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domingo, janeiro 21, 2018

Língua e Livros



Língua e livros



Gosto muito de tudo o que ouço, vejo e leio sobre a nossa língua. Isso inclui, também, os pontos de intercâmbio, a influência de outras línguas na acepção de palavras estrangeiras, bem como o peso inevitável do falar dos imigrantes de todo o mundo. E nós, no Brasil, que já absorvíamos palavras dos idiomas autóctones, ganhamos ainda com os três séculos da participação africana.

Excelente trabalho de Sérgio Rodrigues


Foi dessa miscelânea que herdamos a “língua brasileira” (prefiro dizer “esta”, pois que é a que me serve integralmente), ou Português do Brasil, com seu vocabulário muito, muito maior do que o conteúdo geral da língua-mãe, o Português Europeu (português, obviamente). E tenho cá comigo alguns livros excelentes sobre a nossa língua, em escrita e fala. Dentre outros títulos, encantei-me com Viva a Língua Brasileira, de Sérgio Rodrigues. Este trouxe à luz um trabalho bem elaborado, de fôlego e seriedade.

Mas tenho também uma obra, Pequeno Dicionário Brasileiro da Língua Morta que, para mim, não mereceu nascer. O autor, Alberto Villas, tomou nota de expressões e palavras, com ênfase para gírias e modismos, e cometeu alguns disparates, como citar por atuais alguns dizeres que lá pelas décadas de ‘1950, 60 e 70 eram correntes – esqueceu-se ele de que a moda que se repete não é só a das roupas, mas a do falar, também.

Um amontoado de equívocos
São da minha infância, há uns 60 anos, expressões que repetimos com facilidade – como chamar de gata ou gato a pessoa amada. Nas leituras, encontrei “pitéu” (décadas de 20 e 30), “chuchu”, “broto” (já estava em desuso quando a Jovem Guarda, movimento musical de 1964 e anos seguintes, a trouxe de volta).

Engraçado (só para exemplificar): ele afirma que “emérito” era uma referência somente em discursos para exaltar algum figurão. E realça que nenhum pé-rapado seria, jamais, chamado de emérito. E arremata o verbete dizendo que hoje o emérito virou senhor. Será isso mesmo?

Outra: ele ressuscita casca-grossa, epíteto para alguém rude e mal-educado, e traduz para o que ele diz ser expressão de hoje – “casca-grossa é um cavalo”. Ora, qualquer pessoa grosseira, em qualquer lugar deste continente Brasil, pode ainda ser chamado de cavalo (ou égua, já que se enfatiza tanto a questão de gênero).

Mas a gafe mais esdrúxula, nas 105 páginas que teimei em ler (o livro tem 302, mas o folhear aleatório deixou claro que as mancadas se repetiam), a “cereja do pudim” foi sobre o curso Colegial, que era dividido em dois tipos (Científico e Clássico) e que se tornou, lá por 1971, Segundo Grau e, em 1996, Ensino Médio.

Ele começa com o verbete “Científico”, definido como “Curso de três anos entre o ginásio e a universidade”. Essa definição já me pareceu uma localização geográfica. E a bobagem foi redigida assim:

Os meninos quando terminavam o ginásio passavam para o científico. As meninas, antes da revolução feminista, faziam o normal ou o clássico. Era no científico que os estudantes começavam a aprender química, física e biologia. Essas três matérias eram a cara do científico. Quem fazia o científico queria seguir a carreira universitária, ser engenheiro, médico, advogado. Ser doutor. (...) Hoje o CIENTÍFICO virou ENSINO MÉDIO” (sic).

Pouco abaixo, ele cuidou disso:

clássico (sic)
Curso intermediário entre o ginásio e a universidade (sic).
Acabava o ginásio existia um curso de três anos antes de prestar o vestibular. O estudante optava pelo curso científico, pelo normal ou pelo clássico. O clássico era um curso meio chique, meio indefinido, meio espera-marido. Fazer o clássico era muito elegante e só. Mas não podemos confundir com aquele que fazia curso de violão clássico. Aí é outra história” (sic).

Ora! Para cursar Direito na universidade, o  menino cursava o Clássico, não o científico. 

Cuidei de transcrever esses trechos sem corrigir nada. Vê-se que o rapaz escreve, mas jamais fez o Clássico ou o Normal. Se tivesse feito um desses, pelo menos erraria menos ao escrever.

E assim é que, mesmo em Minas Gerais, se forma um jornalista nestes tempos pós-Clássico.


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Luiz de Aquino é escritor e jornalista, membro da Academia Goiana de Letras.


3 comentários:

Mara Narciso disse...

Eu seu da sua paixão pela "última Flor do Lácio, inculta e bela" e com você aprendo horrores. Língua Pátria é com você.

Sueli Soares, professora e advogada. disse...

Excelente observação! Os cursos tinham matérias (atuais disciplinas) específicas e comuns. Entretanto, nada obstava que os candidatos aos vestibulares, que eram isolados, escolhessem sua carreira. Consultas à Tábua de Logaritmos e ao Dicionário de Latim eram permitidas por algumas universidades. Que tempo bom!������

Zanilda Freitas disse...

Excelente sua crônica! Eu fiz exame de admissão para o ginásio, e fiz o curso Clássico, não para procurar marido e sim para estudar literatura. Nos nossos três anos de Clássico, tivemos viários colegas do sexo masculino que se tornaram grandes advogados e outros, como eu, mudamos para outras áreas porque tínhamos base para seguir qualquer outro curso, como medicina, engenharia, farmácia e outros.