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sábado, novembro 24, 2007

Lyceu: 70 anos em Goiânia


O Liceu em Goiânia

1937 – 2007

(Discurso proferido por mim na Sessão Solene da Academia Goiana de Letras, realizada no próprio colégio, em homenagem aos 70 anos do Liceu em Goiânia. Luiz de Aquino)


Eu vim aqui para falar de amor. E amor começa na auto-estima; o segundo passo é o amor aos que nos cercam e contribuem para o nosso bem-estar, oferecendo-nos ensinamentos e alegrias, obstáculos e, com estes, as chances de vitórias.

Assim, venho falar de amor. De amor e de tempo.

Este era um país de homens rudes, afeitos às lides do campo, fosse a criação de gado para o leite e a carne, fossem as lavouras de alimento e vestuário. As letras e as ciências eram ocupações da nata citadina. Surgia, naqueles anos da Regência, a preocupação dos governos, tanto na Corte quanto nas províncias, de se dotar o país de escolas. Ou de Liceus, como era a moda na Europa que nos servia de exemplo.

Em 1837 o Ministro do Império Bernardo Pereira de Vasconcelos apresentou ao Regente Pedro de Araújo Lima uma proposta para a organização do primeiro colégio secundário oficial do Brasil. Pereira de Vasconcelos acreditava que a instrução pública seria melhor do que a particular, que se mostrava inadequada, por ser oferecida em salas precárias e por professores mal preparados. Assim, no dia 2 de dezembro daquele mesmo ano, era instalado o Colégio de Pedro II (era esse seu nome original).

O colégio concebido por Bernardo Pereira de Vasconcelos sobrevive, festejando, daqui a dez dias, 170 anos de existência, tendo sucedido ao Seminário de São Joaquim, criado por Frei Guadalupe em 1739.

A Província de Goiás, nove anos depois, criaria o seu Liceu de Goiás, por iniciativa do presidente Joaquim Inácio de Ramalho.

Recorro à monografia Lyceu de Goiás, da Fundação ao Tempo Presente, da professora Kátia Rodrigues de Morais e ao livro História da Instrução Pública em Goiás, do professor Genesco Ferreira Bretas, que, em anos da década de 1960, dirigiu este educandário. Não nos surpreende saber que criar o Liceu foi um atrevimento e mantê-lo, um desafio que se estendeu por muitas décadas. Não havia um imóvel onde se instalar a escola; nem dinheiro para a construção. Por isso, o Liceu funcionou, nos primeiros, em uma sala e uma varanda da Inspetoria da Fazenda.

Mais de uma vez, falou-se em encerrar as atividades do Liceu. Mas ele se tornou, na capital goiana, naquele Século XIX, um referencial indispensável à vida da cidade: tudo o que se passava na cidade, refletia no Liceu. E vice-versa. Os bons alunos eram citados e respeitados em sociedade; os maus alunos, ignorados, numa sanção social que, certamente, influiria nos resultados dos estudantes em exames e mesmo em sua vida profissional, ao seu tempo.

A República exigiu que o Colégio de Pedro II não ostentasse o nome do imperador deposto; assim, e por cerca de duas décadas, o colégio da então Rua Larga, no Rio de Janeiro (hoje, Avenida Marechal Floriano) chamou-se Ginásio Nacional. Desde sua fundação, o Colégio Pedro II (nome atual) era referência de ensino, isto é, era o Colégio Padrão de Ensino para todo o país. E em 1904 o Liceu de Goiás começou um processo de equiparação ao Ginásio Nacional.

Com a mudança da capital, o Liceu ficaria na Cidade de Goiás. Pelo menos, fora essa a promessa de Pedro Ludovico Teixeira, interventor federal e fundador de Goiânia, aos vilaboenses. Mas, na prática, a permanência ficou inviável: os estudantes, em sua grande maioria, eram filhos de funcionários estaduais, transferidos para a nova cidade. O colégio precisava, pois, ser também transferido. Vale dizer que, ao criar Brasília, o presidente Juscelino Kubitschek não teve necessidade de medidas assim radicais. As escolas, e até mesmo uma universidade, eram novos estabelecimento, permanecendo no Rio, antiga capital, não só o Colégio Pedro II como, também, a Universidade do Brasil (hoje, Universidade Federal do Rio de Janeiro). Mas o Estado não teria condições financeiras, nem recursos humanos à altura, para manter dois colégios, um na Cidade de Goiás, outro em Goiânia.

E este solene sobrado da Rua 21, tombado pelo Patrimônio Histórico, é o que festejamos hoje. Inaugurado no dia 27 de novembro de 1937, sob a direção do professor Iron Rocha Lima, ele abrigou, também, o Grupo Escolar Modelo, do qual o artista José Amaury Menezes foi aluno neste prédio.

O velho Liceu, que na cidade de Goiás foi escola para Pedro Ludovico e seu filho Mauro Borges Teixeira, servira também de formador de centenas de outros goianos ilustres nas mais variadas profissões. Por ele, na antiga capital, passaram escritores do quilate de Bernardo Élis e de José J. Veiga, além de juristas, médicos, arquitetos e engenheiros, artistas de pincel e partitura.

