia, nas férias, estávamos passeando pela cidade, quando o carro teve de ficar parado por um tempo maior. Impaciente, Arlie perguntou o que tinha acontecido. Eu disse: é o transito. - O que é isso? - É quando os carros não andam de jeito nenhum. Dias depois, novo episódio,e ele: - Oh, não! Trânsito outra vez?

Lucelena de Freitas disse...

De novo você me faz "viajar" pelo passado. Meu irmão Nelson que no dia vinte e um do mês próximo passado partiu mais cedo para outro patamar, talvez atrás do colo da mãe, do pai e de uma irmã, chamava, quando pequenino, a rodoviária de "Dona Viária". Em minha casa ouvia "o líquidododificador" ou ainda se um amigo falava "turquês".Pérolas valiosas.
As outras "pérolas" a que você se refere só mostram que os nossos governantes esqueceram de investir na EDUCAÇÃO.Trabalhei mais de trinta anos como professora e não me conformo por ter sido tão lesada em meu aprendizado. Quantas expressões não aprendi corretamente!Quanto me foi sonegado em meus estudos a e dos meus antepassados e
descendentes, apesar de nós todos inclusive minha mãe que só se alfabetizou aos quarenta e cinco anos termos pagado os impostos todos que nos infringiram sempre.
Gostaria que cada um desses profissionais que trabalham com a comunicação também tivessem tido o que tanto precisamos: QUALIDADE NA EDUCAÇÃO.
Quanto aos nossos governantes gostaria que tivessem aprendido o significado da palavra VERGONHA. Vergonha de apresentar em alto e bom som nas nossas rádios, televisões o que o "assalto" aos cofres públicos, "nossos cofres" estão produzindo. Um grande abraço.