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domingo, setembro 24, 2006

Entre colunas

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Dias finais de seca, vésperas de primavera. Céu leitoso de névoa sem ranço nem esperança de chuva. Ar seco, de arder e sangrar narinas. É setembro, ainda, e é dezenove; prefiro escrever com antecedência: é terça-feira, tenho tempo, mas o dia branco de alma cinza causa em mim o triste que não se cala. Nestes dias, faço anos; mas costuma chover antes. Este ano, não; a meteorologia faz o ano atrasado.


Era aniversário de minha mãe, 19, desde 1923.

Foi num também 19 de setembro, 1999, que morreu José J. Veiga, o dos contos e de Pirenópolis e Corumbá e Goiás Velho. José, o do mundo, cidadão, não tinha fronteiras: cresceu menino de fala abreviada “cóo rorosé cá senluz, cá vi”; locutor em Londres BBC, leitor compulsivo da Biblioteca Nacional Rio de Janeiro, moço bonito e galante, conquistou Clérida e se fez dela pelos seguintes cinqüenta anos, até que o morte etc.

Setembro é tempo de aniversário meu; o dia é o de menos, festejo-o o mês inteiro, porque se o dia exato me fizer triste, há os outros de me sentir alegre, feliz ou ainda cheio de luz e esperança. Mas 19 é triste, sim; e este é esbranquiçado de nuvem distante, uma só a revestir todo o céu que, de avião, eu veria azul.


Céu do Planalto Central é assim, muito azul. Feito os olhos daquela amada distante em tempo e geografia. Distante, sim; nunca esquecida. Azul é bonito, muito. Penso, mesmo, que azul é a cor do bem da gente. Acho que uma alma feliz é ligeiramente azulada, como a lua de abril, no céu do Planalto, a abençoar a cerrado. Aquele azul que lembra levemente um tom de prata, mas que resplandece feito um lampejo de certeza, sucedendo esperança.

Penso em ligar, teclo zero operadora seis quatro... Não, não ligo. Meu pai há de estar triste; se eu ligar, aumento-lhe a tristeza. Melhor esquecer o aniversário de Dona Lilita. Então, ligo para o Gabriel, zero operadora dois um... Desligo outra vez. Gabriel está, é certo, pensando no Tio José. Também não me concentro no retrato da mãe, obra impecável de mestre Amaury Menezes; nem pego na estante livro algum do José J. Veiga. O dia é, mesmo, para ser triste; e as chuvas esperadas ainda se fazem tardias.

E lá está meu pai, em Caldas Novas; ele, que é filho da bucólica e musical Pirenópolis, que agora é do Canto da Primavera, prefere o calor das termas. Eu, não: filho de Caldas Novas, não me esqueço do cascalho avermelhado nas ruas, das enxurradas onde brincar com barquinhos de papel, dos quintais de frutas e esculturas em talo de buriti, anos tenros e verdes da década de 1950.

Meu pai é decano e remisso na Loja Maçônica Segredo e União. Foi o primeiro a iniciar-se nos mistérios dos pedreiros-livres, 19 de setembro de 1946. Vez em quando, eis o velhinho, mais de oitenta anos, ostentando gravata e paletó e avental de mestre elevado, Escocês Antigo e Aceito...
Sessenta anos de irmandade, meu pai! Parabéns! Você, meu velho, soube, sim trabalhar com a trolha, erguendo “templos à virtude e cavando masmorras aos vícios”.

4 comentários:

li stoducto disse...

oi, luiz!
te descobri e vou deixando
meu beijo
;)

Leandra Felipe disse...

Que linda descrição do azul do céu... Bela crônica! E Parabéns pelo aniversário!!!!!! Beijos Lê

Anônimo disse...

Meu amigo, como viajei nessas palavras, me senti abraçada à voce, às lembranças de J. Veiga , de sua mae, de toda uma paisagem...
parabens, voce é unico...
abraçao
sinvaline

Luiz de Aquino disse...

Naquele setembro de 2006, eram sete anos sem José J. Veiga; e desde março, eram dois anos desde que minha mãe, Dona Lilita, despediu-se de nossa terra e ares. No texto, devo fazer uma correção: a iniciação de meu pai na Loja Maçônica Segredo e União se deu em junho de 1946, não em setembro (o erro decorre de uma informação enganosa que colhi, na época).