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Na fila do banco, um caixa ostenta o cartaz: "Preferencial para portadores de necessidades especiais, gestantes, idosos" etc. Na fila geral, ao lado, meu amigo me provoca: "Rapaz, você é do lado de cá". Agradeço-lhe a gentileza do tratamento, mas respondo que já dobrei o "Cabo da Boa Esperança" e não abro mão do direito de ficar na fila especial. Ante a brincadeira, outro idoso, à minha frente, comenta dos dezessete quilos que dispensou nos últimos doze meses e me falou de incômodos estomacais.
É assim: velho gosta de falar de doenças e extravasam a alegria de tê-las vencido. Quando não, contam de macacoas e apontam soluções milagrosas, quase sempre fora dos conceitos alopáticos e homeopáticos, centrados em mezinhas do tempo das vovós (deles, os mais velhos). E assim, com a fila caminhando lentamente, o tempo passa sob a ação perfeita dos puxadores de assunto em feiras, filas, salas de espera de médicos, ônibus...
Dia desses, um amigo me preveniu: "Se eu te vir furando fila, faço escândalo e não deixo você passar". Não deixei barato: "Experimente! Chamo a polícia e mando prendê-lo, é da lei". Outro me pergunta por que faço questão de me beneficiar disso, se não tenho limitações. "Pôxa − respondi −, é direito meu, siô!" Sim: tem gente que acha que a lei devia restringir-se aos velhos com limitações. Que cinismo! Ser velho já é uma limitação. Aos 60, produzindo textos de prosa e poesia com mais desenvoltura que antes, não consigo emprego: "Passou da idade", dizem-me, veladamente, porque não é legal responder "na lata" que o motivo é esse. Mas eu vi uma diretora de escola particular, na solenidade dos seus 48 anos, recusar currículo de uma professora (com mestrado, é bom que eu diga) porque a moça chegara aos 39 anos. "Está velha" – disse a freira-diretora – sem nenhum espírito cristão.
Na fila, percebo que alguns velhos trazem um envelope-saco, desses pardos, cheio de papéis de pagamentos: contas de luz, três; de telefone fixo e celular, cinco ou seis; carnê de prestação de carro do neto; carnê de prestação da geladeira da filha; outro, do computador de outro neto; contribuição para o INSS; parcela do Imposto de Renda da nora...
Assim, a fila dos idosos, que devia beneficiar os velhinhos com a perspectiva de menos tempo, vira um suplício. Neste caso, o velho que trouxe o envelope cheio de pagamentos a fazer é torturado; não pelo banco, nem pela clientela "não-preferencial", mas pela família que lhe deve respeito e amor. O vovô virou contínuo dos marmanjos preguiçosos. Sacanagem!
Mas, por escolher a fila dos velhos, paguei um mico em Copacabana, no Rio. Entrei na agência bancária, peguei uma senha de vovô e fiquei lá, esperando; foi nada menos que uma hora e quarenta minutos de espera. Havia velhos de bengala, de muletas e até de andador. Só então me dei conta: aquele é um bairro de velhos, muitos deles vivem sós, e demorar na fila do banco é algo prazeroso: ajuda a matar o tempo ocioso. Enquanto isso, a fila dos "não-preferenciais" andava, e bem.
Irritado e já perdendo o horário para um almoço marcado, ficou em mim a lição: em Copacabana, se tiver pressa, melhor deixar de lado a condição de velhinho, uai!
17 comentários:
Ah, nem, Luiz!
Você com esse papo de velho chega ser engraçado demais. Mas que cara de pau, apelar para a fila dos prejudicados!??
Mas a crônica se superou, amei!
beijos
Deolinda
Você é sempre demais Aquino. Respeito a sua opinião em relação às leis, você tem o direito. Até ai tudo bem! Mas velho?! Você é um homem maduro, só isso!
Heliane com "H"...Qual? Descubra você!
Luiz, eu amei a sua crônica. Melhor dizendo: amo todas. Sou sua fã de carteirinha. Porque você escreve gostoso de ler. Eu me senti na fila com você. A fila andando, os sacos pardos, o povo gostando da fila. Tem um outro lado ruim dos (hic) “preferenciaveis”, que é aquela coisa da falta de respeito de quem não conhece a lei e não teve educação doméstica, ou não sabe ler simplesmente. Mas não é o assunto agora. O assunto é: eu amo ler o que você escreve porque você escreve como se conversasse com a gente ao seu lado! E eu amei sua casa nova! Posso vir mais vezes? Beijos
E quem mandou ir para Copacabana? Querendo tirar proveito? hahahaha Eu tambem sou avó duas vezes, ainda não fiz sessenta , mas quando vou no Rio só entro se a fila for a mais curta ora ora !!!
