"Há algo no ar além dos aviões de carreira". A frase, do saudoso e sempre novo Aparício Torelli, mais conhecido como Barão de Itararé, ficou além dele. E nunca foi tão atual, essa máxima surgida com o propósito satírico. Há, efetivamente, muita coisa a mais no ar, e boa parte dessa muita coisa está ligada aos próprios aviões (de carreira ou não).
Há muito tempo entendo que a verdade é uma falácia, sempre. Ou seja, se é falácia, não é verdade. A verdade não é senão uma conveniência, e a verdade é a versão de quem pode mais. E poder é algo absolutamente relativo. Chegaram mesmo a cunhar uma frase imbecil, a preferida pelos puxa-sacos de plantão (e existe sempre, em todos os lugares, um puxa-saco de plantão): "Manda quem pode, obedece quem tem juízo".
É triste constatar que, efetivamente, houve falha humana, possivelmente dos controladores de vôo, naquele fatídico acidente com o Boeing da Gol, em setembro. Como não se pode negar, também, que os pilotos ianques falharam por desligar equipamentos. A realidade dos fatos, que vem a ser a coisa mais próxima de verdade, jamais será plenamente conhecida; então, a verdade há de ficar com quem pode mais. E aí, veio o tal de "apagão aéreo" para incomodar a nação inteira, numa evidência de que, para a pessoa que pretenda usar o máximo possível de sua cidadania, não existem fatos isolados.
Claro, claro: somos peças de uma só máquina; ou, vendo por outro ângulo, somos, cada um de nós, peça indispensável de muitas máquinas. A profissão mais importante do mundo é aquela da qual precisamos num dado momento. E neste momento histórico, no Brasil, o controlador de vôo é um dos mais importantes profissionais.
Voei de Goiânia ao Rio na última quinta-feira. E, como sempre, tive conexão em Congonhas. Como eu, nenhum passageiro comum entende a razão que nos obriga, em pelo menos 50% dos trajetos, a fazer conexão em São Paulo, onde estão dois dos mais ativos aeroportos brasileiros. Se vamos ao Nordeste, conexão em Sampa; se vamos ao Sul, conexão em Congonhas; se vamos a Campo Grande, conexão em Guarulhos.
A quinta-feira foi um dia de paz relativa nos aeroportos. Houve atrasos, sim, mas não havia pane nem os controladores empatavam a fila. Apenas as companhias aéreas tentavam conciliar vôos, cancelando alguns, juntando dois em um só, adianto decolagens, aguardando novas tripulações, etc. e mais etc.
Em síntese, decolar em Goiânia foi um ato com pouco mais de hora e meia de atraso; a espera em Congonhas, que seria de três horas, não foi reduzida, mas um pouco mais demorada, de modo que chegada ao Rio, prevista para as 14 horas no Galeão, aconteceu às 16h30min no Santos Dumont. Mas o cidadão, esse ser humano cheio de direitos, sempre quer um pouco mais. Diverti-me com os argumentos de uma senhora, aparentando experiências de cinqüenta anos, reclamava diante da câmera da tevê: "Sou filha de europeu. Somos um povo subdesenvolvido sim. Imaginem: ontem, o meu vôo foi cancelado; hoje, cheguei com dez minutinho de atraso e não pude embarcar".
Ou seja: na cabecinha dela, um atraso por razões técnicas ou de mobilização de classe é subdesenvolvimento; mas o atraso dela há que ser respeitado.
Eu, hem!
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