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terça-feira, março 03, 2009

O homem que queria ser crítico

O homem que queria ser crítico

Luiz de Aquino

 

O filme é O Homem Que Queria Ser Rei (Man Who Would Be King, The, 1975do diretor John Huston. No elenco, alguns craques: Christopher Plummer , Michael Caine e Sean Connery. Eis a sinopse: “Daniel Dravot e Peachy Carnahan são dois ex-soldados na Índia quando esta estava sob o poder dos ingleses. Aventureiros, resolveram ir para o Kafiristão para tornarem-se reis do povo de lá. Será que o povo se deixará impressionar por dois ingleses aventureiros e os aceitará como reis?”

Um desses ex-soldados, perambulando nas ruas de Nova Déli, furta o relógio de um passante, que era ninguém menos que o poeta Rudyard Kipling. Só que, na outra ponta da corrente estava um medalhão (vale lembrar que era o Século XIX e Santos-Dumont ainda não inventara o relógio de pulso). Esse medalhão era o famoso símbolo maçônico, o compasso com o Delta Luminoso, também chamado de “o olho que tudo vê”.

Iniciado nos mistérios da fraternidade, o soldado, por isso, procurou o poeta e lhe devolveu o relógio. E contou-lhe seus planos. Kipling não conseguiu demover o “irmão” do intento da aventura. Ele e o amigo sobre a cordilheira e lá, entre picos e penhascos nevados, encontram o povo sobre o qual um deles pretendia reinar. Pelo fato de usar o Delta Luminoso ao pescoço, é aceito como rei, pois, para aquele povo, ele devia ser a reencarnação de Alexandre Magno. O grande general estivera por lá e deixara a marca sagrada dos iniciados esculpida num muro. 

Gostarei muito de rever esse filme, vou tentar encontrá-lo. Lembrei-me dele por algumas razões, uma delas porque, esta semana, vi um cidadão fazer uso indevido de uma marca que tenho como muito importante no conjunto de referências que constituem meus valores. Falo, é claro, dos valores que norteiam minha vida, e entre estes não estão o cifrão nem as armas, brancas ou de fogo. Nestes pouco mais de sessenta anos, apeguei-me a instituições fortes e valorosas, como a família (sempre o primeiro grupo em importância nas nossas vidas), a escola (indispensável! Bela! Insuperável!), o escotismo e outros mais, de igual valia, dos quais acho desnecessário falar agora. Sei mesmo é que, ao fim deste tempo, a marca que mais me identifica é, sim, a das letras. Afinal, elas me deram as mãos desde os meus quatro anos de idade e nunca nos separamos. São a minha mais fiel namorada. E vice-versa. Tendo-as como carro-chefe, fiz-me aprovado em concursos para emprego, destaquei-me como autor de prosa e poesia, compus livros e letras de música, tornei-me repórter (depois, editorialista, editor, articulista e cronista).

Uma das maiores preocupações que me atingem, ao exercer minha função de escriba (em qualquer de suas facetas), é não ir além do meu próprio alcance. Nunca me atrevi a tecer algo fora da minha competência e já aborreci algum provável amigo ao me recusar a posar de crítico literário: uma coisa é ser motorista, outra é entender de mecânica, concordam, leitores?

Pois bem. Com esse modo de pensar, decidi muito cedo que jamais aceitaria pilotar um helicóptero se não fui habilitado para isso. Mas há pessoas que pensam errado. Por rascunhar relatórios e receitas culinárias, planos de voo ou receitas médicas arvoram-se em autores literários. Literatura é outra coisa... Uma escritura de cartório pode ser uma peça literária – depende das qualidades e do talento de quem a redige. Ronaldo Cunha Lima, político de muitas vitórias na Paraíba e poeta de fôlego e técnica, peticionou a um juiz, em versos, que mandasse liberar o violão de um amigo boêmio; o magistrado, também poeta, sentenciou com uma trova impecável, devolvendo ao trovador o instrumento, alma das serestas.

Mas há os mais realistas que os reis... No afã de angariar amigos, quando a estrela vésper se anuncia no crepúsculo da vida, o homem que queria ser crítico dedica-se a longos e verborrágicos artigos na imprensa. O propósito é ganhar votos para se chegar a um clube fechado de gente das letras.

Neste particular, fecho-me em copas. Ou ouro: só voto em literatos. Adjetivos colhidos na memória, nem sempre corretamente aplicados, associados a pesquisas de Internet sem a competente conferência com o real, além do elogio fortuito e gratuito, sem qualquer leitura preliminar sobre o alvo da semana pode se tornar “tiro pela culatra”.

Ah, esquecia-me de dizer que, ao contrário de muitos, sou resistente ao aulicismo. E não me impressionam os títulos colhidos alhures e algures, mormente se edificados com o cimento da delação ou a serviço do arbítrio. É que me fiz com olhos e coração para o Ensino, a Educação de verdade. E, nesse mister, estressei-me de ver figurões que se faziam simpáticos aos chefes estrelados com atitudes de capitães-do-mato contra indefesos escravos-alunos que se atreviam a pensar sem o molde dos sabres e dos coturnos.

 

 

 

Luiz de Aquino é jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras. E-mail: poetaluizdeaquino@gmail.com

8 comentários:

Mara Narciso disse...

O recado foi bem dado,e sabemos que há alguém querendo chegar onde não deveria. Espero que você vença.

Acredito que ficou faltando --pelo menos eu fiquei na curiosidade de saber--, quem, o que, como , quando, onde e porque fez uso indevido de um símbolo que lhe é muito caro.

Anônimo disse...

Um excelente filme, sem dúvida. Boa escolha e boa sinopse.
Cumprimentos,
Isabel Rosete

Anônimo disse...

Valeu, companheiro!
Urda.

Anônimo disse...

Há críticos e cítricos...

Anônimo disse...

Luiz,
Muito obrigada por ser meu amigo, estou muito contente por haver pessoas que ainda pensam como eu e que dão valor aos valores que não se perderam nesta vida.Gosto mito de sua prosa, de sua poesia, enfim, como se diz em Portugal um pouco rudemente - É cá dos meus -. Um abraço,

Simone

Marley Costa Leite disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anônimo disse...

Aquino, boas crônicas, como sempre. Gostei muito daquela O homem que queria ser crítico. Muito boa. O interessante é que a vocação de crítico literário surge repentinamente, com muita assiduidade e vigor, em certas pessoas. Conheço muita gente assim...
Recebeu o Além do vão da janela? É para gostar pelo menos de um conto, eheheheheh!
Abrs. Fausto

Luiz de Aquino disse...

Um comentário do poeta Fausto R. Valle é sempre muito bem-vindo. Não pelo elogio, que ele jamais elabora sem fundamento, mas pela qualidade do signatário.
Ainda não recebi seu livro, mas tenho certeza de que gostarei muito, pois trata-se de um escritor primoroso, tanto na seara dos contos como nos mistérios da poesia. Não há como não se gostar do que escreve o Dr. Fausto!