Segurança e memória públicas
A morte do menino João Hélio, no Rio de Janeiro, desencadeou duas vertentes dignas de nota: primeiro, a avalanche de textos na imprensa e na Internet, variando da pieguice à estupidez, desde o choro inevitável das dores íntimas até a bandeira irracional das penas agravadas, da vingança travestida de justiça etc. e tal; segundo, uma onda de mais violência por todo o país, notadamente nas metrópoles do sul-maravilha, Rio de Janeiro e São Paulo.
Em Goiânia, um processo na Justiça Federal faz de peteca sem dono, ou com dois donos, um dos primeiros edifícios da cidade, o do histórico Grande Hotel. Só que de modo inverso: a Prefeitura o quer; o INSS não abre mão. Alega o órgão federal que, tendo-o por aquisição na forma de pagamento de débitos, não pode aliená-lo, etc. e mais etc. A decisão ficará para o Tribunal Regional Federal.
Parlamentares demoram-se a mexer nos estatutos penais, que remontam a 1941. Nestes 66 anos, a sociedade brasileira mais que triplicou, a média de idade se expandiu, as consciências modificaram-se e os problemas atuais vão muito além, mas as leis são praticamente as mesmas. Os grupos criminosos das capitais do crime disputam, agora, quem sai com mais ênfase na mídia. E os que poderiam decidir não decidem.
O que se passa com a ocupação do Grande Hotel (de Goiânia) é quase o mesmo. O bom-senso manda que o prédio seja entregue a organismos públicos ou não-governamentais, mas ligados à cidade, para sediar acervos da memória local. Diz-se que o Governo Federal pretende instalar ali um órgão de arrecadação. E que a Prefeitura de Goiânia propõe a troca por um amplo terreno, nas proximidades do Paço Municipal, mas os federais não querem abrir mão do Grande Hotel.
Assaltos a bancos, roubos de cargas, contrabando de armas e tráfico de drogas, entre outros itens que compõem o crime organizado, continuam. A repressão conseguiria, sim, erradicar esse mal. Ela agiu com eficiência, de dolorosa lembrança, nos tempos da ditadura. Será que não consegue agir na democracia? Consegue, sim, a gente sabe. Mas o aparelho político não o permite. Desliguem-se as polícias e as Forças Armadas do engajamento político-partidário e os resultados serão notáveis. Foi assim em outros países.
Um grupo de artistas e intelectuais, incluindo-se aí ativistas ambientais, defensores do patrimônio histórico e autores de textos e obras que compõem a memória da sociedade, empenha-se, em Goiânia, pela criação de um Museu Atílio Correia Lima. A homenagem ao urbanista que concebeu, na prancheta, a nova capital de Goiás implica a ocupação do Grande Hotel, com a instalação do acervo do respeitável arquiteto. A isso, somar-se-ia documentação farta sobre as edificações em moldes “art-déco” e, não menos importante, um centro de documentação da cidade, riquíssimo acervo para a História de Goiás e da ocupação do Planalto Central (Brasília inclusive) no Século XX.
Em suma: é esperar que os juízes federais em Goiás decidam em respeito à memória da sociedade goiana e não ao mero conceito patrimonial físico.
Na outra ponta das preocupações locais sobre segurança, espero, junto com milhares ou milhões de goianos, que o governador Alcides Rodrigues decida-se pelo delegado Márcio Martins. É que José Paulo Loureiro, o melhor secretário de Segurança em Goiás nos últimos tempos, foi-se para a iniciativa privada, mas quem acompanha as notícias conhece a competência do delegado diretor da Polícia Civil.
A vez é sua, Governador!
4 comentários:
Comentário no rodapé da crônica, na edição eletrônica do Diário da Manhã:
Impressiono-me com a capacidade sensível de Luiz ao discorrer sobre uma tragédia que virou propaganda para o Jornal Nacional: a morte do menino João Hélio. Paralelo a isso, há também o manifesto de um morador de Goiânia - no caso o próprio autor - que por várias vezes já defendeu a "canonização" - não procurem pois isso é um neologismo semântico - do Grande Hotel. Belo texto e bela visão. O DM precisa de pessoas assim: intelectuais, mas lúcidas.
