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sexta-feira, janeiro 29, 2010

Com a mão na massa


Com a mão na massa

O artista plástico Malaquias orienta-me


Luiz de Aquino



Alguns animais, dizem, têm os olhos sob coordenação independente, ou seja, podem focar, ao mesmo tempo, direções diferentes (convenhamos, esse seria um atributo maravilhoso, não é?). No mundo de hoje, este das últimas décadas, suprimos essa vontade com as câmeras de vídeo, comumente usadas em segurança (ou espionagem).

O bicho sapiens, sempre que carente de algum dom que percebe noutros animais, cuida de inventar. O homem, pois, cerca-se de instrumentos que lhes suprem quase todas as carências: o homem desloca-se sobre rodas, navega, mergulha, voa, vai ao espaço além da atmosfera, comunica-se à distancia, corrige distorções de visão e audição, corrige o metabolismo e a função de seus órgãos...

O momento de escrever é assim, de muitas ideias e sugestões. É do homem isso de inventar coisas, e a mais perfeita das invenções, para mim, é a escrita –artifício mágico de se desenhar sons, de derivar os desenhos em letras, sinais que se juntam para expressar sons e formar palavras. Com isso, vem a comunicação, mágica de juntar palavras a exprimir ideias complexas. A ideia ora vira som, ora escrita; mas sempre é possível transmudar as formas. Assim chegamos à literatura, o traje elegante da escrita.

Ideias, palavras sonoras e escritas, frases e períodos, página, livros; leitura, interpretação, interação... O processo é longo e sofisticado, jamais limitado. Com isso fazemos história, e nós, que constituímos a sociedade ocidental, não concebemos um povo sem história. Mas, há poucos dias, achei essa observação de ninguém menos que Jorge Luís Borges, cidadão argentino e poeta da Humanidade:


“...se nos inclinarmos sobre a história, acho que talvez possamos supor que chegará o dia em que os homens não terão mais ciência da história como nós. Chegará o dia em que os homens cuidarão muito pouco dos acidentes e circunstâncias da beleza; cuidarão da beleza em si mesma. Talvez nem cuidem sequer dos nomes ou das biografias dos poetas”. (Esse Ofício do Verso, pág. 80 e 81, Companhia das Letras, 2000).


Isso, de certa forma, já acontece. E, contraditoriamente (e felizmente), isso não acontece. Quero dizer que existe, sim, um grande desinteresse pela poesia e pelos poetas, bem como pela filosofia e pelos filósofos, mas um também imenso segmento das sociedades (falo dos povos ocidentais, porque dos orientais muito pouco sabemos nós) cultiva as bases da história. Como se viu na noite de quinta-feira passada, 28 de janeiro deste novíssimo 2010, quando, a convite da Construtora EBM, um grupo de pessoas com (dizem eles) papéis importantes no contexto da cidade, foram chamadas para gravar suas palmas em placas de cimento.


Iuri Rincón Godinho foi quem me comunicou, e lá fui eu imprimir a mão na massa de construção. Ao meu lado, o poeta Delermando Vieira, o mais recente empossado na Academia Goiana de Letras (dos “imortais” goianos, também Bariani Ortêncio e César Baiocchi foram homenageados). Muitos outros intelectuais e artistas, gente que faz História com seu trabalho, foram lembrados nessa galeria, que, contaram-me, reúne setenta e sete figuras goianienses, em referência aos 77 anos de lançamento da Pedra Fundamental da cidade (24 de outubro de 1933).

Colhi ligeiras informações, o possível a se fazer durante uma festa: o projeto é de PX Silveira e tem a organização da Contato, a empresa da Adriana e do Iúri Godinho. E senti-me mais feliz ao saber que também Delermando plantaria sua mão no concreto, ele que enaltece nossa terrinha natal, Caldas Novas, pelo elevado valor de seus escritos em prosa e verso (vem aí um livro de 600 páginas de poesia).

Resumo, porque o espaço já se acaba: a festa da EBM corrobora a observação de Borges e insurge-se contra o vaticínio de que as sociedades esquecerão sua história e as de seus poetas (e musicistas, e folcloristas, e artista plásticos, como Malaquias e Papas Stefanos).

