O
verbo tar (*)
A
língua é dinâmica – alegam os preguiçosos e os que, tendo obtido (sabe-se lá
como) um diploma de Licenciatura ou Bacharelado em Letras - Língua Portuguesa, reinam em salas de aula
como quem atua na feitura de uma nova língua. E já têm um nome para ela – a
Língua Brasileira (felizmente, já estarei morto e bem morrido antes que essa
coisa apareça por aqui).
Herdamos
a língua com suas normas e regras há cinco séculos. Estudiosos (sérios e
competentes) fixam no Século XVII (dezessete, para os que dizem “vamulá”) – outros chegam ao Século XVIII –
a consolidação do Português como idioma – mas ainda há filólogos espanhóis que
dizem ser a nossa língua um dialeto hispânico, como o Galego e o Castelhano. E
nós, o populacho mal letrado, chamamos de Espanhol as quatro variantes faladas
na Espanha.
Ultimamente,
desaprendo o Português ouvindo rádios e tevês (tevê, corruptela para televisão;
o simbólico TV, para mim, só deve ser usado nos nomes oficiais – ou marcas –
das emissoras). Mas lendo jornais, também. A imprensa, que até há bem poucas
décadas era um respeitável repositório da Língua no Brasil, é agora instrumento
de deformação da mesma.
Ranzinza?
Não... tenho boa memória. E sou do tempo em que jornalistas tinham que saber
escrever – ou seja, exposição clara das ideias com bom domínio sobre o texto e
a gramática. Era também o tempo em que locutores tinham de ter boa voz e
flexionar bem as palavras, respeitando regência e concordância.
Não
reconheço na imprensa a autoridade dos gramáticos e linguistas. Jornalistas não
podem impor novas regras – como aplicar plural em siglas e abreviaturas, mas
jornais e revistas andam cheios de coisas como “PMs, MPs, OSs e ONGs”, entre
outras menos referidas. A imprensa não pode – e não pode mesmo – e por imprensa
temos jornais e revistas, rádios e tevês – “criar” regras como a próclise em
início de frases ou ênclise em verbos precedidos de pronomes, por exemplo – mas
lemos e ouvimos muito “Se considera bem informado...” e “que mudou-se para...”.
A
imprensa não pode escrever nem falar “as pessoas que eu gosto são especiais”;
não pode escrever nem dizer “O posto fica às margens da rodovia” ou “Aragarças,
às margens do Rio Araguaia” (ora, se a cidade brasileira ficasse às margens do
Araguaia, seria de dois Estados – e do outro lado, bem em frente, está Barra do
Garças, importante cidade mato-grossense).
Vem
daí essa mixórdia, esse linguajar esdrúxulo que tem como referencial maior um
desletrado que lidera o meio esportivo da imprensa, famoso por gritar “Vamulá”
e aplicar “Tamujunto” ou simplesmente “Tamosaí”.
E
os linguistas sem fundamento dizer ser a língua viva! E Napoleão Mendes de
Almeida insistia no estudo e na prática da hoje chamada “língua culta”. Aos que
insistiam no domínio radical desse “dinamismo popular” sobre o vernáculo,
aconselhava-os a aprender Português com estivadores, feirantes, lavadeiras.
Era o tempo! Hoje, é comum encontramos feirantes com diplomas, expressando-se com correção, enquanto vemos jornalistas, professores e “operadores do direito” claudicando em regras elementares da Língua Pátria.
Era o tempo! Hoje, é comum encontramos feirantes com diplomas, expressando-se com correção, enquanto vemos jornalistas, professores e “operadores do direito” claudicando em regras elementares da Língua Pátria.
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(*) Este título,
colhi-o da professora e escritora Jô Sampaio, que vê em “Estar” o mesmo
processo ocorrido com “Vossa Mercê” – que virou Você e agora caminha para o
simples Cê.
Luiz de
Aquino é professor, jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras.
7 comentários:
Excelente! A Língua Portuguesa agradece...
Boa noite, siô! Cheguei ao Gmail há pouco e li a crônica, atentamente. Entendo a sua indignação, mas permito-me atribuir-lhe um certo exagero. A professora e operadora do direito, sua amiga, sempre procurou estar atenta ao que escreve, empregando linguagem clara e objetiva. Entendo que seria deselegante "falar difícil" ou empregar termos vulgares diante dos meus alunos e clientes. Cônscia de que as Letras, as Artes e as Ciências são dinâmicas, procuro adequar-me ao presente, para não me tornar uma enfadonha "esnobe". Nas redes sociais permito-me usar linguagem coloquial, do que não me envergonho. Por outro lado, também indigna-me a ousadia de atribuir-se às aberrações a classificação de fenômeno linguístico. Não precisamos, você está certo, aceitar o inaceitável!
Luiz, vou me permitir fugir de tecer muitos comentários, já que o Facebook não é terreno seguro para exposições de ideias ou ideologias - haverá sempre algum exemplar de plantão para envenenar seu ponto de vista.
Entretanto, em um belo dia (sei lá qual) da década passada, vi seu xará, "o Inácio da Silva", dentro da Academia Brasileira de Letras, discursando em defesa da unificação da Língua Portuguesa dentro dos países nos quais ela seja o idioma oficial. Ali, pensei, usando a nova ortografia então proposta, estava o contrarremédio da minha gastrite.
Com todo respeito a vocês, poetas que têm o domínio da língua portuguesa, do ponto de vista padrão é óbvio a aceitação na Academia Brasileira de Letras... Em vocês sinto que é uma dor na alma incontestável a definição... ter consciência que a maior parte da população não sabe ler nem escrever. São os denominados Analfabetos funcionais. Mas a minha revolta e inquietude é por ver quantos Ensinantes nesta arte que vai além de métodos pedagógicos, mas que brotam de Vocês poetas o domínio e tamanha habilidade de despertar no outro o DESEJO de ler e escrever o mundo. São por excelência os Doutores sobre todas as pseudo propostas de Ensino, que são elaboradas em um Ministério só - o MEC - mas os reis - VOCÊS - não são convidados!
Caro Luiz de Aquino, li sua crônica "O verbo tar" e gostei muito. o texto é rico em possibilidades de análise e o tema instigante. Ser-me-á útil para discutir alguns fenômenos linguísticos com meus alunos de jornalismo. Boa contribuição, poeta.
Caro Luiz de Aquino, li sua crônica "O verbo tar" e gostei muito. o texto é rico em possibilidades de análise e o tema instigante. Ser-me-á útil para discutir alguns fenômenos linguísticos com meus alunos de jornalismo. Boa contribuição, poeta.
Procuro prestar atenção e melhorar a cada dia. Quando envio um texto e não vejo um erro que descubro depois, fico irritada por ter feito um mau serviço. A língua é viva, mas não pode ser estraçalhada. Quanto ao Português, ele se desvencilhou de tal forma do Espanhol que virou outra língua. Há quem ache que o Espanhol seja um Português mal-falado, mas há quem não pense assim.
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