“Só goiano entende”…
Luiz de Aquino
Recebi pela Internet, obviamente enviado por forasteiro que finge nos admirar, mas divulga isso aí com um indisfarçável tom de deboche. Transcreverei apenas alguns tópicos, porque o glossário é variado. Os conceitos, para mim, soam suspeitos.
“Os verbetes abaixo servem para todo o estado de Goiás.
Arvre - Árvore (isso me lembra 'As arvres somos nozes') Arvrinha - Árvore pequena. Arvrona - Árvore grande. Madurar - Amadurecer. Corguim - Lê-se córrr-guim. Diminutivo de corgo. Corgo - Lê-se córrr-go. Córrego. Quando é fé - Algo como “de repente” ou “até que”. Ex.: 'Estava no consultório do dentista, ouvindo aquele barulhinho de broca, e quando é fé sai um meninin chorando de lá.' Deixa eu te falar - Com a variação “Ow, deixa eu te falar”. Introdução goiana para um assunto sério. Nunca, mas nunca mesmo, chegue para um Goiano falando diretamente o que você tem que falar. Primeiro você tem que dizer “ow, deixa eu te falar”, para prepará-lo para o assunto. Em Goiás você precisa seguir o ritual de uma conversação. Ex.: 'E aí, bão? E o Goiás, hein? Perdeu! Tem base? É por isso que eu torço pro Vila. Oww, deixa eu te falar, lembra aquele negócio que eu te pedi...' A forma abreviada é “te falar”.
Fiz um grande salto. Vejam essa jóia:
“Barriga-verde - como já ouvi aqui em Goiás, 'pra baixo de São Paulo todo mundo é gaúcho'; portanto o termo barriga-verde nada tem a ver com o usado no sul, que significa 'catarinense'. Barriga-verde aqui é um novato, alguém que ainda está 'cru' numa determinada coisa.” Nota-se (pelo menos, eu desconfio) que a coisa foi registrada por um sulista, talvez catarinense. Nunca ouvi, de goianos legítimos, a expressão barriga-verde para significar o que o autor anônimo conceitua aí.
“Disco - Um tipo de salgado frito”. - Desatento, o autor. Disco é um bolinho de carne achatado. Como se amassássemos uma almôndega. Do modo como definiu o autor, ficou muito vago.
“Voadeira - Voadora (o golpe, agressão)”. - Errou de novo. Se a palavra foi usada nesse sentido, vale como analogia, pois “voadeira”, tal como na Amazônia, é canoa com motor.
“Final de tarde - Sabe aquela mania chata das propagandas de uma marca de cerveja de tentar mudar a quarta-feira para Zeca-Feira e o Happy Hour para Zeca-Hora? Pois é, ao menos o Happy Hour já foi aportuguesado por aqui. Chama-se 'Final de tarde', e na prática é o happy hour: você sai do trabalho e vai tomar uma com os amigos. Acompanha espetinho e feijão tropeiro, é claro!”. - Não posso asseverar que se trata de uma expressão legitimamente goiana, mas já tivemos, e certamente ainda temos, bares chamados “Fim de tarde”. A intenção é prevenir os fregueses de que a casa não se estende aberta madrugada adentro. Ou afora.
Fi - Creio que vem de 'Filho', é usado no fim da frase, como se fosse um 'tchê' gaúcho ou um 'meu' paulista. Ex.: 'Esse é o melhor, fi!', 'Nossinhora, fi! Bão demais da conta!” – Vem, sim, de “filho” e a escrita deve ser Fii, com duplo i, pois a letra ganha, na pronúncia, dois sons, o primeiro mais agudo que o final.
Coca Média - Refrigerante médio é o de garrafinha de 290ml. Ou seja, o menor que costuma ser vendido em restaurantes. Nota do Gump: Na última vez em que estive em Curitiba pedi uma coca média, por costume adquirido em Goiânia, e a mulher ficou me olhando sem entender. :)”- Esse conceito é bobinho. No Rio Grande do Sul, chamam pão francês de pão-dágua, nem por isso os demais brasileiros ficam ridicularizando gaúchos.