Venha para a Bahia que eu levo você numa fila gostosa em frente a praia. Banco do Brasil . Duvida?
um bjo
É isto aí meu amigo!
Falta pouco para eu tb desfrutar das coisas maravilhosas que oferecem aos idosos! rs
Mas farei questão de usufruir de todas!
Amei a sua crônica adorável "velhinho" !!!
Beijos SIÔ!!!!!!!
Em tudo há vantagem e desvantagem, se for só uma coisa, aí, perde a graça.
Quanto a fila não andar, é reclamação constante de meu veim Warendy, motivo de seua prefência pela fiala ao lado.
REcebi de Paulo Nascimento, velho amigo de CPII:
Luiz, uma linda crônica, onde trás a luz da consciência do direito, bem como da vida e suas necessidades. Texto que reflete de forma fiel a vida daqueles que devem descansar pelo trabalho já realizado,e que na falta de praças, bem como pela insegurança, encontram na fila a forma de se encontrarem.
REcebi de Maristella Marinho:
OLÁ LUIZ,É SEMPRE PRAZEIROSO LER SUAS CRONICAS.ESTA DA FILA DE BANCO É MUITO INTERESSANTEE ME FEZ SORRIR MUITO. EU ME ENCONTRO NAS SUAS PÁGINAS.!!!!UM ABRAÇO COM MUITO CARINHO.
Recebi da "pedroca" (ex-aluna do Colégio Pedro II):
Meu amigo, poeta e cronista!!!
Linda e verdadeira, sua crônica, chorei ao lê-la. Não escrevo no blog, sou tímida, lembra???
Desrespeito e preconceito, essa é a educação q o nosso povo recebeu e continua recebendo. Nossos idosos, deficientes e gestantes não valem nada por aqui.
Ainda me lembro, quando, há 30 anos atrás, eu morando na Inglaterra, ficava emocionada em ver a consideração e respeito a essas condições, pelo povo daquelas bandas, e sempre pensava...um dia seremos assim, também, no Brasil!!! Mas qual nada...por aqui se instituiu a lei, que é cumprida à força, mas q a educação familiar não deixa por menos, e...explora os idosos, deficientes e gestantes.
Bjs, te amo cada dia mais, por escrever lindos poemas e crônicas tão verdadeiros.
C. M.
O rei, nu, em Copacabana, triste com os heróis de pés de barro e com saudades da moça de ontem, de tudo lembra, de um pouco escuta, compartilhando, em uma fila preferencial do caixa de um banco.
Incrível, expressar poesia, romance e prosa da vida mundana, do dia à dia, do ontem e do agora.
Gosto, gostei e ainda gostarei muito...
Que bom lhe conheci, que bom existiu o Colégio Pedro II!
Todo meu carinho eu lhe mando em um beijo.
Ah,sim, Luiz!!
Você veio e nos brindou com essa
deliciosa crônica, gostosa de ler
e com um assunto verdadeiro e atua-lissímo."Vantagem do velho"? Ah...
não! Direito do velho.Parabéns por
ter feito uso do seu direito de sessentão.Ter sessanto anos não é
ser velho, a idade está na cabeça
e forma de vida de cada pessoa; E é sabido que existem jovens velhos com 30 ou menos,e jovens de 60 ou
mais anos.Seus sessanta nos te dão
direito de fazer uso da "vantagem do velho", sim!Mas seu amigo estava certo, quando lhe disse:"Ra-
paz, você é do lado de cá"!Ele não disse assim só por brincadeira, com certeza a sua estâmpa e maneira de ser, fez com que ele pensasse que tem menos idade....
E assim sendo, mas uma vez ele es-
tava certo!! Você, é, na verdade, um charmoso, talentoso e maduro ve-
lho jovem!
Não sou "pedroca",mas...Também
não sou pedra...Não estou no ca-
minho do fantástico Drummond!!!!
Ahh...Mas estou sim, no encalço ou "caminho" de Carminha e da...
" Moça de ontem"! Poeta,Carminha
ainda deve estar em "a espera", e a "moça de ontem", onde será que ela está? Rsrsrs!
