Serrinha (*): túmulo de letras e
artes
Desapareceu, na paginação do suplemento Almanaque, do jornal O Popular, a coluna Crônicas e Outras Histórias. Quase não se nota a ausência, haja
vista tanta coisa boa que some das páginas daquele jornal, inclusive nomes de
profissionais com décadas de ofício no palacete da Serrinha, tanto na mídia
escrita quanto nos segmentos de rádio e tevê.
Aquele respeitável complexo de comunicação,
espalhado por todo o território de Goiás e atingindo também Tocantins, foi
concebido pelo saudoso Jaime Câmara, irmão mais novo de três arrojados
potiguaras – Joaquim, Rebouças e Jaime. Joaquim trazia a visão política e
mercadológica que auxiliou Pedro Ludovico na consolidação e na divulgação de
Goiânia, cujo ápice se deu no Batismo Cultural de 1942. Rebouças era o gestor
financeiro. E Jaime dirigia O Popular
e a Rádio Anhanguera quando se despertou para a possibilidade de expandir as
atividades também para a nova coqueluche – a televisão.
Tudo isso é sabido o bastante para reverenciarmos
sempre a memória do grande empresário, jornalista e acadêmico, benemérito da
Academia Goiana de Letras, da União Brasileira de Escritores, fundador e
mantenedor do Instituto dos Cegos etc. et
cetera. Foi dele a iniciativa do Suplemento Literário idealizado e dirigido
por Gilberto Mendonça Teles, depois por Modesto Gomes, Miguel Jorge, Brasigóis
Felício e outros. Foi dele a ideia de registrar como empregados os meninos
jornaleiros que, com carteiras assinadas, passavam da condição de filhos de pais
desaparecidos para cabeças de família – pois inseriam suas mães como
dependentes no INPS.
Dele foi também a iniciativa de estabelecer um piso
salarial de oito salários mínimos para os jornalistas. Em meados da década de
80, afastado para exercer mandato de deputado federal, talvez não tenha
percebido que esse benefício foi subitamente retirado dos profissionais da
comunicação, sob a liderança do primeiro governador eleito pelo voto popular
depois de quase vinte anos de arbítrio (que, como se vê, não se acabou – mas
mudou a mão que segurava o chicote).
Aos poucos, os artistas goianos de todos os
segmentos –escritores, músicos e artistas plásticos (menina-dos-olhos de Dona
Célia Câmara) perderam espaços nas rádios, na tevê e nos jornais da então
Organização. Hoje, o que se vê é o empenho do GJC promover algo que já está
bastante massificado e rentável, sem a equivalência do bom conteúdo – o surto
de músicas de consumo rápido e pouca duração, qualificada também como descartável,
em detrimento da produção de qualidade de compositores, instrumentistas e
intérpretes de realce na MPB de Goiás.
A impressão que nos fica é que o Grupo se volta
para o “enlatado”, ou seja, a aquisição de valores migrantes, adventícios.
Dispensam-se jornalistas, elimina-se da grade da TV Anhanguera o único programa
artístico de produção local (Frutos da Terra, que, por sinal, já eliminara de
sua divulgação outros segmentos, fixando-se somente na música) e “encosta”
pessoas que mereciam ser preservadas até mesmo pelo que significam na história
do complexo de comunicação (um dos maiores do país) – e não preciso citar nomes.
Enfim, depois de Frutos da Terra, de profissionais
notáveis e ainda em plenas condições de proporcionar o que têm de melhor em sua
formação acadêmica e profissional, bem como de sua carga de experiência,
desaparece do índice do maior jornal desta terra a sua coluna de perfil
literário. Uma funcionária respondeu à poetisa Sônia Elizabeth, ao telefone,
que a mudança vinha em nome da “inovação” e da “modernidade”.
Bem... é nisso que dá fazer jornal sem conhecer a
história! Lamento pela comunidade goiana, que à medida que cresce por inchação,
sob as rodas pesadas do agronegócio, vai perdendo, aos poucos, a sua
identidade, atropelada pelo surto migratório, os sotaques variados e a
truculência dos empreendedores sem compromisso com a nossa qualidade. até aqui
construída com tanto amor – como nos ensinou o líder, escritor, político e
empreendedor legítimo Jaime Câmara.
Em tempo: nem a Associação Goiana de Imprensa, a
União Brasileira dos Escritores (de Goiás), a Academia Goiana de Letras e o
Instituto Histórico e Geográfico manifestaram-se ante essa medida. O que andam
fazendo em defesa das nossas letras?
***
(*) Aos que não conhecem Goiânia, explico que Serrinha é a região urbana ponteada pela Serrinha - colina no extremo sul da cidade onde está a sede do Grupo Jaime Câmara, com alguns de seus veículos de comunicação.
Luiz de
Aquino é jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras
3 comentários:
Título muito bem colocado diante da real atual situação do grande legado do Sr. Jaime Câmara à Cultura Goiana. Com certeza, a verdade de suas linhas pode até lhe trazer alguns desafetos, mas quem sabe poderá render uma mudança positiva que irá beneficiar o jornalismo e a cultura Goiana?
Com meu apoio total, poeta Luiz De Aquino.
Tudo muito bem retratado Luiz.
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