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segunda-feira, julho 02, 2007

O JORNAL DE GOIÁS – 24/06/07


Perfil:

LUIZ DE AQUINO

Por Henrique César


A minha condição de jornalista me faz curioso e analítico. Aqui nessa coluna, em tudo que ouço, ainda que minha ética me leve a publicar na íntegra as respostas, sempre encontro discordâncias entre as opiniões dos entrevistados e as minhas. Outra propriedade que, às vezes (poucas), tenho é a de assimilar experiências e conhecimentos alheios. Assim, mesmo essas opiniões contrárias acabam transformando as minhas de alguma forma.

Quando do início dessa coluna, já imaginava que seria assim. Tenho recebido lições de viver em todas as pessoas que emprestam seus pensamentos e idéias às nossas páginas e, sem medo de errar, ninguém tem ganhado mais que eu nessa história, muito além do salário, do qual não tenho nada a reclamar.

A entrevista dessa semana com o poeta, escritor e jornalista Luiz de Aquino foi um presente que recebi. Não é a primeira vez que o entrevisto. Nos tempos de faculdade, tive esse privilégio. Como sempre, as palavras são, ao mesmo tempo, cheias de razão e emoção. Convencem pelo óbvio impercebido e pelo discurso agradável. Os diálogos em que ele se envolve são estimulantes. Luiz fala do primeiro livro, “O Cerco” (1978), como se estivesse debruçado numa folha escrevendo um dos contos da obra. Vejo-o como a mente mais jovem de todos os homens de cultura que conheço. Intenso e ousado. Luiz de Aquino é alguém a ser ouvido e escutado.

Nasceu em Caldas Novas, Goiás, no dia 15 de setembro de 1945, num sábado, às oito horas da manhã. Ali viveu até os dez anos, quando se mudou para o Rio de Janeiro. O início do trabalho como escritor foi no parto, como ele mesmo diz: “acho que comecei quando nasci. Ou pouco depois, quando comecei a descobrir o mundo, continente e conteúdo, suas formas e cores.

Nesta entrevista exclusiva a O Jornal de Goiás, é possível perceber que suas visões acerca do ofício de escrever dão uma coerência enorme a essa afirmativa.

Sobre os fatos interessantes em sua vida? “Ah, muitos! Se não considerarmos o dinheiro, sempre tive uma vida rica, com encontros e coincidências fabulosos! Tive o prazer de conhecer de perto o Marechal Rondon, os presidentes Juscelino Kubitschek e João Goulart; de ser aluno de professores notáveis... Um fato curioso: devo ter sido o único brasileiro a cursar o ginásio do Colégio Pedro II, o mais antigo do Brasil, e o Clássico, no segundo mais antigo, que é o Liceu”, responde sorrindo.

Luiz de Aquino tem 21 livros pessoais publicados e duas reedições; a junção em uma só obra dos seis primeiros livros de poesia e a reedição do seu primeiro livro na passagem dos 25 anos de seu lançamento. Além disso, Luiz faz parte de dezenas de antologias por todo o país e até algumas internacionais. Para ele, porém, os números são diferentes. Aqui também a ótica de Luiz de Aquino é bem interessante. “Escrevi algumas dezenas de livros. Porque a maior parte (e bota maior nisso...) do que escrevi não se tornou livro”, diz ele. De fato, os textos de Luiz de Aquino publicados em periódicos, blogs e sites por todo o mundo editariam dezenas de livros.

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Como foi a criança Luiz de Aquino, gostava de escrever, de ler, era curioso…?

Muito curioso. Queria ouvir e ver tudo, entender tudo. Não gostava de levar bronca nem de me sentir incapaz. Por não ser bom de bola, escapava dos amigos nas tardes quentes e preguiçosas de Caldas Novas, trocava o futebol no meio da rua por leitura de gibis, escondido atrás ou debaixo da cama. Na infância, não escrevia, não; era leitor compulsivo, sonhava ser grande para ler livros grandes, especialmente aqueles que as mulheres encapavam com papéis de embrulho ou de jornal e os comentavam em voz baixa, com sorrisos que me aguçavam a curiosidade. Eu não tinha dez anos quando descobri os romances.


Como nasceu o escritor Luiz de Aquino?
De parto normal, em casa. Acredito que nenhum trabalho artístico surja no meio da vida de alguém. Toda obra de arte e grande parte do trabalho intelectual não artístico têm uma fortíssima carga de referências ou mesmo fatos autobiográficos. Tenho amigos escritores que tiveram o processo de alfabetização em idade já um tanto avançada, mas trazem consigo toda a própria história de vida reproduzida em versos ou períodos de boa prosa, construindo peças admiráveis! Diríamos que, nessas pessoas, o escritor chegou tarde? Não mesmo: o que escrevemos aos 40 ou 70 anos quase sempre é memória de toda a vida.


