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segunda-feira, fevereiro 05, 2007

Síndrome de mãe


Síndrome de mãe

Fotos: TiagoBrandão/AE/Revista IstoÉ 1944


O que me tranqüiliza é que tudo o que existe, existe com uma precisão absoluta.
O que for do tamanho de uma cabeça de alfinete não transborda nem uma fração de milímetro além do tamanho de uma cabeça de alfinete”.
(A Perfeição - Clarice Lispector)

Clarice que me perdoe, e perdoem-me os fãs de Clarice (como eu o sou), mas vou discordar: o ser humano é sempre menor que suas próprias possibilidades. Maria Jerônima, a mãe que se jogou no poço para impedir que o filho morresse afogado não sabia nadar. Mas o que importa saber ou não saber nadar se um filho pode morrer afogado? Não, não pode; não morre. A mãe estava ali, ao lado. E era perfeita. Era mãe.

Marisa Soares Roriz, também mãe, ouviu barulho inusitado e palavras nervosas. Sentiu que era o filho, o filho vindo do banco, trazendo dinheiro. Atrás dele, dois ladrões armados que não conseguiram tomar o dinheiro das mãos do moço, porque havia a mãe. E a mãe não estava armada, não sabia atirar, não conseguiria medir forças com os jovens ladrões nem tinha compleição física à prova das balas. A mãe morreu pelas balas dos meliantes, mas o filho, não. Ele não morreu: ela era a mãe por perto.

A mãe que nadou sem saber não morreu. Um fotógrafo, Tiago Brandão, documentou profissionalmente o acontecimento e acudiu de modo a salvar mãe e filho ao final, quando, também por não saber nadar, acionou o motorista Wilson Batista. Final? Não: ele foi verbalmente agredido e moralmente criticado porque teve sangue frio para documentar as cenas, e só interveio feito cidadão ao constatar que a mãe não sairia dali tão facilmente, pois, ao sentir que salvara o filho, lembrou-se que não sabia nadar. Viva a mãe! Viva o filho! Mas, também, viva o fotógrafo Tiago! E o motorista Wilson, também viva!

Mas no caso do assassinato da arquiteta Marisa, em Goiânia, duas coisas me intrigam: primeiro, o fato de não haver câmeras de segurança na agência bancária onde o filho Thiago sacou quatro mil reais; outra coisa foi o fato de a caixa do banco dizer, em viva voz e audível a todos os presentes, que o moço aguardasse ao lado, pois levaria uma importância alta. É que, uma semana antes, noutra agência do mesmo banco (no meu caso, na Praça Tamandaré, esquina das Ruas 7 e 8), funcionária do caixa fez o mesmo comigo: “Conte seu dinheiro aqui ao lado”, disse ela, informando a todos os presentes que eu fizera saque superior ao que se faz nos caixas eletrônicos.

No caso da mãe paulista que não sabia nadar, não havia recursos de segurança prévia: as chuvas são feitos da Natureza, crianças são alvo do imprevisto e mães são heroínas intuitivas. No caso do assalto a Thiago, há leis e normas que exigem câmeras e preparo dos funcionários de banco, e mães são heroínas intuitivas.

Difícil mesmo, e novamente temos outra coincidência nos dois casos, foi o delegado insinuar, na tevê, que as vítimas tinham culpa por sacar grande volume em dinheiro. Isso doeu tanto em cada um dos filhos de Marisa quanto doeu no fotógrafo do caso de Franca. É verdade que podemos, sim, evitar grandes saques nas caixas bancárias, mas cada um sabe de si e de suas necessidades. O que se deve fazer é evitar saques à vista do público, pois nunca se sabe quem é o distinto cavalheiro ao lado, ou a bela garota sensual e provocante atrás de nós, na fila. Mas cabe à polícia e aos próprios bancos orientar a população e a clientela, e não atribuir ao consumidor e cidadão a culpa pela escalada da violência.

À Maria Jerônima, os louros que a imprensa concebe. À Marisa Roriz, arquiteta e professora, a nossa saudade. Mas, no meu modo de entender a vida, bem no das mães com quem conversei sobre esses fatos, não há surpresa alguma: elas são mães e, como tal, foram além de meras “cabeças de alfinete”. A ambas, apenas o nosso reconhecimento, que é contrário às medidas da grande poeta patrícia Clarice Lispector: quem nasceu para cabeça de alfinete jamais chegará a ser mãe. Não como concebo o termo.

16 comentários:

Anônimo disse...

“O que me tranqüiliza é que tudo o que existe, existe com uma precisão absoluta.
O que for do tamanho de uma cabeça de alfinete não transborda nem uma fração de milímetro além do tamanho de uma cabeça de alfinete”.