Em Goiânia, o Liceu não só continuaria sua vida de glórias, mas seria consolidado como um dos mais importantes estabelecimentos na história da educação pública do País. E enquanto nos formava para as letras e as ciências, éramos também forjados na luta de consciência social. Pelo Grêmio Félix de Bulhões, agimos em greves, passeatas e outras manifestações de nítido comprometimento com a nossa comunidade. Herdamos deste colégio a fibra da resistência e da lucidez como cidadãos de verdade.

Lamento que Goiás, sua gente e seus governos, não atentem para essa importância. Se o fizessem, o Liceu seria um referencial majestático do ensino brasileiro. Educadores da mais fina afinidade com o futuro, que simbolizo na figura do meu conterrâneo de Caldas Novas e meu diretor, quando aluno, o Professor Genesco Bretas, sabem disso. E bem o sabe a Professora Teresinha Vieira, que sucedeu o Professor Bretas e a quem me reportava quando professor de Geografia e de Educação Moral e Cívica, nos anos duros em que a democracia tinha sobrenomes. Era o tempo da “democracia relativa”, no dizer de um dos generais presidentes.

Ainda é tempo!

Senhora Secretária da Educação, Professora Milca Severino!

Senhor Governador de Goiás, Doutor Alcides Rodrigues!

Resgatemos a História do Liceu de Goiás. Esta unidade de ensino não é diferente daquela que Pedro Ludovico trouxe de Vila Boa. Este é o Liceu fundado pelo Barão de Ramalho em 1846, o 12º dentre os liceus criados no Brasil naquele tempo das Regências do Império. O bom senso devolveu o Liceu à Cidade de Goiás; mas um descuido fez com que as duas unidades ficassem distanciadas.

Hoje, com o fechamento de todos os demais liceus e colégios criados antes de 1846, à exceção do Colégio Pedro II, somos o segundo mais antigo dentre todos os educandários do Brasil.

Em mim, ex-aluno e ex-professor do Liceu de Goiânia, mora uma alegria múltipla: fui aluno dos dois mais antigos colégios brasileiros. Talvez seja eu o único brasileiro a desfrutar deste privilégio, o de ter concluído o curso ginasial no Pedro II e o Clássico no Liceu.

Eu proponho, Senhor Governador e Senhora Secretária, Senhores Deputados, que se restaure a história, editando-se uma Lei, pela Assembléia Legislativa, definindo que o Liceu de Goiás, fundado por Joaquim Inácio de Ramalho, pela Lei nº 9, de 20 de junho de 1846, constitui-se de duas unidades – Unidade Vila Boa, na Cidade de Goiás; e unidade Goiânia, na capital do Estado.

Esta é a nossa casa. A casa de dois presidentes do Banco Central do Brasil: Gustavo Loyola e Henrique Meireles. A casa de vários parlamentares de todos os níveis, de prefeitos e governadores. A casa de um sem-números de professores, profissionais liberais da saúde, das comunicações, das construções e do direito. A casa de Íris Rezende Machado, de Irapuan Costa Júnior, de Alcides Rodrigues, de Pedro Wilson, de Wander Arantes, de Iran Saraiva e de poetas Afonso Félix de Sousa, Gilberto Mendonça Teles, Martha Azevedo Panunzio, Emílio Vieira, Ciro Palmerston... Perdoem-me aqueles que omito: não tenho todos os nomes, mas não me furto ao risco da injustiça para com tantos; apenas os simbolizo nestes homens públicos que, na mocidade, usufruíram de convivência feliz neste pátio.

Enfatizo ainda, senhores professores, estudantes, colegas da Academia Goiana de Letras, autoridades e amigos convidados, que se restaure também a dignidade deste Colégio, fortalecendo-o pelas medidas que norteiam a boa educação. O Liceu já viveu muitos momentos de crise, mas sempre sobreviveu. Sua águia, às vezes, é uma fênix. E a nós, que absorvemos deste Liceu centenário os ensinamentos científicos, artísticos, culturais e morais, havemos de fortalecê-la para resistir às chamas.

Por isso, eu vim aqui para falar de amor. É que falar de amor é uma das poucas coisas que faço bem. Sou muito amor. Sou amor ao próximo e a todos os que contribuíram para que eu, hoje, fosse feliz. E o Liceu me ensinou boa parte deste caminho.

E, para concluir, desfaço o laço da gravata e tiro o paletó. Neste momento, volto a ser o aluno do Clássico daqueles anos 60.


8 comentários:

joão m. jacinto & poemas disse...

Prémio Escritores da Liberdade




Dia chuvoso e véspera de feriado municipal, o que eu faço? Filmes!
E hoje eu assisti um em especial, que eu não dava nada de início, julguei pela capa, coisa que normalmente não faço.
"Escritores da Liberdade", resumo oficial:
Quando vai parar numa escola corrompida pela violência e tensão racial, a professora Erin Gruwell combate um sistema deficiente, lutando para que a sala de aula faça uma diferença na vida dos estudantes. Agora, contando suas próprias histórias, e ouvindo as dos outros, uma turma de adolescentes supostamente indomáveis vai descobrir o poder da tolerância, recuperar suas vidas desfeitas e mudar seu mundo.
Lendo assim parece mais um drama, não? Mas esse filme lembrou-me muito Sociedade dos Poetas Mortos. Ambos passam mensagens ótimas. Durante e depois de serem assistidos. Realmente um maravilhoso filme. E cá estou eu para criar um prêmio aos blogueiros... Prêmio cuja explicação está logo abaixo.