“Pronto! Creio que com esse pequeno glossário, você já pode ir no Goiás, comer no Pit Dog sem dar rata e, quando é fé, sentar à sombra de uma arvrona na beira do corguim!”. Finalizando, a gota d’água: “você já pode ir NO GOIÁS”. Duplo erro. Goiás, o Estado, não leva artigo. Talvez o pretenso humorista se refira ao glorioso Verdão da Leda Selma.
Meu espaço, aqui, é exíguo. No blog http://penapoesiaporluizdeaquino.blogspot.com/, amplio o meu comentário, citando expressões de outros estados brasileiros que costumamos ouvir e respeitar.
Não vejo a razão por nos olharem como bichos de zoológico.
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Nota do Autor: Por conta do espaço em jornal, o texto acima seguiu resumido. Meu comentário completo sobre o “glossário de goiano” deveria ser este:
Do modo como os forasteiros analisam nossos glossário e sotaque, parece até que todos os modos de falar lá-fora, seja Rio Grande do Sul, Paraná, Bahia, Rio de Janeiro (a cidade), Amazonas ou São Paulo são corretíssimos e nós, goianos, falamos errado. Em Santa Catarina, antes dos cartões telefônicos, a ficha se chamava moeda-de-poste. Também é de catarinenses a expressão jacaré-de-parede para lagartixa.
Em Pernambuco, jamelão é chamado de azeitona.
O que aqui chamamos de ata chama-se fruta-do-conde no Rio de Janeiro e pinha no sul e no nordeste.
O Brasil inteiro acha bonito gaúcho chamar mexerica (tangerina) de bergamota.
Carioca fala galhardete e o nome, para os pequenos cartazes alongados no sentido vertical, é totalmente desconhecido no restante do Brasil.
Quitanda, em Minas e Goiás, é biscoito e seus assemelhados. No Rio, eram as lojinhas de frutas e verduras (desaparecidas com o surgimento da rede Hortifruti).
Escapamento de automóvel (Goiás) chama-se silencioso no Rio e surdina no Rio Grande do Sul.
Lanternagem (Goiás) é funilaria (RJ).
Essas diferenças, para mim, são o que mais me encanta no processo linguístico brasileiro. Não fosse o Brasil, a Língua Portuguesa já teria se tornado mais um dialeto espanhol. E é bom notar que somos cerca de 200 milhões de falantes da banda de cá do Atlântico, enquanto a nação-mãe não chega a 10% da população do Brasil. E temos muito, muito mais vocábulos do que eles, porque acrescentamos, através da História, palavras indígenas (de várias linguagens) e africanas (ainda mais rica), sem contar a influência dos imigrantes.
Enfim, somos mesmo maravilhosos. E se assim me sinto como brasileiro ante as nações lusófonas, sinto-me também muito orgulhoso como goiano ante o Brasil. Apesar de sermos, na média, 4% do Brasil (essa média se faz do PIB, da população e mesmo do território), temos o nosso peso e a nossa força. Infelizmente, paulistanos e cariocas (não falo de paulistas e fluminenses) são fomentadores de um odioso preconceito geográfico, tentando ridicularizar tudo o que não lhes é pertinente.
Por isso, e para que sejam coerentes, defendo um ponto de vista: cariocas e paulistanos não deviam, jamais, sair do Rio e de São Paulo, respectivamente. Assim, não morderiam a própria língua ao criticar, sem um bom senso crítico, os que se lhe diferem.
Obrigado pelo envio, estou pensando seriamente em aumentar esse glossário. As cidades históricas de Goiás têm expressões muito apropriadas, além de um sotaque sui generis que nos remonta a Goiás de muitas décadas passadas.
Luiz de Aquino é escritor,
membro da Academia Goiana de Letras. E-mail: poetaluizdeaquino@gmail.com