Poesia na moda, de novo

Luiz de Aquino
O primeiro verbo relativo a versos foi “recitar”. Depois, como se ficasse tácito que recitar era coisa de criança, apareceu-me “declamar”. Os poetas daquela pátria dos anos de 1970 preferiram plantar e deixar consolidar, na década seguinte, o “falar poesia”, em vez de declamar, recitar, reclamar...
Bem, reclamar é algo que nos foi vedado por mais de vinte anos. Vai daí, tornamo-nos reclamadores tenazes e formais. Se com toda a repressão já íamos às ruas, imaginem quando deu para sentir que era possível ir às ruas e passeatar sem repressão! Só que o sonho de liberdade não era algo unânime, como pensávamos nós, os mais exigentes. Ou menos aquinhoados.
Já pregamos poesia nos ônibus, feito pastores da palavra. Aliás, pregamos poesia nos ônibus de duas maneiras – discursando, como religiosos insistindo em consolidar suas seitas, e colando os textos para que os passageiros pudessem ler. E os ventos da liberdade, naqueles primeiros anos de 1980, sugeriram-nos uma nova expressão para as récitas: “comício poético”.
O tempo passa, os das universidades já não dizem tanto “a nível de...”, mas teimam nas locuções verbais com gerúndio e na troca de “em que” por “onde”, além de aplicarem erroneamente a palavra “enquanto”. Enquanto isso, a língua portuguesa do Brasil sofre um abalo de onze graus na escala Richter, algo maior que os terremotos no Haiti e no Chile. Doutos letrados ditos imortais acorrem, acodem, tentam explicar o que a gente começa a descobrir: essa reforma é uma lástima. Portugal, o berço da “última flor do Lácio”, torceu-lhe o nariz e as outras nações lusófonas, também. No Brasil, a reforma chegou fácil à imprensa.
Adormeço minha face jornalista, enfatizo as nuanças das letras em mim. Vou a escolas e falo da escrita e da leitura, incentivo crianças e jovens à poesia e ao canto, à contação de causos e à pesquisa em livros. Falo poemas, declamo, recito... Cometo comícios poéticos para professores e alunos (e pais, também) em escolas municipais de Goiânia.
A população está viva, descubro eu. Viva para aprender e exercitar o raciocínio da Língua, seja ela para falar, escrever e, sobretudo, pensar. Crianças gostam das historinhas tradicionais e inventam as suas. Cantam cantigas religiosas e de temas infantis, algumas das velhas e esquecidas brincadeiras de roda. Por que não revivem, nas escolas, as rodas de cantigas, hem?
Mas esse despertar para o lúdico inteligente já acontece. Vejamos: em plena quarta-feira, tive tarde de cantoria e poesia com crianças na Escola Governador Olinto de Paula Leite (conveniada com a Prefeitura de Goiânia); à noite, falei poemas para uma platéia adulta. Acompanhei, neste ofício, as “Marias” reunidas pela psicóloga Maria Luiza de Carvalho (Bethânia, Dóris e Patrícia, entre outras Marias), no Cappuccino Paris.
Nos jornais, o editor Antônio Almeida, mais conhecido como Antônio da Kelps, desperta uma antiga queixa: o descaso com que a Universidade Federal de Goiás trata os escritores locais, ignorando a produção livresca da terrinha em favor de obras de outras origens. Os professores da UFG (e das demais instituições de ensino superior) responderão que nós, goianos, escrevemos muito mal. O assunto tende a esticar: já participei de encontros com departamentos de Letras e Reitorias, sem qualquer resultado que nos fosse favorável.
Retorno à reforma da escrita e imagino que a campanha em terra brasilis, para que fosse implantada de imediato, atendeu apenas aos interesses dos fabricantes de livros, que cuidaram de prover os canais de imprensa e, ato contínuo, reimprimir milhares e milhares de títulos de livros, tudo dentro da nova ortografia.
A briga por livros no vestibular tem duas facetas: os escribas sentem-se prestigiados quando incluídos (mas os das universidades, quando optam por adotar os locais, preferem os de seu meio acadêmico). Já os livreiros, para estes a indicação de obras permite a ampliação expressiva das vendas.
Em suma: o “acordo ortográfico” vale tanto quanto os vestibulares. São belos instrumentos para se vender livros.
Luiz de Aquino é escritor, membro da Academia Goiana de Letras.
E-mail: poetaluizdeaquino@gmail.com