Luiz, se "os brutos também amam", os sábios, os intelctuais, religioso e políticos também eram,
melhor, tudo que é feito ou dito pelo ser humano são passíveis de
erros.
Também sou fã da Clarice Linspector, mas só posso concordar com você, pois nessa Clarice Lispector, errou feio.
Em "Síndrome de mãe", você aborda um assunto que é hoje,infelizmente,
uma das maiores procupações das pessoas de bem em nosso país.A falta de segurança e a nossa vulnerabilidade diante da violência é gritante, revoltante.
Você acertou ao abordar esse assunto.
Poeta, diante de tanta violência, despreparo e desumanidade de quem deveria nos prestar segurança e bons serviços, só posso lastimar tamanho absurdo e concordar com tudo o que você disse aqui.
"Viva a mãe! Viva o filho! Mas, também, viva o fotógrafo Tiago! E o motorista Wilson, também viva"!
Aos famíliares e amigos da arquiteta e professora Marisa Soares Roriz, vítima de latrocinio, empenho meus sinceros sentimentos.
Para as caixas do banco e ao delegado,deixo a minha indgnação e repúdio.

A você Luiz, meus parabéns!
Beijo,
Lêida Gomes.

O ser humano é sempre menor que suas próprias possibilidades.
(Luiz de Aquino)

Anônimo disse...

Caríssimo poeta,
As mães não pensam com a cabeça, pensam com o coração. Este desvio de função, explica e justifica não um, mas todos os milagres diários que as mães fazem para alimentar seus filhos, ocasionalmente os salvam de outras tragédias.
Fraterno abraço.
Eneida Alencar.

Anônimo disse...

Lindo, como sempre, mas discordo de você (se me permite, é claro. rs). Penso que ser mãe, é de uma precisão absoluta. O tamanho de uma mãe é o que cabe nela; tudo o que está nela é preciso; é milimétrico; é exato; do exato tamanho de que ela precisar.
A grandiosidade de Maria - e de todas as mães - não transbordou no momento de desespero, mas estava dentro dela; cabia nela; era ela.
Beijos da sempre fã, Primavera.

Anônimo disse...

Oi pai,
Você que sempre acha que eu não leio suas coisas, aqui está um comentário:
linda crônica, me emocionou...você é sempre muito bom quando escreve e quando eu crescer vou quero serigual a você.
Beijos

Anônimo disse...

"Penso que ser mãe, é de uma precisão absoluta. O tamanho de uma mãe é o que cabe nela; tudo o que está nela é preciso; é milimétrico; é exato; do exato tamanho de que ela precisar".

Caro poeta, Luiz de Aquino,
discordo da opnião de Primavera.
Sou mãe e avó, e para mim ser mãe
é de uma imprecisão absurda, muita das vezes temos que ser elásticas
e dilatarmos em busca de forças, coragem que não estão dentro de nós
para atendendermos ou salvar nossos filhos. Dilatamos e buscamos o que for preciso para salva-los, dentro e fora de nós, e ao dilatarmos,transbordamos em busca de salvar ou ajudar um filho, aí sim, nossa força, coragem, tenacidade são absolutas, absurdas e incondicionais.Ser mãe é buscar dentro e fora de nós, o que for preciso para salvar nossas "crias,"
de todo e qualquer mal ou perigo.
Somos Marias Jêrônimas, Glorias Peres e se preciso for, vamos aínda mais longe.Portanto, não temos medidas exatas.

Parabéns poeta!Sua crônica é lindaa!

Beijo,

Ana Guerreiro Carvalho.


Ser mãe é buscar dentro e fora de nós, o que for preciso para salvar nossas "crias,"
de todo e qualquer mal ou perigo.

Anônimo disse...

Luiz,
Zelo de mãe, sofrimento de mãe, amor de mãe.Exagero? Como entender tudo isso?
Pode entender melhor um coração que caminha por esta estrada acidentada e por vezes, bem amarga como a maternidade.
Sendo mãe, sua vida nada significa , quando "sua cria" é ameaçada por um mal maior.
Mas a esperança em seu peito é tão grande que faz surgir, ninguém sabe de onde,uma energia e uma vitalidade utilizadas tão somente para proteger,se doar e amar com muita doçura.
Uma bela homenagem feita a partir de exemplos bem representativos.
Parabéns, Luiz, maravilha de crônica!
Beijos!

Bosco Carvalho disse...

Os caixas bancários demonstram não só despreparo, como também falta de tato e de respeito pelos clientes, que na verdade são os 'empregadores' dos mesmos. Sem cliente, um banco não existe. Sem banco, não existe o emprego.
A síndrome de mãe é hoje, vista pela ciência genética, nada mais que o instinto de preservação genética de nosso DNA. Todas as nossas emoções e atitudes 'sobre-humanas' são regidas pelos mesmos. Isso explica por que é que os pais fazem muito mais pelos filhos, do que no sentido inverso.
Pode parecer frio, mas é minha contribuição para tentar aumentar a consciência a respeito de nossas emoções.

Umn abraço

Anônimo disse...

Oi Luiz
Que crônica maravilhosa!
Não quero falar de Clarice mas sim de você, da sua enorme sensibilidade e percepção do que é ser MÃE.
Ser MÃE é abrir mão de sua própria vida em favor da do filho.
Eu não estou autorizada a reproduzir um texto da mãe de um autista da Comunidade "EU AMO O G@BRIEL", quanto à bênção da maternidade, mas você pode entrar nesta comunidade e verificar.Ela diz de outra forma o que você tão bem nos passou.
É verdade: quem tem cabeça de alfinete jamais pode ser uma MÃE de verdade.
Parabéns,mais uma vez, meu poeta e colega de CPII.
Abraços,
Anna Cortás

Anônimo disse...

