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segunda-feira, julho 23, 2007

Crítica de Mário George Bechepeche


O material a seguir, de autoria do escritor, professor e médico Mário George Bechepeche, foi publicada no Jornal Opção, de Goiânia, edição do dia 15/07/07.




REELEITURA

Intimismo e misantropia


Luiz de Aquino mantém-se fiel aos modelos naturais, tradicionais e lineares de uma escrita que ele estiliza pela expressão vocabular e frásica, do que pelos acometimentos experimentalistas, estruturais de buscas e arrevezamentos na construção dos tropos.


MÁRIO JORGE BECHEPECHE - Especial para o Jornal Opção


Historicamente, faz parte de uma geração que cursou o último quartel do século XX, implantando as propostas estéticas que facetavam a literatura brasileira, como em Goiás, Miguel Jorge, Heleno Godoy, Carlos Fernando Magalhães, Maria Helena Cheim, Yeda Schmaltz, Antônio José de Moura, Luiz Araújo, José Mendonça Teles, Jesus de Aquino Jaime, Alaor Barbosa, Brasigóis Felício, Gabriel Nascente, os quais construíram suas obras com os caracteres advindos de nuances atípicas, imprevisíveis; às vezes até particularíssimas de alguns autores, estilistas personalíticos, invulgares e sensacionais, que por um fenômeno de dialética da arte, transformaram-se de imponderáveis e puras sensações de aferição de leitura em reais modelos de escrita, como a criptografia, o realismo fantástico, o kafkanismo, a intertextuação e intertextualidade; o arrefanhamento (o mesmo que colagem), atomização vocabular, etc., etc., etc., do pós modernismo que já começaram a transformar-se também em outra caracterização artística literária, como por exemplo, a intertextualidade que em Heleno Godoy se transmuda em símbolo de valor e referência históricas e embora seja da literatura é dialetizado como um patrimônio artístico, tal como sabemos serem o Corcovado, a Torre Eifel, o Big Ben, o Louvre, o Vaticano, (Veja o ensaio “As Dimensões Supra-estéticas de Heleno Godoy”). A tudo pode chegar a arte! Era de se esperar, portanto, que Luiz de Aquino também adotasse aquelas propostas estéticas hoje presentes em 100% dos autores atuais, mesmo porque também ele é de personalidade buliçosa e polemizante no cenário cultural de Goiás.

Cambiamentos ou não, reconhecem-se caracteres inusitados na perspectiva abrangente de seus livros. O que primeiro chama a atenção, seja na prosa ou na poesia, podemos enumerar: uma permanente amostragem de erotismo; a expressão de porta-voz da rudeza machista — este é um mal antigo e generalizado do autor goiano, vejam: Antônio José de Moura, Geraldo Coelho Vaz, os irmãos José Mendonça Teles (na prosa) e Gilberto Mendonça Teles (na poesia), etc.—; o vocabulário sexista que, indo ao máximo às entranhas, chega até a descrição de propriedades organolépticas do sexo!, não se deixa levar por vanguardismo e experimentalismo radicais (roçaga-os de leve...); como conotação estética comum também à sua poesia, a leitura de suas páginas está induzida e é percebida pelo leitor de uma ambientação constelada, uma nívea e opalescente lunaridade reflexa, cambiante e láctea. Particularmente em Menina dos Olhos, há linguagem de intimismo confessional; em modulação de tom sereno, cujo subjetivismo lembra uma paisagem noturna refletida em espelho de águas tranqüilas, sobriedade nos contornos e imagens com que as sensações se esbatem num coloquialismo enternecido e amorável; depois de tematizar primeiro o cotidiano coletivo enriquece seu manancial poético com o cotidiado do seu universo pessoal e familiar (o que já demonstrava vir aprendendo em Cora Coralina, a suprema, no Brasil, nesta abordagem).

Em As Uvas, Teus Mamilos Tenros a conjugação de efeitos estetizantes obtida pelo acoplamento das ilustrações de Pollyanna Duarte realiza o ideal de William Blake que queria, pela fusão de diferentes artes (por exemplo, a literária, a musical, as plásticas, etc.), a cominação de um extrato
supra-estético único, resultando em uma nova dimensão densa de arte. As iluminuras de Pollyanna Duarte, estampadas nessa obra de Luiz de Aquino, fazem-na um dos livros de beleza plástica dos mais deslumbrantes de quantos já receberam tal dotação num inumerável universo de publicações. Suas plaquetas condensam efusões plásticas vivíssimas, mas de contenção simétrica do policromismo orientalista em medido êxtase de cores. Desse modo, pelos menos por um instante, Luiz de Aquino pode se despojar de obsidente erotismo inócuo e dizer:

“Sonhei desenhos animados,
tem Jerry, tem gato de animação,
frágil, cheio de dengos.
Faz-se a música
de fundo, música de orquestra e ágil,
feito a Primavera, Vivaldi...”.


Ainda cabem duas reparações ao conjunto da poesia de Luiz de Aquino. Devemos observar nele o mesmo que já fizemos com Brasigóis Felício no ensaio “O Código Estético da Iconoclastia”. Ambos podem preparar uma edição seletiva de poemas onde cada um disporia de uma boa recolta de poesias representativas, em torno de quarenta amostras. A outra é a confirmação de que não deixam de haver tímidas buscas de experimentalismo de expressão, pouquíssimas em um montante de sete livros, fato bem rastreado por Herondes Cezar ao observar que: “percebe-se uma evolução formal que acompanha a evolução temática”. Entretanto, é na prosa que Luiz de Aquino atinge dotação estética de dimensão invulgar e apogeu de brilhantismo estilístico-formal consagrador.

