Páginas

domingo, julho 15, 2007

Saudade? Sal da vida...

Saudade? Sal da vida...

Fleuri Viegas, amigo e parente afim, comenta em tom que não defini se de crítica, de queixa ou de simples observação quanto ao momento do que tenho feito: “Prima, o que há com o Luiz? Anda saudosista...”, perguntou ele a Mary Anne. Fleuri é dessas pessoas que me dão prazer por existir, pois que a cada encontro tenho certeza de momentos aprazíveis, com boa prosa e tiradas espirituosas. Ao lado de Cesinha Canedo, é dos melhores programadores de rádio, com amplo conhecimento musical. Não o conhecesse bem, ficaria preocupado. Escrevo ora sobre a mocidade (minha e dele, que somos de safras muito próximas), ora a propósito de Goiânia bucólica, aquela pequenina capital de prosa e poesia e de boêmios admiráveis, ora dos meus tempos colegiais e ainda infantes...

Mas Fleuri tem razão. É que fico mais feliz falando dos tempos d’antes. Ultimamente, tantos e grandes são os escândalos nos noticiários eletrônicos e impressos que qualquer denúncia de cunho moral ganha o tamanho de repreensão a criança que conversou em voz alta na missa. Não me leva a nada escrever denúncias acerca da má conduta de alguns “austeros” notáveis; e ainda corro o risco de despertar a ira de antigos patrulheiros cercados de dogmas.

Ora, eu já pulei a cerca dos sessent’anos (gostei do apóstrofo; acho-o melhor assim do que no genitivo inglês aplicado de modo obtuso em português comercial duvidoso). Por isso, estou saudosista. Mas, Fleuri, prender a atenção de leitores especiais, como você e Jerônimo Rodrigues, só mesmo tratando de coisas que nos são comuns (e, de preferência, felizes). As mazelas da administração pública, as operações especiais da Polícia Federal, os desmandos da rica juventude vândala das metrópoles, os assassínios de mulheres por machistas chifrudos... Nada disso nos interessa em linhas de sentimentos. Desses fatos, pois, tratemos à luz do discernimento cristão.

Em suma, os anos vividos induzem-nos ao saudosismo.

Minha sogra, Haydée, desfruta atualmente do convívio de único irmão, Livorno; são eles os mais novos de uma grande irmandade (os pais, ao se casarem, eram, já, viúvos com filhos). E Livorno, desde sempre, coleciona fotografias de parentes vários: avós, tios, pais, irmãos... Mas cuidou, sempre de separá-los em duas paredes: numa, as fotos dos parentes vivos; noutra, as dos mortos. Assim, a cada morte de parente, cumpre ele um ritual: transferir a fotografia para “a outra parede”.

Sei de minha sogra, que observa no irmão o cuidado com aquelas fotografias. “A minha, você não muda. Eu é que vou transferir a sua”, diz-lhe ela, em tom de autoridade e sobriedade, mas a musicalidade da fala induz, sem maiores pretensões, à ironia comum à família.

E assim, saudáveis e resistentes ao tempo, o casal de irmãos estende a vida à casa além da sétima década, contabilizando a prole, a “subprole” e uma além... Gostam de viajar e descobrir novidades de cenários e costumes; quando o tempo é curto, inventam viagens igualmente curtas, como um feriado prolongado em Pirenópolis, em Rio Verde (terra natal dos dois) ou na fazenda dele, em Fazenda Nova.

Nessas viagens, a disputa pelo direito de mudar a foto de lugar é esquecida. A alegria da amizade da infância espalha-se, pois, às gerações futuras de ambos: dezenas de seres infantes, adolescentes, jovens, adultos e maduros, distribuídos em tipos vários, vontades inconfundíveis, profissões diversas...

Pois é, Fleuri: o saudosismo tem também esse lado, que é o de manter vivo o passado, mas com a consciência de que o futuro já chegou.


Haydée entre os netos...

3 comentários:

Anônimo disse...

Saudosismo? Não, poeta querido, apelo para memória, porto seguro para as inquietações do presente e refúgio saudável que socorre nossa perplexidade para com o presente...
Luiz, o que emociona não é o lirismo de sua prosa, essa já conheço, o que surpreende sempre é o matizado que você consegue colocar em temas desbotados por um tempo estéril em sentimentos e afetos. Esse seu texto me trouxe lembranças que descuidei em lembrar. Obrigada.
Silvana Abdalla T. E Silva

Mara Narciso disse...

Gosto dessa sua maneira de transformar fato aparentemnte banal em história proveitosa e interessante. Assuntos familiares de jeito singelo ganha ares de interesse coletivo. Leve, suave e até doce o pensar dessa dupla de irmãos. Já nessa idade e tão amigos, acredito que o amor deles não se diluirá. O tempo apenas os separará na hora deradeira. E que demore bem a acontecer. Enquanto isso, façam graça para os mais novos da família e que esses saibam aproveitar nesse aprendizado que irmão pode ser tão bom quanto um verdadeiro amigo.

Madalena Barranco disse...

Olá Luiz, não importa o lugar das fotos, e sim o espaço da saudade que elas preenchem... Que belo exemplo de amize dentre dois irmãos. Beijos.