Luiz de Aquino, parabéns! Suas crônicas, contos e poemas interagem com a gente!
Beijos menino!
Lêida França
Não pude deixar de rir com o seu “mico”. É verdade, Luiz, em Copacabana não é vantajoso usufruir os direitos por filas especiais, pois geralmente são as mais longas. Fui bancária nos anos 80, em Copacabana(!!!), época que a lei dos direitos dos idosos ainda não tinha sido criada e já observava que o maior volume de pagamentos era trazido pelos contínuos e velhinhos. Acho que muitos deles se sentem úteis. Num país, onde uma pessoa de 39 anos é considerada velha para exercer sua profissão, e sabemos que nessa idade, estamos em nosso auge produtivo, aceito que eles tenham esse sentimento de utilidade.
Muito oportuno, Luiz, o assunto dessa sua crônica. Nós, que já dobramos o espigão (como se diz aí em nossa boa terra) temos hoje alguns direitos estabelecidos em lei. Mas, nesse país de espertalhões, muitos dos mais vividos são também explorados, às vezes por seus próprios descendentes, como você bem observou. Pois sempre há os que querem tirarar proveito dos direitos alheios. Aqui em Brasília, empresas começaram a dar emprego a idosos, não por questão de humanidade, mas apenas para usá-los nas filas de bancos, com seu grande volume de papéis. Por isso, agora, os idosos só têm direito à fila preferencial para transações em seu próprio benefício. Pelo que você conta, tal providência já se faz necessária aí em Goiânia.
Luiz, sem essa de se considerar velho.. eu ja te disse voce agora esta mais bonito mais atrente , sem nenhum vestigio de velho, e diga-se de passagem mais galante..
Lembre-se que o tempo medio de vida do homem brasileiro agora e na casa dos 90!Asssim voce esta apenas amadurecendo.. beijocas Ademais, voce esta um pouco preconceituoso , como as nossa falidas leis.
Idoso ou Velho
Idoso é quem tem privilégio de viver a longa vida...
Velho é quem perdeu a jovialidade.
A idade causa a desgenerência das células...
A velhice causa a desgenerência do espírito.
Você é idoso quando sonha...
Você é velho quando apenas dorme.
Você é idoso quando ainda aprende...
Você é velho quando já nem ensina.
Você é idoso quando se exercita...
Você é velho quando somente descansa.
Você é idoso quando tem planos...
Você é velho quando só tem saudades.
Você é idoso quando curte o que lhe resta da vida...
Você é velho quando sofre com o que o aproxima da morte.
Você é idoso quando indaga se vale a pena...
Você é velho quando sem pensar responde que não.
Você é idoso quando sente amor...
Você é velho quando não sente mais do que ciúmes e possessividade.
Para o idoso a vida se renova a cada dia que começa...
Para o velho a vida se acaba a cada noite que termina.
Para o idoso o dia de hoje é o primeiro do resto de sua vida...
Para o velho todos os dias parecem o último da longa jornada.
Para o idoso o calendário está repleto de amanhãs...
Para o velho o calendário só tem ontens.
Enquanto o idoso leva uma vida ativa, plena de projetos e preeenche esperanças...
O velho vive horas que se arrastam, destituídas de sentido.
Enquanto o idoso tem os olhos postos no horizonte de onde o sol desponta...
O velho tem a sua miopia voltada para as sombras do passado.
Enquanto as rugas do idoso são bonitas porque foram sulcadas pelo sorriso...
As rugas do velho são feias porque foram vincadas pela amargura.
Enquanto o rosto do idoso se ulumina de esperança...
O rosto do velho se apaga de desânimo.
Idoso ou velho podem ter a mesma idade cronológica, mas têm idades diferente no coração!( Jorge R. Nascimento)
Poeta, exija sim seus direitos e todas as vantagens também, mas exija sempre o direito do idoso, porque estar velho é muito deprimente e estar idoso é a mais rica vitória que a vida nos proporciona....Abraço...
Pra que fila preferencial?
Não tem um papo de que com a idade chega a sabedoria? Então depois dos 70 anos é obrigação da pessoa saber que horas que banco tá vazio.
Adorei a sua escrita, mas cá entre nós: Esta vantagens para a terceira idade é absurda. Você que está em ótima saúde pode usar uma fila exclusiva, se eu aparecer com câncer me arrastando eu não terei, afinal, eu tenho 30 anos.
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