Quem ou que foi seu maior incentivador e motivador?
Ah, isso é difícil... Minha mãe foi a maior motivadora. Mas tive, no decorrer da vida, pessoas que contribuíram de modo decisivo para o meu desempenho de escrevinhador de prosa e poesia, mas que só vieram a saber disso quando eu já publicava meus escritos em jornais e livros. Um deles, meu tio Ângelo Borgese, irmão de minha mãe. Minha avó materna, que espalhou o gosto de ler pelos filhos e netos... Depois, pessoas de fora do ambiente de casa: professora Maria Helena Silveira, de Português; professora Maria da Glória, de História; professor J. G. de Araújo Jorge, de História, todos estes no Pedro II. Depois, veio a força dos leitores e dos companheiros de letras, especialmente Anatole Ramos, Carmo Bernardes, Bernardo Elis e José J. Veiga.


Em quais circunstâncias surgiram os primeiros textos?
Cartas aos pais. Como eu disse, aos 10 anos fui “transferido” da casa paterna para a casa da avó materna, no Rio de Janeiro. Devia escrever periodicamente para meus pais, não me lembro se isso se dava todas as semanas... Parece-me que sim, mas depois estiquei o prazo para uma quinzena. E, para mostrar que estava evoluindo, eu mesmo me envaidecia e me exigia: toda carta tinha de ser mais bem escrita que a anterior. Depois, já adolescente, motivado pelas leituras em salas de aula, com a citada professora Maria Helena Silveira, e mais o fato de o professor de História do Brasil na quarta séria ginasial ser um poeta, atrevi-me a escrever versos.


O Luiz de Aquino que escreve hoje é um produto de todas as experiências vividas ao longo do tempo ou, vez ou outra, as circunstâncias revelam um novo espectador da vida, ora mais ríspido ora mais lírico, que até te surpreende?
Sob esse aspecto, atrevo-me a dizer que não mudei. Sou o mesmo curioso e observador, analítico, de pessoas e fatos. Gosto de observar pessoas anônimas e imaginar sobre elas... Imagino nomes (erro sempre) e circunstâncias, hábitos e outras particularidades de cada um (erro menos, aí). Se tenho alguém com quem conversar sobre essas pessoas, e se é alguém da minha confiança, atrevo-me a construir verbalmente histórias sobre essas pessoas, fazendo delas personagens minhas, devidamente roubadas, e as transfiguro ao meu modo. E, de tanto observar e tentar saber, costumo não me surpreender com praticamente nada: um maluco que entra atirando numa escola e mata dezenas; outro que planeja e executa atentados para uma mortandade incontável... Nada disso me surpreende. Mas deixa-me, muitas vezes, indignado.


O que o Luiz de Aquino de hoje diria ao menino Luiz de Aquino de anos atrás, se houvesse um encontro entre os dois?
Dir-lhe-ia (ou dir-me-ia) para deixar de ser besta. Menos precipitado. Já sofri ressacas morais, já me senti menor por alguns micos e cresci quando pude me desculpar. Se pudesse me aconselhar, teria dito a mim para estudar mais, porém não mudaria o hábito de pesquisar o quotidiano. Muitas vezes, algumas horas sentado numa praça ou praia, vendo passarem pessoas, vale mais que muitas leituras de letras. Claro! O que está nos livros são coisas processadas por outro escritor. Então, ver e deduzir, tal como inventar e escrever, são tarefas minhas, também. Mas não se engane: esse encontro que você sugere, eu o faço todos os dias.


Qual a visão do cidadão Luiz de Aquino acerca do quadro político brasileiro, de Deivison Costa a Lula, passando por Iris Rezende, Marconi e companhia?
Eu gostaria muito que as opções para o voto me levassem a dúvidas diferentes das que temos hoje. O político brasileiro precisa ser melhor informado, embasar-se melhor do que a média atual. Imaginemos que, numa eleição para presidente da República, tivéssemos de escolher entre Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek e Eduardo Gomes; ou entre Henrique Santillo, Castro Costa e José Fleury... Mas não podemos exigir demais dos políticos se, hoje, trocamos correspondências com doutores acadêmicos que não sabem o básico de ortografia (e ainda argumentam que “não sou de Português”). Do ponto de vista político, ressente-se a falta, no geral, de substâncias filosóficas. Mas sou otimista: ainda que tenhamos essas falhas de formação intelectual, a sociedade brasileira caminha, sim, para o aperfeiçoamento. Mas precisamos erradicar totalmente o analfabetismo. É um absurdo colherem-se votos de analfabetos.


E o poeta como descreve o Brasil de hoje?

