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quarta-feira, janeiro 06, 2016

Serrinha: túmulo de letras e artes

Serrinha (*): túmulo de letras e artes


Desapareceu, na paginação do suplemento Almanaque, do jornal O Popular, a coluna Crônicas e Outras Histórias. Quase não se nota a ausência, haja vista tanta coisa boa que some das páginas daquele jornal, inclusive nomes de profissionais com décadas de ofício no palacete da Serrinha, tanto na mídia escrita quanto nos segmentos de rádio e tevê.

Aquele respeitável complexo de comunicação, espalhado por todo o território de Goiás e atingindo também Tocantins, foi concebido pelo saudoso Jaime Câmara, irmão mais novo de três arrojados potiguaras – Joaquim, Rebouças e Jaime. Joaquim trazia a visão política e mercadológica que auxiliou Pedro Ludovico na consolidação e na divulgação de Goiânia, cujo ápice se deu no Batismo Cultural de 1942. Rebouças era o gestor financeiro. E Jaime dirigia O Popular e a Rádio Anhanguera quando se despertou para a possibilidade de expandir as atividades também para a nova coqueluche – a televisão.

Tudo isso é sabido o bastante para reverenciarmos sempre a memória do grande empresário, jornalista e acadêmico, benemérito da Academia Goiana de Letras, da União Brasileira de Escritores, fundador e mantenedor do Instituto dos Cegos etc. et cetera. Foi dele a iniciativa do Suplemento Literário idealizado e dirigido por Gilberto Mendonça Teles, depois por Modesto Gomes, Miguel Jorge, Brasigóis Felício e outros. Foi dele a ideia de registrar como empregados os meninos jornaleiros que, com carteiras assinadas, passavam da condição de filhos de pais desaparecidos para cabeças de família – pois inseriam suas mães como dependentes no INPS.

Dele foi também a iniciativa de estabelecer um piso salarial de oito salários mínimos para os jornalistas. Em meados da década de 80, afastado para exercer mandato de deputado federal, talvez não tenha percebido que esse benefício foi subitamente retirado dos profissionais da comunicação, sob a liderança do primeiro governador eleito pelo voto popular depois de quase vinte anos de arbítrio (que, como se vê, não se acabou – mas mudou a mão que segurava o chicote).

Aos poucos, os artistas goianos de todos os segmentos –escritores, músicos e artistas plásticos (menina-dos-olhos de Dona Célia Câmara) perderam espaços nas rádios, na tevê e nos jornais da então Organização. Hoje, o que se vê é o empenho do GJC promover algo que já está bastante massificado e rentável, sem a equivalência do bom conteúdo – o surto de músicas de consumo rápido e pouca duração, qualificada também como descartável, em detrimento da produção de qualidade de compositores, instrumentistas e intérpretes de realce na MPB de Goiás.

A impressão que nos fica é que o Grupo se volta para o “enlatado”, ou seja, a aquisição de valores migrantes, adventícios. Dispensam-se jornalistas, elimina-se da grade da TV Anhanguera o único programa artístico de produção local (Frutos da Terra, que, por sinal, já eliminara de sua divulgação outros segmentos, fixando-se somente na música) e “encosta” pessoas que mereciam ser preservadas até mesmo pelo que significam na história do complexo de comunicação (um dos maiores do país) – e não preciso citar nomes.

Enfim, depois de Frutos da Terra, de profissionais notáveis e ainda em plenas condições de proporcionar o que têm de melhor em sua formação acadêmica e profissional, bem como de sua carga de experiência, desaparece do índice do maior jornal desta terra a sua coluna de perfil literário. Uma funcionária respondeu à poetisa Sônia Elizabeth, ao telefone, que a mudança vinha em nome da “inovação” e da “modernidade”.

Bem... é nisso que dá fazer jornal sem conhecer a história! Lamento pela comunidade goiana, que à medida que cresce por inchação, sob as rodas pesadas do agronegócio, vai perdendo, aos poucos, a sua identidade, atropelada pelo surto migratório, os sotaques variados e a truculência dos empreendedores sem compromisso com a nossa qualidade. até aqui construída com tanto amor – como nos ensinou o líder, escritor, político e empreendedor legítimo Jaime Câmara.

Em tempo: nem a Associação Goiana de Imprensa, a União Brasileira dos Escritores (de Goiás), a Academia Goiana de Letras e o Instituto Histórico e Geográfico manifestaram-se ante essa medida. O que andam fazendo em defesa das nossas letras?

***
(*) Aos que não conhecem Goiânia, explico que Serrinha é a região urbana ponteada pela Serrinha - colina no extremo sul da cidade onde está a sede do Grupo Jaime Câmara, com alguns de seus veículos de comunicação.




Luiz de Aquino é jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras

3 comentários:

Zanilda Freitas disse...

Título muito bem colocado diante da real atual situação do grande legado do Sr. Jaime Câmara à Cultura Goiana. Com certeza, a verdade de suas linhas pode até lhe trazer alguns desafetos, mas quem sabe poderá render uma mudança positiva que irá beneficiar o jornalismo e a cultura Goiana?

Sônia Elizabeth disse...

Com meu apoio total, poeta Luiz De Aquino.

Eliane Barros disse...

Tudo muito bem retratado Luiz.