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quarta-feira, novembro 28, 2007

Poeta não têm importância, pensa o ex-deputado





“Escritores são inúteis”

Ou: escrever é coisa de desocupado. O conceito ficou cristalino no discurso que ouvi até esse ponto, do professor Wilmar Rocha, numa festa formal, severa, em auditório cheio de agentes de seguranças. Afinal, havia lá uma “plêiade” (políticos adoram essa palavra, que Antônio Houaiss assim define: “PLÊIADE s.f. Reunião de poetas, de homens ilustres”), desde Jorge Bornhausenn até o anfitrião, que lançava seu livro “O fascínio do neopopulismo”, com selo editorial do Instituto Tancredo Neves, impresso em gráfica de Petrópolis, Rio de Janeiro.

O líder “democrata” Jorge Bornhausenn (democrata atual; no passado, foi simpatizante do “regime” militar; uma espécie de ACM do Sul) concluiu seu discurso (ah, foram vários discursos!) enfatizando a análise política do ex-deputado goiano com uma certeza: a de que, após esse livro, Wilmar Rocha não poderia jamais ir à Venezuela. Em seguida, o governador do Distrito Federal completou o pensamento do veterano Jorge Bornhausenn: “Espero que você possa continuar vivendo no Brasil”. Esses vaticínios (engraçado... vaticínio, tal como plêiade, também tem algo a ver com poetas).

Jogar com palavras não é um esporte em que os democratas e afins se sobressaiam; como se vê, seus discursos não resistem à análise comezinha de um poeta de província, cronista obstinado (eu mesmo, se algum “democrata” não entender). Mas a frase crucial estava por vir. Afinal, o escritor (desculpem-me os coleguinhas; é que, no Brasil, costumamos chamar de escritor todo aquele que publica em forma de brochura ou encadernado um texto com mais de 50 páginas) ainda não havia falado.


Professor universitário na área de Direito, Wilmar Rocha deixa evidente, ao falar, que não tem formação didática; ou, se a teve, não a assimilou bem. Como também não assimila o conhecimento de expressões definitivas, ou rejeita respeitar o ofício de alguns que lhe pareçam distantes. Estranhei, e muito: pessoalmente, ele até nos trata bem; é amigo de longa data de José Mendonça Teles, homem bastante identificado com o meio cultural a que se integra. A mim mesmo, Wilmar Rocha já prestou uma gentileza, que se tornou dívida de gratidão.

Às tantas de sua fala, o ex-deputado, emocionado, questionou se, além do fato de reunir tantos amigos famosos, o fato de ele “lançar um livro tinha alguma importância ou se seria algo assim como fazem os escritores e poetas”. Nesse momento, dei por quitada a minha dívida de gratidão para com o deputado. Deixei o ambiente, indignado. Não preciso desfiar aqui centenas de nomes de poetas importantes. Já de políticos...


Volto alguns dias na memória escrita dos jornais. Encontro Euler Belém comentando minha crônica sobre uma biblioteca em Palácio. Euler me contesta com uma análise engraçada (não fosse trágica). Vejam:

O poeta Luiz Aquino escreve no Diário da Manhã de domingo, 11: “Se a nossa gente lesse mais, certamente não teríamos ‘homens públicos’ tão despreparados”. Convém lembrar que os três líderes mais sanguinários do século 20 eram grandes leitores: Stálin, Hitler e Mao Tsé-tung. Franklin Delano Roosevelt não leu, provavelmente, 20 por cento dos livros lidos por Stálin, que também era poeta, mas, sem dúvida, era um político de uma estirpe muito melhor, a democrática, do que a do georgiano.

Sofismático, o Euler. De tudo, concluí que Wilmar Rocha deve, à luz de Euler Belém, continuar refugando os poetas. Assim, caso venha ele a ser governante, que ao menos não seja um ditador. E que Euler Belém jamais seja um político. Com a carga de leitura que acumula, o jornalista poderia ser tão terrível quanto Médici, Costa e Silva e outros sanguinários, ainda que não-letrados.

5 comentários:

Anônimo disse...

Adorei a matéria, Luiz! Vc foi denso sem perder a elegância. Cheguei hoje no Blog, estou encantada! Parabéns!

Mara Narciso disse...

Ainda não conhecia o Senhor Wilmar Rocha, mas agora já posso imaginá-lo. Precisará de algum tempo de arrepedimento naquele setor de "frases infelizes", e ainda terá de engolir a sua saída em meio ao discurso dele e mais, a sua ácida crônica. Mas ele bem merece, pois quem não quiser sair mal na fita que faça direito( sem trocadilho).
Mara Narciso

Madalena Barranco disse...

Luiz, ah, mas eu também teria ficado brava! Esse pessoal se emociona com o orgulho mal disfarçado em modéstia... Que bom, Luiz, que você faz parte da plêiade de escritores que merecem o título com louvor. Beijos.

Anônimo disse...

sylvinhoqueiroz:
meu nobre e brother poeta,
Se eles (políticos) pensam assim dos poetas (Inúteis),
imagine,então dos músicos,compositores, arranjadores,intérpretes!!!!!!!...
...Oh, nós conhecemos as feras...e não é de hoje...
abraços e parabens, mais uma vez...tô contigo e não abro...nada...
a professora da Católica sabe tudo...

Deolinda disse...

Poeta, a despeito da província, você sempre se supera e que bom que não perde o humor e a língua afiada.
beijão com carinho