O poeta em mim vê o Brasil de sempre com os mesmos olhos do menino, do professor, do trabalhador bancário e jornalista, do cronista otimista e do articulista enérgico. Vejo um País de possibilidades imensuráveis e um povo que, como massa, peca muito; mas é vitorioso nas suas individualidades. Falta-nos, neste momento, um espírito maior de coletividade e, infelizmente, alguns intelectuais, a serviço de não sei que causa, recriminam sem muito bem definir o que chamam de corporativismo. E repudiam o patriotismo. Diria que o brasileiro é um cidadão que se supera; e que, estudando, sabe que consegue ir além. Infelizmente, uns muitos não conseguiram, nem conseguirão, aproveitar melhor o que se pode tirar das escolas.


Quais são os melhores personagens para um jornalista literário?
Não direi que são melhores, mas são fortes: O velho de “O Velho e o Mar”, de E. Heminguay; Dom Quixote e Sancho Pança, de Cervantes; Gabriela e Vadinho, de Jorge Amado; Madame Bovary, de Flaubert; Capitu e Quincas Borba, de Machado; Piano, de Bernardo Elis; o menino de “Meu pé da laranja-lima”, de José Mauro de Vasconcelos... Olha, isso é missão quase impossível! Todo personagem é importante no jornalismo literário porque, no jornalismo, personagens são seres reais, enquanto a literatura apenas os veste de roupagem especial para fazê-los mágicos. E o jornalismo literário é, para mim, a forma boa do jornalismo. Sua marca não é a fantasia, mas o texto de alta qualidade, nivelado com a Literatura.


Ainda que seus textos auxiliem a muitos na compreensão de certos fatos, o que não deixa de ser ensino, porque o professor ficou de lado, aquele das salas de aula?
Já ouviu falar na faixa salarial dos professores? Deixei o ensino por duas razões: uma delas, a falseta que foi a reforma do ensino de 1972, com a Lei 5.692 (ceifava todo o ideal de ensino); a outra, a necessidade de sobreviver. Então, troquei as salas de aulas por duas horas mais, por dia, de trabalho no banco. Desde então, minha presença em sala de aula não se dava como um professor de Geografia e, sim, como um escritor a levar informações de boa escrita aos estudantes. Hoje, delicio-me cada vez mais com esses encontros, em palestras ou oficinas literárias. E, eventualmente, atuo como voluntário, com aulas de conteúdo para estudantes carentes.


No meu tempo de Faculdade fiz um trabalho no qual deveria analisar as mensagens intrínsecas de alguma foto e escolhi uma sua do caminhão de lixo sobre a ponte do Botafogo na Rua 10. E o fotógrafo, continua atuando?

Não mais como antes... Naquela época, há quase 30 anos, eu gostava de ser, sozinho, uma equipe: dirigia o carro do jornal, fazia fotos, entrevistava, levantava matérias, escrevia, copidescava, editava... Gostava muito de documentar, em imagem, cenas de rua. Desencantei-me quando, a 31 de dezembro de 1981, a poucas horas do fechamento total da edição, fui chamado à margem do Rio Meia-Ponte, próximo ao Bairro Feliz. Ali, fotografei um cadáver. Era um moço, fora morto com duas penetrações a faca sob a axila, ao modo de se matar porco na roça. Editei a foto, com uma nota de cinco ou dez linhas, dando-o como desconhecido. Quando vi o jornal na banca, senti-me mal. Continuei fotografando, mas com a condição de escolher o que fotografar.


Qual é a grande poesia da sua vida? (Não falando das escritas, mas das vividas)

A própria vida! Sou um sujeito vitorioso. Nasci nu, não fiz fortuna de dinheiro, mas fiz a minha história ao escolher construir minha vida de fatos e pessoas. Sou rico de gente boa! Sou rico de gente inteligente e talentosa! Sou rico de gente especial, que tem coração de bondade e caridade, que não se verga por covardia nem omissão. Sou rico de bons filhos e um neto que me fazem feliz. E sou rico por ter chegado a este estágio, o de sexagenário, sem relações de indiferença à minha volta: amam-me. Ou me odeiam. A única coisa que me deixa menos feliz é o fato de alguns dos que amam ficarem constrangidos e não dizerem; e os que me odeiam, por não dizer (sejam lá quais forem suas razões). Em suma: a grande poesia é esta fé no próximo. Acredito, sim, na grandeza do bicho sapiens.


Há um livro ou poesia predileto (a)? Se sim, por quê? (agora sim, falamos das escritas).

Não. Ou, para não parecer piegas, há sim; e é sempre o mais recente. No caso, “As uvas, teus mamilos tenros”, um livro de poemas eróticos que há de perder o lugar para o próximo: “Poemas de amor e Terra”.


