Páginas

quinta-feira, março 29, 2007

Carta ao LH



Carta ao LH


Há pessoas que têm uma memória incrível para datas; invejo-as pela exatidão de tais lembranças, pois demonstram, também, um rigor de informações sobre fatos passados que, infelizmente, não consigo reter muito bem. Mas não perco algumas marcas no tempo, e o faço, na quase totalidade das vezes, por mera associação de idéias.

No dia 29 de março de 1996, bem cedo, saí de casa, nas proximidades da Serrinha, rumo ao Setor Aeroporto. Minha filha já se internara para dar à luz meu primeiro (e, até agora, único) neto; há sete anos, uma netinha foi frustrada num acidente de percurso no quinto mês de feto. Era o dia do Luiz Henrique.

No percurso, ouvia o noticiário: o Cepaigo (penitenciária que hoje tem outro nome, em Aparecida de Goiânia, município vizinho), o já então famigerado Pareja liderava uma grande rebelião, mantendo reféns de alto luxo: desembargadores, juízes e o diretor do presídio. Assim, passei o dia na ocupação de avô-novo e na concentração ante os fatos. A diferença fundamental, eu já a sabia: LH, meu neto, é marca para a vida toda; já o Pareja e seu motim, perigoso e rejeitável, cairiam no limbo das notícias velhas.

Nestes onze anos, muita coisa aconteceu. Mudaram-se os dirigentes dos presídios; mudaram-se os governantes, em Goiás e no Brasil; mudaram-se as posturas das pessoas e a gente sempre renova esperanças. É verdade que, nestes onze anos, dezenas ou mesmo centenas de rebeliões aconteceram nas cadeias do Brasil, e até mesmo rebeliões “em cadeia”, quero dizer, em série. Felizmente, em Goiás tais motins foram poucos, e rapidamente solucionados (Goiás andou melhor que a média nacional, neste quesito).

Nestes onze anos, LH cresceu; e seu tio Lucas, o meu filho temporão, nascido apenas oito meses antes, cresceu também; são como galhos num mesmo pomar; não da mesma árvore, mas frutos próximos, literalmente familiares. Frutos para a minha (a nossa, melhor dizendo) alegria e, também, preocupação ambígua (de um lado, o empenho que nós, pais educadores, temos para fazer o melhor; de outro, o receio pelo futuro do Planeta e da Sociedade).

Aquele 29 de março ficou, para mim, como o óbvio que a todo dia se repete: num mesmo instante em que meia-dúzia de malucos detonava as torres gêmeas na tal “capital do mundo”, alguém (ou muitos “alguéns”) era feliz. Os onze anos da batalha do Pareja certamente são lembrados por pessoas que lhe eram próximas e, provavelmente, por suas vítimas traumatizadas com o desenrolar dos fatos e, depois, aliviadas com o desfecho. O dia, para os meus, foi quase feliz, não fosse nossa preocupação de sempre na busca utópica do convívio harmônico.

São assim os dias e a vida: contraditórios e completos. Este 29 de março de 2007 é, para o meu neto, um dia muito feliz, mas ele sabe que não podemos apenas ser felizes: a Terra, nossa casa, pede socorro, está febril, superaquecida, desfazendo-se das geleiras polares e dos picos alvianil dos Andes, dos Alpes, do Himalaia... Há o desmatamento desenfreado, o plantio doentio de dinheiro de nomes novos: soja, cana...

Por isso, LH, o meu neto, precisa saber, e saber muito bem, com riqueza de detalhes e profundidade nas informações, que muito há a ser feito, e nenhum de nós, os tais de seres pensantes, pode se omitir (é que o inimigo, inteligente e mal intencionado, não se omite: age, e age para o mal).

No beijo de parabéns, LH, o Vô lhe deseja um futuro feliz. Mas, ao mesmo tempo, muito responsável. Faça isso, por favor! Você tem as ferramentas.

