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segunda-feira, abril 13, 2020

Foi feito de sons e canções, esse baiano!

Para Deus, Morais Moreira!


O baiano que tanto encantou nossas vidas - as de nós, os "nascidos nos quarenta" (como escreveu Henfil) - encantou-se no final da madrugada de hoje. 
Morais Moreira leva pro céu a sua Festa do Interior. Mas o canto persiste e o compositor já fez a vida! E o poeta continua. 
Penso que o texto abaixo - uma de suas últimas peças escritas, dada a atualidade, vale como uma carta-testamento, ainda que intuitiva, do inesquecível autor de Preta, Pretinha. (Luiz de Aquino)


Mensagem enviada por Moraes Moreira a amigos há poucas semanas:
"Oi pessoal estou aqui na Gávea entre minha casa e escritório que ficam próximos,cumprindo minha quarentena,tocando e escrevendo sem parar. Este Cordel nasceu na madrugada do dia 17, envio para apreciação de vocês .Boa sorte".

QUARENTENA (Moraes Moreira)
Eu temo o coronavirus
E zelo por minha vida
Mas tenho medo de tiros
Também de bala perdida,
A nossa fé é vacina
O professor que me ensina
Será minha própria lida

Assombra-me a pandemia
Que agora domina o mundo
Mas tenho uma garantia
Não sou nenhum vagabundo,
Porque todo cidadão
Merece mais atenção
O sentimento é profundo

Eu não queria essa praga
Que não é mais do Egito
Não quero que ela traga
O mal que sempre eu evito,
Os males não são eternos
Pois os recursos modernos
Estão aí, acredito

De quem será esse lucro
Ou mesmo a teoria?
Detesto falar de estupro
Eu gosto é de poesia,
Mas creio na consciência
E digo não a todo dia

Eu tenho medo do excesso
Que seja em qualquer sentido
Mas também do retrocesso
Que por aí escondido,
As vezes é o que notamos
Passar o que já passamos
Jamais será esquecido

Até aceito a polícia
Mas quando muda de letra
E se transforma em milícia
Odeio essa mutreta,
Pra combater o que alarma
Só tenho mesmo uma arma
Que é a minha caneta

Com tanta coisa inda cismo….
Estão na ordem do dia
Eu digo não ao machismo
Também a misoginia,
Tem outros que eu não aceito
É o tal do preconceito
E as sombras da hipocrisia

As coisas já forem postas
Mas prevalecem os relés
Queremos sim ter respostas
Sobre as nossas Marielles,
Em meio a um mundo efêmero
Não é só questão de gênero
Nem de homens ou mulheres

O que vale é o ser humano
E sua dignidade
Vivemos num mundo insano
Queremos mais liberdade,
Pra que tudo isso mude
Certeza, ninguém se ilude
Não tem tempo,nem idade.

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