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domingo, setembro 10, 2006

Jardim das delícias

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Parece que foi ontem. Ou há vinte anos, ou mês passado. No fundo, acredito que é de sempre ou que trouxemos de outras vidas essa vontade de ficar juntos, essa alegria de estar juntos, essa esperança de continuar juntos.


Às vezes penso que começou com um beijo. Ou antes, dias antes, quando das primeiras frases (escritas ou faladas?). Ou do primeiro olhar. Mas não me lembro, mesmo, o que aconteceu primeiro: se trocamos cartas e bilhetes, se nos falamos ao telefone, se nos vimos na esquina ou na portaria...

Houve, sem dúvida, um olhar decisivo. E um beijo, cinco minutos depois. Ou cinco segundos? Ou cinco meses? Um beijo na testa, ou dois beijos nas bochechas e nos olhos, um beijo no nariz, na boca... Um beijo que não queria se acabar. Ah, sabe? Acho que não se acabou. Nem mesmo nossos intervalos interromperam aquele beijo. Nem o amor realizado em carne e ofegos, nem a distância, a ausência eventual.

Há tempos, sim; ontem ou há décadas? Sei-te clássica e bela, como sempre: minha paixão, meu amor, meu desejo... Tudo de meu em ti, ou de teu em mim. Essa troca de bom e de bem, tua essência a me acender hormônios... Esta história, a nossa história, calcada em óbices e reencontros, existe mesmo? Nós a vivemos ou a sonhamos, apenas? E pode-se dizer de um sonho que seja “apenas”?

Sim, tenho dúvidas. Não sei se somos reais ou se, um para o outro, somos projeções de desejos eternos, esses que trazemos do éter e que os incautos pensam esvair-se no pó do chão, simbólico e bíblico. Talvez sejamos, sim, projeções de nossos pensares, de nossos anseios. E nós, o que somos, enfim? Digo de mim “o meu corpo, o meu espírito” ou “o meu dedo, o meu pé”, mas se tudo se junta para ser eu, por que me refiro a mim como partes destacáveis? Sou um pacote que se montou em um momento algum, feito jogo educativo que se aplica nas escolas?

Estranho mesmo, isso que se mistura para chamar amor. Ou paixão, embora tão diferentes, paixão e amor. Paixão: desejo sublimado, ornamentado de atos e palavras e vontades. Amor: sentimento sublimado, ornamentado de atos e palavras e vontades. A diferença é do vapor para o gelo. Só isso. O que se tem a meio é líquido, água que dá vida e asfixia, se não se souber que se usa em doses certas e nunca, nunca pode faltar.

Paro e leio um novo poema, que me vem de Rosângela Alves, assim:

“Jardim das delícias

Quisera ser jardim
Abocanhada de delícias
Sairia tudo de mim
Contos com amor
Poesia açucarada
Palavras doces
Hálito puro e fresco
Beijos ardentes
Nenhum ranger de dentes
Maciez aveludada
Batom vermelho paixão
Saboreando um sorvete
Com quente cobertura salgada
Submergindo a língua
Áspera, sôfrega e cálida.

Ávida pelo frenesi voluptuoso
Desembocando no ápice do amor”.

E então te olho mais, e muitas outras vezes, e te toco e te beijo, e te amo de alma, e te amo de corpo. Tomo tuas mãos para trazer-te a mim; dou-te uma das mãos para passearmos sem rumo, ou sairmos apressados atrás do tempo ou do ônibus. E andamos felizes, e vivemos felizes.

É que, de mãos dadas, a gente encena a metáfora: nossas almas estão, sim, juntas. E até há quem julgue, sem muitos enganos, que somos felizes.

9 comentários:

Anônimo disse...

Poeta, que coisa linda! Só uma alma repleta de sensibilidade pra conseguir expressar em palavras o quão singelo pode ser um sentimento. Eu gosto de Drummond porque de tudo ele fazia poesia... gosto de você, porque você sabe transmitir que a poesia é tudo.
Um grande beijo.
Erica Camarotto

Anônimo disse...

Luiz de Aquino!! Que delícia passear no Jardim de suas palavras!
Crônica simplesmente PERFEITA!
Beijos

Dênia

Anônimo disse...

QUERIDO AMIGO E POETA!
SE ESTA TELA PUDESSE EMITIR SONS, COM CERTEZA TERIA OUVIDO MEUS SUSPIROS , MINHA EXCLAMAÇÕES E MEUS APLAUSOS!
QUE LINDO ACABEI DE LER!! !
EMOCIONANTE!!! DELICIOSO!!!
SEM PALAVRAS!
SÓ APLAUSOS!!!!!
BEIJOS!
LILI

Anônimo disse...

Nossa, que lindo! "Sou um pacote que se montou em um momento algum, feito jogo educativo que se aplica nas escolas?" Ou sou um amontoado de átomos sem nexo? se olharmos por partes, veremos que não somos nada, mas, se olharmos o todo, veremos que há um significado esse monte de osso coberto de carne e pele.Esse negócio que move, pensa, age, nada mais é que um fantoche colocado no teatro (mundo) para representar uma peça, ou escrever? Somos energia conectadas ao universo, somos positivos, às vezes negativos, somos guiados cegamente por um desejo de prazer, um desejo louco de realizar algo, uma ânsia de ser feliz. Fomos programados para caçar feito bichos. A diferença é que somos racionais.Preste atenção, como nunca acaba nossa busca.Encontramos um caminho e já queremos outro.Desvendamos um mistério e já envolvemos em outro. E assim vai, cada dia um pouquinho: Voce, eu, o passarinho...
É fácil ser feliz: Basta querer...

Anônimo disse...

Sinto-me muito lisonjeada pela crônica a um simples comentário que fiz sobre minha boca que no escrito tem o codinome "Jardim das delícias", só uma pessoa de tamanha sensibilidade poderia enaltecer-me com tamanho mimo. Obrigada lindo poeta!!!

Rosângela Alves

Anônimo disse...

eita, bom encontrar a querida ró por aqui, poeta. abraços

Anônimo disse...

Luiz,
Um belo passeio vc. deu nesse jardim, me levou a passear também por jardins da vida...
Belo texto, parabéns,
Beijos,
Lu

Anônimo disse...

Luiz, que que sapiência, que maravilha! Juntando letras e construindo palavras...Juntando palavras construiu jardim...E, ao mesmo tempo em que o constroi,por ele vai passeando, dando-nos o delicioso prazer de fazer esse doce, divino e espetacular passeio
no seu "Jardim das delícias".
Luiz, lindissíma crônica, nada faltou, dá até para sentirmos o cheirinho de flores e outras "coisa" mias...No! Outras coisas mais! Rsrsrs!
Luiz, você é o poeta do amor...E um AMOR de POETA!Você está ficando feito vinho:Quanto mais maturado... Melhor!
Beijo

Lêida Gomes.

P/a
Rosângela Alves, a homenagem foi mais que merecida. Nosso poeta sabe
a quem homenagear.
Abraços! E parabéns!

Anônimo disse...

Não tenho vindo aqui com a freqüência que gostaria. Falta de tempo, só. Mas este texto e aquele poema que fala do velho, uma delícia, ambos. Aplausos