Para nós mães não importa a classse social,o poder aquisitivo e outras coisas.O que vale mesmo é salvarmos nosssos filhos.Não é a toa que no dia das mães o comércio vende igual ao Natal . Porque nós não medimos esforços para salvá-los.
O que eu acho é que os governantes deveriam ter um pouco,um pouquinho de amor pela nosssa população,nós estamos largados,estamos nas mãos dos bandidos.O que os políticos querem é salvar o seu "bolso" e a sua família, nós somos importantes para eles só na hora da eleição.
Se eles doassem dez por cento para segurança e hospitais nós estáríamos melhor.Os oitenta por cento ficariam para eles.Mas esses 20% também deve ser desviado,e aí nós ficamos com 000% isso quer dizer nada.
Luiz perdão por eu falar essas coisas,mas estou triste ao ver a população abandonada. Abraços e beijos.

Tânia Cristina

Anônimo disse...

Oi Luiz,
Li a crônica e achei super interessante, realmente mães fazem qualquer coisa pra salvar filho, lembra do caso da mãe que abriu a boca do jacaré pra tirar o filho lá de dentro? Podemos ficar horas lembrando de histórias e mais histórias. Penso que você está certo, também não concordo com a idéia de cabeça de alfinete de Clarisse Lispector, acredito no reino de todas as possibilidades, creio que tudo é possível nesta vida, nada é fixo e as coisas se transformam constantemente, vivemos num mundo de mutações, somos seres em constante transformação, claro que alguns mais outros menos, mas sempre mudando, modificando, refazendo, repensando e, consequentemente, transformando.
Abraços,
Neusa

Anônimo disse...

Luiz,

Sou pequenina e frágil em mtos momentos da vida, mas meus filhos sabem q têm em mim uma parceira em qq situação, e uma guerreira q não se intimida diante de nada qdo é por eles...

Amor de mãe é assim mesmo, um porto seguro pronto pro aconchego...

Parabéns, vc continua escrevendo com intensidade e beleza.

Márcia

Lenita Naves disse...

Caro Luiz,
Sobre as mães que vc comenta estou plenamente de acordo.Mas, agora eu lhe pergunto, com ofica a mãe daquele menino assassinado por monstros no Rio de Janeiro ? Vamos nos calar ?? Esperar acontecer mais e mais vezes e ver mais e mais o choro inconsolável daquela mãe que a despeito de tudo ainda tentou salvar o filho ??? E depois se diz que a maioridade penal não pode ser reduzida.Que Lei é essa nossa ??!! Será que perdemos a capacidade de nos indignarmos ?? A impunidade é o maior incentivo para crimes bárbaros como esse. O que fazer antes que outros filhos venham a morrer e outras mães a chorar?? Precisamos de ação,muita ação.Falta capacidade para agir
Abraço
Lenita

Anônimo disse...

Quem é realmente MÃE sabe que existe um instinto, primitivo ou não, de proteção, ajuda, amor, sei lá o quê.
Tb sou mãe, e muitas vezes algumas pessoas que não são me chamam de "obsessiva".Querer saber que meu filho dorme sem sentir frio, ou querer saber como foi na escola, ou por quê está tão quieto no quarto ao lado[trata-se de uma criança] essas coisas que a gente quer sempre saber, alguns chamam de obsessão. Imagino as situações mais extremas, como essas , de mães que se entregam para ver os filhos vivos!
Tb sou filha, graças a Deus ainda tenho a minha mãe viva e relativamente saudável, que tb foi "obsessiva" por mim e por mais 3 filhos. Tanto ela qto eu cuidamos do mais novo, do nosso caçula, que já tem 31 anos!Brinquei de ser mãe dele, e mesmo depois de crescer, eu e ela esperamos , muitas vezes, que ele chegasse das festinhas e acampamentos.Obsessão?Claro que não!SÍNDROME DE MÃE, COM MUITO ORGULHO E AMOR!

Anônimo disse...

Oi, Luiz Lindo! Vim te ver! Bela crônica. Foge do lugar comum. Saludos. Maria José Limeira.

Anônimo disse...

Luiz
Parabens por sua bela crônica, minha irmã MARISA onde estiver agora estará com certeza absoluta olhando por seus tres filhos e amigos que eram muitos.MARISA, rebelde, afoita, corajosa e forte(embora pequena e frágil).Lamentável a postura das autoridades e caixas bancários despreparados.MARISA ESTÁ E ESTARÁ SEMPRE CONOSCO.
Mazinho (clodomar Jarbas Soares)

Luiz de Aquino disse...

Sem dúvida, Mazinho.
Tantos são os casos que se perdem na memória volátil dos jornais e das conversas das gentes!... Fala-se tanto em impunidade e exige-se tanto do cidadão mediano, mas os poderosos estão aí a cometer o que bem entendem, como os Renans e Sarneys que se reproduzem no Senado...

Luiz