Quais os próximos trabalhos?
Em livro, acabo de lhe dizer. Mas o que mais produzo, nos últimos anos, são crônicas de jornal. Escrevo para o Diário da Manhã de todos os domingos; escrevo para alguns sites, publico quase tudo no meu blog (http://penapoesiaporluizdeaquino.blobspot.com) e ainda colaboro com o jornal eletrônico “O Liberal”, de Cabo Verde (http://www.liberal-caboverde.com/) e com o Tropical- USA News, que é um tablóide editado por e para brasileiros, com sede em Dambury, Conecticut, EUA. Também sou publicado com freqüência no site Vânia Moreira Diniz (http://www.vaniadiniz.pro.br/) e no Jornal Ecos da Literatura (http://www.jornalecos.net/) , dentre outros. E, recentemente, um dos maiores divulgadores de Literatura Brasileira na Internet, o poeta Selmo Vasconcelos (carioca, radicado em Rondônia) selecionou-me entre os 100 de seus quase 2.500 colaboradores numa antologia eletrônica: http://antologiamomentoliterocultural.blogspot.com. Tenho, sim outros planos, muitos. Farei os que forem viáveis. É preciso não esquecer que já estou descendo a rampa. Afinal, já bati a marca dos 60 anos, ou seja, estou na quarta adolescência.

8 comentários:

Saramar disse...

Luiz, bom dia.
Tive o prazer de abrir o jornal e ver sua entevista (ao literal).
Gostei muito, por conhecê-lo melhor e por aquilo que já sei de você: suas opiniões sempre positivas e justas, sua memória excepcional e simplicidade.
Parabéns.
A entrevista foi um presente não só para o jornalista, mas também para nós, seus admiradores.

beijos, boa semana.

Madalena Barranco disse...

Olá Luiz, parabéns pela entrevista! E pela conclusão de uma existência sábia e sensível, construída verso a verso, pelo reverso do cotidiano. Beijos -adorei ler!

Anônimo disse...

Você merece tudo o que o entrevistador disse seu respeito e muito mais.
Também muito importante é que você não nega que -nasceu no cerrado, flor do planalto- mesmo necessitando de -ares e areias atlânticos-

Abraço do sempre amigo, zecarlos

Anônimo disse...

Boa noite Luiz!!!
Adorei a entrevista!!!
Você foi autêntico,positivo em suas opniões e com isso ganhamos nós seus leitores e admiradores,ganhou também o entrevistador, porque tivemos a oportunidade de
te conhecer melhor, já que foi Luiz de Aquino falando por Luiz de Aquino.
O presente é de seus leitores, mas os parabéns são seus e do entrevistador!!!
Beijo.
Lêida Gomes

Mara Narciso disse...

Porque é preciso tomar posições, não há motivo para ser apenas prático nas avaliações. Li com bastante atenção a sua visão de vida com rumo, ritmo e muita poesia. Destaco a frase:" Vejo um País de possibilidades imensuráveis e um povo que, como massa, peca muito; mas é vitorioso nas suas individualidades." Esse jornalista é muito poeta!

Mara Narciso

devaneiosaovento disse...

Boa Tarde meu caro Luiz
Encantada fiquei ao ler a entrevista, se me permitir sempre estarei aqui, será um grande prazer.

Anônimo disse...

Parabéns anjo Poeta... ou... menino Poeta, filho, Neto, Aluno, Amigo, Curioso, Inteligente, Persistente, Jornalista, Escritor, Pai, Avô, Amante, Charmoso e Apaixonante... quando você disse na sua entrevista encontrar com o Luiz De Aquino (menino) todos os dias... Nãoooooooooo.. você não tem esse encontro todos os dias... você só é... o menino que mudou do berço paterno para o berço dos avós... Quem você procura encontrar todos os dias ao acordar , é o LUIZ DE AQUINO (adulto) rs... O menino de olhar distante à procura de respostas ainda continua... É UM PRAZER TÊ-LO COMO AMIGO... Meu anjo Poeta... beijinho no teu coração; e não me esqueci do café... rs

Unknown disse...

9º CONCURSO DE LITERATURA DA FUNDAÇÃO CULTURAL DE CANOAS (RS)

A Fundação Cultural de Canoas (RS) promove o 9º Concurso de Literatura - Conto, Crônica e Poesia, com entrega dos trabalhos até 31 de julho de 2008, SEM TAXA DE INSCRIÇÃO. O primeiro lugar de cada gênero receberá 100 exemplares da coletânea a ser editada, o segundo 50 exemplares, o terceiro 30 exemplares, e as menções honrosas 5 exemplares. Todos os participantes receberão certificado de participação. O regulamento e a ficha de inscrição estão no site www.fundacan.com.br ou pelo fone/fax (51) 3059.6938. Os trabalhos premiados estarão integrados à coletânea SEM NENHUM ÔNUS.

Clara Forell
Assessora Cultural da FCC