
“Ah! Essa falsa cultura...”
O título, tomo-o por empréstimo de Millôr Fernandes, o “escritor sem estilo”, no dizer dele mesmo.
É comum ouvirmos excrescências por aí afora. É que nós, pessoas comuns, temos a mania de dizer coisas que pensamos ser verdadeiras ou corretas até nos darmos conta de que a informação nos chegou por partes mínimas, ou tendenciosas. Mas os que detêm o poder de falar, a um só tempo, para milhões de pessoas, em som ou em palavras escritas, estes têm que se dar conta de que alguns cuidados são indispensáveis.
Achei, na Internet, uma página em que o escritor José J. Veiga (goiano de Corumbá de Goiás) era dado como nascido em Mato Grosso do Sul. Pois bem: Corumbá, a de MS, é mais conhecida, é referência histórica. Mas a nossa Corumbá de Goiás, pequenina e prosaica, bonita feito um presépio, tem importância literária: é berço de dois dos maiores contistas brasileiros: o próprio Veiga e Bernardo Elis. Cuidei rapidamente de informar, pedindo correção. Esse errinho é corriqueiro quando se trata de cidades homônimas em Estados diferentes.
Outro dia, num famoso programa de tevê, confirmei o que já sabia: nem sempre a fama equivale ao conhecimento. Numa só entrevista, festejada profissional da comunicação chamou o Código Penal de Constituição; logo depois, disse que a Guerra de Sucessão deu a Independência aos Estados Unidos (o nome certo é Guerra de Secessão); e, antes de fechar cinco minutos, a dona falou que alguns políticos agem em função de “interesses escuros” (ela queria dizer “escusos”).
Nada a estranhar: não há muitos dias, aquela senhora, embarcada num dos maiores transatlânticos da atualidade, não soube dizer que o “volante” dos antigos navios se chamava “timão”. E, noutra vez, disse que os jovens gaúchos, no passado “dançavam o minuano”. Ora: minuano é um vento forte que vem da Antártica, e não uma dança (minueto)...
Tive ocasião de comentar com outras pessoas que viram e ouviram essas aberrações. Há quem diga que o problema é de audição, pois os apresentadores de tevê usam um minúsculo ponto eletrônico, e o diretor costuma soprar sugestões que, nem sempre, o apresentador entende; mas à má audição daquela senhora temos de associar uma total ignorância. Mas os ganhos em pecúnia lhe chegam a milhões, pois, pelo visto, basta uma cara bonita e a coragem de se mostrar sem constrangimentos, pondo a nu o pouco aproveitamento das escolas e a falta de intimidade com os livros. E, na mesma roda de comentários, alguém não resistiu e comparou-a a jogadores de futebol. Mas estes, para ganharem muito dinheiro, têm de ter talento e competência profissional.
E então, pensando no futuro, observo crianças. Vejo alguns meninos e meninas em altos vôos, dominando palavras e textos, falando em ciências e informações gerais; e vejo outros, orgulhosamente exibindo boletins cheios de notas altas e conceitos na classe A, mas seus cadernos mostram coisas absurdas, como um total desconhecimento de ortografia. Escrevem “serveja” ou referem-se à “cenha”. Imagino quando tiverem de escrever tóxico, executar e enxame, com a letra X variando em três sons distintos.
As escolas fingem que ensinam; os pais deixam tudo por conta da escola. Descobri, há décadas, que o ambiente doméstico é, de fato, o berço de conhecimentos e hábitos, forjam o indivíduo na qualidade de madeira de lei; a escola age como ferramentas que aprimoram a forma, lixam e dão brilho.
Encerro como comecei, recordando Millôr Fernandes: “É inegável que a leitura melhora fundamentalmente o ser humano. Desde que, claro, ele seja alfabetizado. Já a televisão piora até o analfabeto”.