Todos temos blogs pelo fato de gostarmos de escrever. Por prazer, profissionalismo, ou qualquer motivo pessoal.
E a maioria gosta de escrever para liberar algum sentimento profundo, seja ele bom ou ruim. Escreve para se encontrar, para analisar a situação depois de algum tempo, ou naquela mesma hora, e também por essa paixão de pôr tudo no "papel".
E estou chamando esses blogueiros de Escritores da própria liberdade.
Escritores sim, mesmo que amadores, que escrevem suas emoções, que não guardam tudo para si. Que compartilham tudo com pessoas muitas vezes estranhas (entre as conhecidas)... Escritores que admiro muito, por vários motivos, que se destacam de um jeito único, para cada uma das pessoas que os conhecem. Blogueiros que publicam a sua liberdade de expressão.
Estou passando esse selo para 5 blogs que leio muito, que gosto muito.
E isso não significa que eu desconsidere os outros.
Vocês conhecem o "sistema". Passe adiante para outros 5 blogs amigos, copiem esse texto se quiserem, parabéns, escritores da Liberdade! =)
1 - Meias Palavras
2 - Meu retrato
3 - Surto Psicossomático
4 - Tão Diferente
5 - Uma Menina

Até a próxima! :)

(Texto copiado do blog Batôn cor-de-rosa)
http://batomcorderosa.blogspot.com/2007/10/blogueiros-da-liberdade.html
Como premiado, cabe-me agora seleccionar 5 blogs e atribuir-lhes o prémio.
Os Blogs por mim escolhidos são:

Armazém da palavra
http://carmenfossari-armazemdapalavra.blogspot.com
Meu encanto
http://omundodedoloresquintaojardim.blogspot.com
Fernanda & Poemas
http://fernananda55.blogspot.com
Pena & Poesia
http://penapoesiaporluizdeaquino.blogspot.com
Preciso Viver
http://precisoviver.blog.dada.net/reciso viver


Parabéns!
Abraços poema,

João jacinto

Unknown disse...

Luiz, um belo discurso. Você tem toda razão ao propor a valorização devida ao Lyceu de Goiânia - nos seus 70 Anos de existência. Infelizmente, o que vemos é uma total despreocupação, diria descaso, por parte dos nossos homens públicos no que tange à memória e preservação do nosso Patrimônio Material e Imaterial. Parabéns!
Chico Perna

Madalena Barranco disse...

Querido Luiz, pareceu-me vê-lo ali, com seu breve e amoroso discurso, ostentando a camisa do Liceu com o símbolo da águia-fênix no peito. A voz era firme, mas entrecortada pelas lembranças e trazia no timbre o valoroso propósito de conservar importante patrimônio cultural. Beijos - adorei conhecer a história do Liceu.

Unknown disse...

Mestre Luiz, que belíssimo discurso!
Honrando não só o Liceu, como o Pedro II também. Por isso toca em todos nós. Continue assim com essas mãos mágicas que lapidam e dão brilho às palavras.

Grande abraço.

Diego Reis - CPII Tijuca.

Herondes Cezar disse...

Amigo Luiz,
Neste pronunciamento você se superou mais uma vez. É uma honra ser amigo de um intelectual dessa estatura. Parabéns!
Grande abraço
Herondes

Anônimo disse...

Oi Luiz como está? Amei o seu discurso, estava lindo!! Parabéns! Beijos

Anônimo disse...

Oi, Luiz.
Recebi sua mensagem e fui ler o seu discurso.Achei muito interessante. Dá para conhecer um pouco como você é. Eu tenho verdadeira paixão por lutas sociais e políticas. Hoje estou um pouco mais devagar. Acho que é a idade e a tristeza de lutas vãs. Na minha área, saúde, vivo discursando para as mães de meus pequenos pacientes. Pena que elas acreditem mais em quem está no poder,sempre. Fico feliz também por termos mais afinidades do que as de ser Pedrocas e Tijucanos. Em maio deste ano me formei pela Universidade Federal de Mato Grosso, onde resido, Cuiabá, em Letras, Português-Literatura. Foram 4 anos apaixonantes. Uma das minhas paixões,a literatura. Outra que temos também em comum, apesar de morarmos no Centro Oeste, é o Rio de Janeiro, minha cidade natal. Por hoje me despeço, vou parar. Sou muito faladeira, preciso estar me policiando. Um abraço e continue assim com toda essa disposição e energia. Bom final de semana. Maria de Lourdes.

Anônimo disse...

AMO DE PAIXAO ESSA ESCOLA...FICARA
PRA SEMPRE EM MINHA MEMORIA.