domingo, julho 09, 2006
A nobreza anda nua...
Não contive o riso. Totalmente incontrolável, e felizmente posso fazer isso, pois não sou “autoridade constituída”. É que vivemos o tempo do “non sense” e da total ausência de discernimento. As pessoas têm a desfaçatez (leia-se “descaramento”) de dizer, afirmando, em público, coisas totalmente avessas aos fatos a ela relativos.
Na sexta-feira da semana passada, compareci à solenidade de inauguração do restauro da popularmente chamada Capela da Santa Casa, na Rua 4, centro de Goiânia. A Igreja, hoje, parece nota destoante do conjunto arquitetônico do Centro de Convenções; mas não é verdade, o Centro de Convenções é que destoa do templo católico, pois a igrejinha (ela parece pequena porque foi inserida, originalmente, num grande conjunto de construções; e continua pequena porque ao seu lado está o gigantesco complexo de teatro, auditórios e espaço de feiras).
Por volta de 1940, ela foi construída, integrada a um grande complexo: a Santa Casa de Misericórdia de Goiânia; e cerca de 40 anos depois, a Santa Casa foi demolida. O prefeito Íris, governador responsável pela demolição da Santa Casa, diz hoje, como disse com todas as letras de que dispõe, que foi surpreendido, no primeiro ano de seu governo (1983) com a notícia de que o grupo Eldorado, de São Paulo, comprara a Santa Casa para ali erigir um xópin. Ele intercedeu, tentou convencer os diretores da Sociedade São Vicente de Paulo de que aquilo seria uma agressão ao povo goianiense. E, resumindo, depois de afirmar que “os prédios da Santa Casa não suportavam mais reformas” (disse, sim; e são muitas as testemunhas, inclusive muitas “autoridades constituídas”; mas só eu ri), disse-se orgulhoso de ter salvado a igreja.
Bem, pelo visto, só eu vi que o rei estava nu.
Ouvi dizer que, na última quarta-feira, também o secretário Kleber Adorno postou-se de rei nu durante uma audiência pública na Câmara Municipal. Posso ter entendido errado, quem sabe? Mas o secretário da Cultura não admite, ainda, que a Justiça tenha anulado a Conferência de Cultura do ano passado, aquela em que foram distribuídas cédulas de mão em mão, com orientação de votos (pois é: até intelectuais votam por cabresto; haja vista as últimas eleições na Academia Goiana de Letras).
E aí, alguém suscita uma fala atribuída a Martin Luther King, o grande herói negro norte-americano assassinado pela intolerância racista da década de 1960: "O que mais preocupa não é nem o grito dos violentos, dos corruptos, dos desonestos, dos sem caráter, dos sem ética. O que mais preocupa é o silêncio dos bons." Algo bem ao gosto do colega Rosenwal Ferreira, mas prefiro constatar o líder das massas negras. Entendo, sim, que há violentos, corruptos, desonestos, sem caráter e sem-ética gritando; mas os bons, meus amigos, não se calam; se se calam, não são bons, mas, sim, têm algo em expectativa e não há de ser lícito. Ou honesto.
Vou exemplificar: num dia desta semana, a Sônia, que presta serviços domésticos à minha cunhada há mais de dez anos, foi à padaria em frente; ao retornar, entrou no elevador “de serviços”. A propósito: a expressão “de serviços” pretende dizer “de serviçais”, isso faz parte do cinismo da classe dominante. Uma senhora muito bem vestida, supostamente mãe de uma moradora do prédio (Edifício Excelsior, na parte sul da Praça Tamandaré), exigiu de Sônia: “Você queira descer e deixar que eu suba antes”. A moça, que de boba não tem nada, retrucou: “Suba no outro elevador, madame (disse com ironia), porque eu estou com pressa” (toque de petulância da mestiça Sônia).
Como se vê, a soberba é tônus dos arrogantes; a alguns, o poder político permite mentir deslavadamente; a outros, o traje ou o patrimônio faz pensar que são superiores.
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4 comentários:
Caro Luiz,
A sua crônica é a crítica de que Goiás carece. A democracia nessas terras é vista sob a ótica da obediência aos coronéis, sejam eles da cultura, do executivo, do legislativo ou do empresariado local.Ouvi de um vereador, lider do governo que o empresario precisa de mais estimulo para investir em cultura e que a lei de incentivo devia permitir que quem "usa dinheiro público para apoiar projetos culturais, tenha pelo menos a logomarca da impresa divulgada". Que país é esse? Esmola como chapéu alheio é facil, afinal o recurso investido deveria obrigatóriamente ir parar nos cofres públicos. Tem lógiga uma coisa dessas?
A farsa do 3ª Conferência de Cultura é emblemática para entendermos uma das faces da democracia brasileira. A do vale tudo. E ai sim, você tem absoluta razão, os bons não se calam jamais, se se calam é por que aguardam a oferta de publicação de alguma coletânea, ou livrinho de gosto duvidoso, ou peça de teatro com proponente trocado, ou um carguinho no governo, ou sabe lá Deus o que mais.
Infelizmente, o que visualizam o rei nu, são tratados como insanos, pois se atreveram a dizer aquilo que todos veêm mas morrem de medo de dizer. Afinal será que são capazes de ver por si mesmos? Ou só veêm aquilo que os coronéis goianos querem que seja visto?
Abraços e parabéns!
Parabéns, pela crônica maravilhosa .
Que narrador maravilhoso constuíste! Dando-o vez e voz. O qual se manifesta brilhantemente contra esse "mundo" infelizmente dominado pelos poderosos corruptos.
Afinal lutar é preciso!
Luiz,
Achou estranho a ausência de comentários nesta crônica? Pois é. O povo a despeito de tudo, é esperto. Nunca se sabe se Maguito ganha e no governo do Estado teremos a reedição da "Hora do Pesadelo 4 - O retorno".
Então, o melhor e o mais esperto é o silêncio. E ai os bons se calam e deixam de serem bons, por que compactuam e contribuem para a permanência do coronelismo goiano.
abraços
Deolinda, você tem toda razão.
Novamente, a "inteligentzia" desta terrinha de "boiás" se cala por medo das urnas. E quantos, entre intelectuais e artistas, não votarão em Maguito? A memória (deles) é curta; a minha, não.
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