9 comentários:

Anônimo disse...

Me emociona sempre, hoje então mais ainda ler o que você escreve.
Obrigada pai, pelo avô que você é pra o neto que é tão sedutor quanto você .

Beijos

Anônimo disse...

Esta crônica eu tenho obrigação de comentar, por se tratar de LH.Tenho por ele um carinho ímpar, como tenho pelo Lucas.Vendo-o com essa carinha de quem sabe o que quer,com esta postura de violonista, só tenho que agradecer a Deus a oportunidade de ter uma dia a felicidade de cruzar seu caminho.
Parabéns a voce vovô, parabéns a voce LH, parabéns a todos nós por ser parte de sua vida!
Um grande abraço...

Anônimo disse...

Querido Luiz,
Maravilhosa carta.A emoção dominou-me mesmo e fui caminhando em suas palavras e compreendendo o que queria dizer ao mesmo tempo que um sentimento de carinho e vontade de não parar nunca me acompanhou.
A sua entrevista também está belíssima. Lindo blog, lindos textos, maravilhos convidados.Quem sabe um dia eu terei alguma frase nele? risos
Beijos
Vânia Moreira Diniz

Anônimo disse...

Luiz
Fico muito feliz por sentir em sua crônica, toda a emoção de um avô orgulhoso ao acarinhar e orientar seu netinho na ocasião do seu aniversário.
Parabéns pela linda homenagem e, ao Luiz Henrique desejo,com muito carinho, o melhor que a vida puder lhe reservar.
Beijos

Anônimo disse...

Que liiindo, que vovô mais coruja! Adorei. :) Ah! Sobre os rumos do planeta em que vivemos, leia na Minas faz Ciência nº 28! hehehe
Um beijão!

Anônimo disse...

Esqueci de assinar o comentário anterior, mas vc deve saber: sou eu, Ariadne. rs Beijo, de novo.

Anônimo disse...

Luiz, se avô é ser pai duas vezes, então avô ama duas vezes. Haja coração!
E no dia de LH, ele ganha presente, nós ganhamos presente, ele se emociona, nós nos emocionamos.

Mensagem lindíssima de um avô amoroso, sensível e preocupado, fiel à sua veia jornalística, pela qual dá o seu recado ao neto, instruindo-o e orientado-o para a vida de cidadão do futuro, neste mundo que está à beira do caos.

Parabéns LH por mais um outono e parabéns vovô Luiz por mais esse presente que Papai do Céu te deu.

Anônimo disse...

Professor Luciano Byron (peresluc@hotmail.com | 01/04/2007 às 08h18):

A capacidade de concatenação das idéias, no texto de Luiz, é algo que deva ser bem observado pelo leitor. Incrivelmente, parte o autor de um fato pessoal, alia-o a um social e junta os dois num desfecho peculiar. Além disso, numa época em que são chamados de heróis participantes de um reality show, Luiz nos faz reanalisar fatos que já integram a história de Goiás (Goiânia), embora sejam fatos contemporâneos (como a rebelião comandada por Pareja). E lendo o texto, que falou de memória, lembrei-me que um livro do tal Leonardo Pareja foi vendido nas bancas de revistas e fez até muito sucesso. Lembro-me que um jornal, que não o DM até noticiou: "Pareja recebe inúmeras cartas de fãs"... O Brasil precisa de heróis de verdade, conscientes do papel no mundo. Que sejam heróis é o que desejamos aos nossos descentes cuja difícil missão já se faz posta: Conservar os recursos naturais e a vida no planeta Terra. O texto cumpriu o seu papel: Instigar no leitor as "rememórias" .

Prof. Luciano, de Ceres (GO)

Anônimo disse...

Parabéns, menino !!
Sinto orgulho de ter um amigo como vc, querido por todos não só pela sua competencia, mas pela pessoa que é, sincero e muito amigo.
Beijinhos

Malu Cirilo