Eu também sou Charlie
Serão os franceses de hoje constituídos da mesma essência e forjados na mesma têmpera dos de 1789? Há mais de 225 anos, o “bourgeois” saiu às ruas, indignado com a opressão e o cerceamento da liberdade. A massa, ignara mas unida, enfrentou os canos dos fuzis e as lâminas das baionetas, destruiu La Bastille e marcou a História com o canto de La Marseillese (a canção popular de Rouget de L’Isle tornou-se não somente o hino da nação francesa, mas o canto que se canta quando se quer evocar a liberdade).
Aquele movimento de rua na Paris do final do Século XVII marcou o fim da Idade Moderna – o mundo nunca mais foi o mesmo!
Muitas ditaduras aconteceram e acontecem ainda pelo mundo afora. Mas há sempre a semente da Liberdade plantada nas mentes dos inconformados. Os burgueses de 1889 juntaram-se aos intelectuais que sustentavam a luta em três pontos: Egalité, Fraternité et Liberté.
Muito se fala do comportamento dos franceses: pernósticos, preconceituosos, xenófobos... Será mesmo? Nós, brasileiros, repetimos um pouco do que marcou a formação do povo dos Estados Unidos – somos abertos à migração, somos mestiços física e culturalmente; os franceses, mesmo quando colonizadores, não migravam para os territórios colonizados e não se deixaram miscigenar, como acontece conosco.
O atentado à redação da revista Charlie Hebdo, na quarta-feira, dia 7, não seria surpresa. O estúpido fundamentalismo religioso pressupõe essa prática, os terroristas que se escudam no Islamismo cometem toda espécie de barbárie, o que vai de um atentado covarde como esse, em que se escolheram doze pessoas, entre jornalistas e policiais, e os ferem de morte, até o sequestro grupal de centenas de mulheres adolescentes para fins de abuso explícito e confesso.
O Islã não é isso. Líderes muçulmanos de várias regiões e até mesmo uma milenar universidade do Cairo (a segunda na história da humanidade) condena tais práticas, que se tornaram corriqueiras desde quando os aiatolás tomaram o poder no Irã. Esse fundamentalismo é o mesmo que leva alguns neopentecostais de pouca leitura (ou muita leitura mal orientada) a quebrar imagens católicas ou a recusarem-se a empregar pessoas de “outras denominações”, ou ainda a pregar como doutrina que somente os “da nossa fé” são filhos de Deus e dignos de tal condição.
Ou seja: somos todos preconceituosos. Cristãos e muçulmanos precisam conhecer melhor o que os nossos símbolos espirituais ensinaram, em lugar de agir com ódio e violência “em nome de Deus”. Agora, este atentado na capital da França (o francês é o povo que melhor representa a Liberdade). Pelo mundo afora, matam-se jornalistas por noticiarem mazelas da política e da corrupção, da economia e da gestão pública mal versada, e, por último, até mesmo por contestarem práticas administrativas no meio desportivo!
Matam homens, não matam ideias. Matam os que se armam de lápis e pincéis, mas não matam a essência. A França desta semana repetiu a de julho de 1789. E toda a França ostentou um pequenino e expressivo cartaz: “Je suis Charlie” (Eu sou Carlinhos). E Charlie Hebdo (Semanário Carlinhos, numa tradução pra lá de livre) torna-se agora o símbolo da liberdade de expressão e da defesa da vida dos que atuam em comunicação pelo mundo agora, nas mais variadas linguagens.
Moi aussi, je suis Charlie!
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Luiz de Aquino é jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras.
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