Frase de camiseta
Luiz de Aquino
Com esse título, o poeta Marcelo Ferrari cumprimentou-me na manhã. Marcelo é presença diária entre meus e-mails, em mensagens curtas e densas, com a profundidade que o bom poeta sabe medir. Vejam-no: http://ferrarinanet.blogspot.com.
Pois bem! Desta vez, ele resume tudo dessa forma:
“Eu não tinha este rosto de hoje, / assim calmo, assim triste, assim magro, / nem estes olhos tão vazios, / nem o lábio amargo / Eu não dei por esta mudança, / tão simples, tão certa, tão fácil: / — Em que espelho ficou perdida a minha face?” Quando leio estes versos da Cecília, vejo alguém derramar em poesia a dor de se ver envelhecendo. E foi num espelho que vi o rosto de Cecília pela primeira vez. Os olhos vazios estavam estampados numa camiseta, ao lado de muitas outras, numa vitrine. Despencando sobre o ombro da sofredora, feito mão amiga, estava a camiseta de Caetano, que dizia: “Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é”. Comprei e vesti. Desde então fiz da frase um lema. Leme. Uso a camiseta toda vez que estou com pena de mim mesmo. Vesti-la é como pelar a dor. Faz lembrar que é minha delícia. Que só eu tenho o privilégio de vesti-la”.
O parágrafo acima, todo ele, é a mensagem de Marcelo Ferrari.
Lembrei-me: lá pelos idos de 1968, uns raros estudantes brasileiros, retornados de intercâmbio cultural, usavam camisetas com as letras UCLA, de Universidade da Califórnia. Torcíamos narizes: eram alienados, baba-ovos dos imperialistas do Norte, os que bancavam as ditaduras militares da América Latina. Nossas camisetas ostentavam frases em português do Brasil. Mas volto ao texto de Ferrari e recordo o que li, ouvi, aprendi e curti. Noel Rosa escreveu “Pra que mentir?” em 1937 (o ano de sua morte), em parceria com Vadico.
“Pra que mentir se tu ainda não tens / Esse dom de saber iludir? / Pra quê?! / Pra que mentir / Se não há necessidade de me trair? / Pra que mentir, se tu ainda não tens / A malícia de toda mulher? / Pra que mentir se eu sei que gostas de outro / Que te diz que não te quer? / Pra que mentir / Tanto assim / Se tu sabes que eu já sei / Que tu não gostas de mim?! / Se tu sabes que eu te quero / Apesar de ser traído / Pelo teu ódio sincero / Ou por teu amor fingido?!”.
Em 1982, Caetano respondeu-lhe com “Dom de Iludir”:
“Não me venha falar
/ Na malícia de toda mulher / Cada um sabe a dor
/ E a delícia
/ De ser o que é...
/ Não me olhe
/ Como se a polícia
/ Andasse atrás de mim
/ Cale a boca
/ E não cale na boca
/Notícia ruim...
/ Você sabe explicar
/ Você sabe
/ Entender tudo bem /
Você está
/ Você é
/ Você faz /
Você quer /
Você tem...
/ Você diz a verdade
/A verdade é o seu dom
/ De iludir
/ Como pode querer
/ Que a mulher
/ Vá viver sem mentir”.
Em suma: temos à nossa disposição centenas de milhares de belos versos para enfeitar camisetas, mas o que se vê nas lojas são expressões na língua dos imperialistas. Se eu fosse usar alguma camiseta com inscrição no idioma deles, a frase só poderia ser uma, trazida dos meus verdes anos: “Yankees, go home”.
Luiz de Aquino é jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras e escreve aos domingos neste espaço.
5 comentários:
Capturou versos belíssimos em várias esferas. Quem foi citado é gente das profundezas do saber. Muito bonito!
Sim Luiz! Só nós sabemos o que vai dentro da gente. Um beijo com saudades.
Sim, concordo... Mas assine, por favor. Como saberemos, leitores e eu, quem assim pensa?
Luiz de Aquino
Conferi a crônica de hoje , muito boa além de interessante me fez refletir. Grata
Ahahaha a foto nova tbem esta ótima!!
Beijus
Adma
Saudades de você e vontade de pedir desculpas por um mal estar em 2006. Que me custou, depois, uma internação.
Coisas para te dizer, e sempre, sempre, um carinho imenso.
Não acesso o hotmail...
Se puder, mande suas cronicas e poesias para meu outro email.
Gosto demais de você.
Beijos, Li (eliana.mara@gmail.com)
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