Em A Noite Dormiu mais Cedo, o conto “A Descoberta” pela meandria de sutilezas machadianas, deliciosas, merece ostentar-se em qualquer antologia nacional. Irresistível dizer: primoroso, puro deleite de leitura!

O livro iniciante O Cerco ainda se mostra uma coletânea que se constitui de contos que resvalam para a dimensão reduzida da crônica circunstancial (também o atilado Valdivino Braz assinalou isto). Às vezes, contudo, ascendem à formatação e densidade artesanal de excelente nível literário, tal como podemos encontrar nos contos “O Cerco” e “Dentes de Ouro”, ambos capazes de fazer vislumbrar o pulso magnífico de “A Descoberta” e os demais de A Noite Dormiu mais Cedo. Este livro, sem dúvida, é a referência de realização cabal, maior de Luiz de Aquino. Seguindo aquela linha dos contistas brasileiros, os quais geralmente se inclinam a seguir os modelos franceses e russos, em A Noite Dormiu mais Cedo temos aquela reluzente diafaneidade, brilho de luz ensolarada, sutis compassos estruturais dos tropos, vocabularmente lidos através de cristais polidos. Mesmo quando tematiza em cima de realismo fantástico, seja até na variante de realismo mágico sobrenatural, seus pincéis reluzem e fremem em clarinadas, esbanjando luzes... Borbotam nos contos, entre insinuações sardônicas, interessantíssimos caracteres freudianos, em que ele é magistral em delinear: a gama explosiva, mas sub-reptícia do frenesi sexual da adolescência.

Consoante o que já se observou, características idênticas correm paralelas, espraiadas tanto na sua prosa como na sua poesia: intimismo, misantropia, etc., e os contos “A Espera” e “A Noite Dormiu mais Cedo” são réplicas entre si, jogando com o lado feminino da expectativa e o outro a versão masculina da mesma.

O conto “Não precisa pedir licença” demonstra uma intertextualidade que se tem mostrado irresistível, até na prosa, aos escritores, depois que Erik Axel Karlfeldt (prêmio Nobel — 1931), com o poema “Ascensão de Elias”, (pode-se lê-lo, a pág. 125, no livro Poesias, tradução de Ivo Barroso Editora, Ópera Mundi — RJ—1973) havia legado desde 1910, descoberto por Manuel Bandeira, e por ele miraculosamente tematizado em “Irene no Céu” e, colocado pela crítica como ápice do poema-piada no Brasil. O Prêmio Nobel foi, naquele ano, o único a ser entregue pós-mortem (mas tinha sido atribuído com o autor ainda vivo). O poema de Karlfeldt tem 11 estrofes, porém bastam as duas últimas, para se ver a origem de todos, as intertextualizações posteriores:

“Fogo lhes brota nas narinas,
dança em seus cascos:
através dos espaços galopam tão ligeiras
que chegam por fim à via láctea,
essa aléia bordejada por árvores douradas
que conduz aos portais do Paraíso.

E Nosso Senhor se adianta no patamar:
Vamos entrando, meu Santo Profeta!
E com um gesto convoca um anjo servidor
que corre diligente e leva para o pasto
os cavalos marejados de suor”.


MÁRIO JORGE BECHEPECHE é professor e médico

4 comentários:

Mara Narciso disse...

Achei as explicações muito técnicas com linguagem empolada e quase inacessível. Ainda bem que surge de quando em vez os escritos do nosso poeta para tornar mais leve o texto.

Entendo que há rasgados elogios, mas a maneira de escrever intimida maiores comentários.

Mara Narciso

Anônimo disse...

Mário George Bechepeche é medico? A cultura literária dele é muito maior e mais precisa que a maioria dos proxenetas com doutorado em letras que conhecemos com sua escrita de bula de remédio que nada diz. Luiz de Aquino depois dessa analise demonstra a sua validade sempre presente como escritor que muito nos honra tê-lo como amigo.
Eu mesmo

Anônimo disse...

Carissimo Luiz..

Os comentarios do Dr. Mario, mostram grande conhecimento literario , e a analise que faz de suas obras ,vem de pronto confirmar voce no rol de escritores de grande peso.Alias, Luiz,quero deixar registrado o quanto admiro seu trabalho , que realmente eh de valor . Quanto ao dr mario, pra quem nao sabe, eh um grande medico, por quem tive a sorte de ser atendida e ver resolvido meu problema de saude. Ele trabalhava la no Hospital de Medicina Natural, ( la na BR.)Tambem tive o prazer de te-lo como colega no curso de Frances que fizemos la na Allianca Francesa. E uma figura culta, simples e de otima convivencia. Brilhante critica e uma licao pra nos pobres mortais.

Madalena Barranco disse...

Querido Luiz, acredito que sair numa reportagem é algo muito bom. E seu trabalho merece ser divulgado! No entanto, em minha humilde opinião, acho que sua forma de poetar (pelo que conheço de seu blog) é bem mais sentimental e romântica do que a opinião do jornalista, com todo o respeito. A imagem que eu tenho de Luiz de Aquino cronista e poeta é de alguém que fala o que é necessário sem enrolar e que faz poesia com a sabedoria de quem viveu com sentimento. Beijos, com carinho.