Professor Luciano (peresluc@hotmail.com | 11/03/2007 às 07h09)
Gosto dos textos desse cronista porque abordam temas atuais, embora ele sempre volte ao passado, como se ali abrisse sua gaveta da memória e extraísse singularidades únicas.
Nesse caso, a crônica ressuscita a velha questão do Grande Hotel, aqui de Goiânia, num paralelo único com a comoção popular ante a morte do garoto João Hélio.
O que compreendo do texto do cronista Luiz de Aquino, de certa forma, é uma visão bem minha, mas que serve para se alcançar o fim almejado pelo autor. Veja que, o tempo todo, ele busca confrontar a ineficiência da “fábrica de leis”, que é o Congresso Nacional, com a situação atual do país. De fato, se a violência chegou ao atual patamar, é porque não se cuidou de reformar o sistema penal brasileiro com o tempo, acompanhando a evolução da sociedade e os novos temas que foram surgindo. Como não se fez o dever de casa a tempo, agora é preciso acionar a “fábrica de leis” e assim conter a indignação popular ante os crimes bárbaros que a imprensa noticia sem trégua.
E você me perguntaria: que tem isso com o Grande Hotel? Em resposta, diria que tem muito, ou, na verdade, tudo a ver. A Administração Pública é única. Pode até estar fracionada em órgãos (secretarias, agências etc) ou Poderes (Executivo, Legislativo ou Judiciário), mas ela constitui o Estado brasileiro. Pois bem. Se o Estado não é capaz de cumprir com seu papel constitucional de salvaguardar o cidadão, impedindo, por exemplo, que o menino João Hélio morra tão tragicamente, como conseguirá reverter as mazelas sociais com pacotes de leis e outras medidas? E mais. Se não se cumpre as leis como se deve, para que “fabricar” mais dispositivos legais?
E vou mais longe. Não seria o caso de perguntar: se a Administração Pública, sendo única, edita “leis instantâneas” para aplacar o clamor público, por qual razão não toma medidas administrativas, com base no clamor dos artistas goianos, para entregar o Grande Hotel ao povo?
Esse é um tema importantíssimo que merece ser discutido mais vezes. Por tudo isso é que quero parabenizar o cronista pela bandeira que levantou em prol da cultura e, de quebra, deu um xeque-mate nessa histeria legislativa atual, uma vez se têm outras formas mais eficientes de se alcançar a paz social.
Adriano César, o Poeta!
Luiz,
A ocupação do Grande Hotel como museu da memória da urbanização da cidade, uma homenagem justa ao arquiteto ou mesmo da Estação Ferroviária, onde se gastou 1 milhão e meio de reais, e está jogada as traças.
E na expectativa de uma decisão justa do TRF, como só podem seguir a Lei, que o INSS não faça ali instalar um órgão burocrático e cobrar uma ação do IPHAN nesse sentido. Ou seja, que o IPHAN instale ali um museu federal, e atente para um detalhe, Goiânia não tem nenhum museu federal fora da alçada da Universidade! Se é inevitável que o prédio vá parar nas mãos do INSS que tenha seu uso restrito. E quem pode determinar isso? O IPHAN!
Para um museu dar certo precisa de recursos e de quem acredite na importância dele, financiando e etc. E quem melhor que o IPHAN através do DEMU (departamento de museus) e logo será criado o IBRAM (Instituto Brasileiro de Museus).
Deolinda Taveira
Muito bom o texto. Quando vejo um intelectual se precocupando com a segurança e com os destinos da nossa Nação, fico mais animado. Nem tudo está perdido. Continue, sempre!!!
Valeu, Poeta!
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