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domingo, julho 01, 2007

Nossa gente, nossas coisas...

Lançamento de "As uvas, teus mamilos tenros", em
19/11/05. Momento em que eu dedicava um exemplar ao amigo Farina...


Nossa gente, nossas coisas...


Dizem, nas rodas de botequim, que a vida só nos dá duas certezas: o nascimento e a morte. E se considerarmos bem os momentos limítrofes, veremos que a certeza é apenas uma: o fim que qualificamos, sempre, de trágico. É que essa tal certeza só aparece nas lucubrações filosóficas e, obviamente, isso só é possível tempos após o nascer.

Ensina o Cristianismo, em suas várias “linguagens”: o que vive é o espírito, não a matéria. Assim também entendem muitos pensadores religiosos de outros segmentos, como budistas e cristãos em geral. Mas, enfim, vivemos em matéria e, no quotidiano de tantas efemérides, mal nos lembramos do espírito (ou alma, que não estou aqui para polemizar com filósofos, ainda mais com religiosos).

A matéria é bem definida na física e está sujeita aos fenômenos químicos. Hoje, sabemos que o emocional interfere diretamente, e de modo decisivo, nessa matéria que não é ubíqua, nem capaz de ocupar um espaço já ocupado por outra matéria; e que “nada se cria, tudo se transforma” (isso sempre me pareceu uma tradução científica do que já se lia na Bíblia... Falo daquilo de termos sido pó e ao pó retornarmos. Bem, há os que preferem viver, sempre, em função do pó e, por ele, acabam se “transformando” mais cedo. Tal como os que levam muito a sério sermos mais de 70% de água e escolhem “molhar-se” ainda mais... E por dentro).

A morte sugere-nos muita filosofia, poesia, discussões acadêmicas, científicas, estatísticas, econômicas (e securitárias), previdenciárias e... poesia. Preciso citar Augusto dos Anjos? Não; ele é por demais conhecido por tratar das coisas do além e por uma (como que) ânsia ante o fim. Prefiro lembrar Vinícius de Morais, no poema “O haver”, que recita, na última estrofe:

Resta esse diálogo cotidiano com a morte, esse fascínio / Pelo momento a vir, quando, emocionada / Ela virá me abrir a porta como uma velha amante / Sem saber que é a minha mais nova namorada”.

Tudo isso me vem à mente quando penso em Salvador Farina. Conheci-o “de longe” por muitos anos. Vi-o na tevê, nas vezes iniciais, como apresentador de um programa sobre as coisas rurais na TV Anhangüera e que se tornou, em âmbito nacional e rompeu fronteiras pelas ondas da TV Globo (Globo Rural). Segui suas atividades como presidente da União Democrática Ruralista, trincheira de fazendeiros e arquiinimiga dos movimentos de camponeses sem-terra. Aproximamo-nos nos últimos anos, quando ele voltou à telinha da tevê, agora com o programa “Nossa gente, nossas coisas”, onde tive a honra de ser entrevistado.

Farina se despediu da matéria no último 16 de junho. Deixa-nos um vazio de presença e energia, uma garra invejável. Produziu e apresentou, nos últimos anos, seu programa de evidências goianas e, há poucas semanas, em mais um gesto de grandeza e idealismo, doou todo o acervo, centenas de programas em DVD, para o Instituto Histórico e Geográfico de Goiás.

Nestes quatro ou cinco anos de mais proximidade, conheci o homem atrás da ação e dos compromissos da vida material. Farina era superior às picuinhas econômicas e aos ideais de direita com que passou a ser identificado. Era um homem capaz de fazer amigos no chamado “lado contrário”, ou seja, na esquerda, pois sabia respeitar as diferenças. Por isso aprendi a admirá-lo e a tê-lo por amigo.

E, se só isso não basta para bem recomendá-lo, resumo tudo na própria continuidade. Julguem-no pelos filhos que gerou e educou.

Até por aí, meu amigo!...

2 comentários:

Saramar disse...

Luiz, boa noite.
Já vi inúmeros programas do Salvador e, infelizmente não fiquei sabendo de sua ida para outros caminhos.

Bom é ter amigo assim feito você, que lembra Vinícius para enfeitar com poesia, o último limite, enfim desvendado.

beijos, boa semana.

Anônimo disse...

Já li através do jornal. Brilhante idéia.
O Leon já está organizando o acervo que será levado ao IHGG. O Farina pediu que ele mesmo organize tudo.