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Lembranças são coisas boas que a gente vê por dentro de nós. São imagens retidas na mente e que muitas vezes nos mente, acrescentando coisas por nós desejadas às imagens de antes.
Parêntese: engraçada a palavra “antes”; certa vez ouvi de Cora Coralina “antanho”, que já havia lido em romances de antigamente; tudo é “antes”. Fecho parêntese, mas continuo a pensar na palavra antes e nas coisas de antes.
Circulei a Praça Tamandaré. Fiz, na memória, um filminho que começou nos primeiros anos da década de 1960. Era um largo imenso, despovoado e desprovido de coisas urbanas; não tinha mais qualquer árvore grande, nem as pequenas e retorcidas que deviam, sim, ter coberto aquele chão dez anos antes que eu a visse. Era cruzada por duas estradas vermelhas do chão nu que fora cerrado, as avenidas (na planta) C e E; a Avenida C tornou-se Assis Chateaubriand, dizem que foi porque os militares impediram o então prefeito Íris Resende de homenagear o presidente Juscelino; e a Avenida E, pelo prefeito Manuel dos Reis, passou a ser República do Líbano, no mesmo embalo das homenagens às Forças Armadas, gerando novos toponímios: Praça General Xavier Curado (em frente ao Lago das Rosas), Praça Santos Dumont (no Setor Aeroporto) e Praça Tamandaré (a velha e ampla Praça E).
O asfalto fez do Setor Oeste um bairro dito “nobre”. Raríssimas árvores originais sobraram, como um ipê roxo na esquina das ruas 6 e 3. Jaci Fernandes, quando secretário de Ação Urbana, mandou plantar muitas árvores no espaço onde antes se instalavam parques e circos visitantes. Mas nada de pequi, sucupira, pau-ferro, jenipapo... Nada! Jaci pretendia estender por vários outros pontos abertos da cidade seus minibosques, mas a medida ficou pelo meio. Nessa época, a Praça Tamandaré se tornou referência. Meu filminho termina com uma triste constatação: não existe mais nenhum dos imóveis que abrigaram os bares e restaurantes de vinte anos atrás. A memória da praça se foi, substituída pelas agências bancárias.
Esta semana, o moço boêmio de antes, agora “sexy-agenário”, tomou um chope num novo bar, margem esquerda do córrego Vaca Brava, que agora é temporário. Não posso dizer que o lado de lá é Jardim América sem ofender os “nouveaux-riches” (ou “emergentes”) que preferem chamar o lugar de “Bueninho”. O amplo terreno do boteco ostenta uma árvore nativa. Uma. Só uma, belíssimo exemplar de angico, madeira nobre.
Ainda bem que está em terreno particular; se estivesse do lado de fora, já o teriam derrubado. Tem sido assim, nesta atual gestão municipal. Em lugar de se monitorar toda a arborização, substituindo as mongubas que a cada chuva trazem riscos, por suas quedas ameaçadoras, a prefeitura simplesmente elimina qualquer árvore para não obstruir fachadas comerciais.
Triste: para se fazer cidade, Goiânia matou as campinas, o cerrado e a mata que, em harmonia, formavam a paisagem natural destas plagas (isto também é palavra de antes); e, agora, cuida de fazer um futuro áspero e seco. E eu me pergunto: se a Justiça cassa o prefeito de Anápolis por descumprir lei do próprio município, o motivo para Goiânia não é igual? Afinal, há leis de preservação nas três esferas de poder.
2 comentários:
Poeta,
a pergunta é boa...por que em Anápolis, em Niguelândia e outras cidades, o prefeito por muito menos já perdeu o mandato e aqui tudo continua como dantes na terra de Abrantes?
TB adoro viajar no tempo, especialmente no fim de ano!
O tempo tras coisas boas e ruins, temos é que nos adaptar.Querido Luiz, uma vez politizado sempre inquieto, não é? Nem vou comentar , sabe pq? Hj me lembrei de Mario Quintana que dizia " Bem-aventurados os pintores, os musicos, os bailarinos, os matemáticos, cada qual com sua expressão! Só o poeta é que tem de lidar com a ingrata linguagem alheia...
A impura linguagem dos homens!"
Bjs e como sempre adorei e concordo!
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