Agradeço, com humildade, a distinção. E agradeço aos amigos Luiz Ungarelli, Wanda Cherubino, Vanessa, Maria Luiza e Roseli, que me acompanharam (afinal, e ainda que nao creiam, ainda tenho algo de timidez; se não houvesse os amigos, as pernas bambeariam).


Luiz de Aquino - poetaluizdeaquino@gmail.com - é escritor, membro da Academia Goiana de Letras. (Fotos: Lucas Leão Alves e Wanda Cherubino).

8 comentários:

Wanda disse...

Eita que eu fiquei cheia de orgulho, poeta querido! Meu coração alegra-se, sempre, quando sinto felizes as pessoas que eu amo. E você é uma delas. E estar junto de você naquela festa linda e também dos seus entes queridos, sentindo a energia boa e o orgulho que fluía de cada um daqueles que te gostam de verdade, fez-me muito bem.
Você merece, Luiz, por tudo o que faz por nossa Goiânia.
Parabéns!

Roseli disse...

Parabéns pela homenagem!...És merecedor de cada uma delas..Foi uma honra ter participado e conhecê-lo pessoalmente.
Parabéns novamente!

Marluci Costa disse...

Por que não essa homenagem? Você que sempre nos abrilhantou com seus poemas, crônicas e belos textos, agora é a sua vez de receber essa bela homenagem. Foi através das suas mãos que a sua obra nos tocou, então que sejam elas eternizadas numa calçada da fama !
Nada mais justo que o reconhecimento da sua contribuição para o engrandecimento do cenário cultural da sua cidade. Esse registro físico nada mais é do que a fotografia reconhecida desse espírito cultural.
Inteligente iniciativa dessa construtora; foi a melhor maneira que eu já vi de reconhecer e valorizar um empreendimento.
Há muita luz nas suas imagens. Lindo demais!

Maria Luiza de Carvalho disse...

iAntes de colocar a mão na massa caro poeta, sei que lapidar as pedras que encontrou por estes anos de labuta foi seu maior desafio.
Todas essas experiências, contadas com tanta arte e alegria aguçaram minha curiosidade intelectual e principalmente emocional para iniciar uma pesquisa a respeito de sua trajetória nesta terra maravilhosa. A cada evento, que participo, adquiro mais vivência, amizade, paixão e destreza. Foi um processo natural começar a estudar suas obras. Colecionar suas crônicas já faz parte das manhãs de domingo, antes do meu café. Além do encontro, o encanto com a beleza do movimento de suas palavras– o que constitui um desafio. Contudo, ao mesmo tempo, uma possibilidade de um conhecimento amadurecido e leituras diversas sobre esta terra que já chamo de minha. Ah! Meu Goiás. O que está contido em cada página que leio é, portanto, parte de mim que pulsa de pulsão e de coração.
Parabéns! Eu é que agradeço o convite.
Como não sou boba nem nada, por favor, continue realizando os chamados...
Sabe que não irei faltar e a cada nova participação iremos multiplicar aqueles que ficaram encantados com sua pessoa e sua arte.
Beijos afetivos.
Malu.

Fernando Quintella disse...

Grande Poeta!

A homenagem é justa. Você dignifica a classe dos escritores. Psasseia pela poesia com a leveza dos sensíveis de alma e coração.

Sorte do Rio de Janeiro e do Colégio Pedro II tê-lo tido como morador e aluno. Sorte nossa tê-lo como amigo.

Forte abraço

Fernando

ANA FLÁVIA disse...

Parabéns poeta!! Belo texto!! A propósito, pra mim a escrita também é uma das mais belas invenções do homem...Parabéns por deixar impresso na calçada da fama o instrumento q faz com que chegue até nós seus tão admiravéis e inteligentes pensamentos!! Linda homenagem...PARABÉNSSS
Ana Flávia

Maria Lindgren disse...

Parabéns pela homenagem da mão espalmada. Agora, sim, você será imortal, pelo menos, enquanto dure a mão na massa.
Um abração, caro Luiz
Maria Lindgren

marcia disse...

desculpe a ausencia em seu blog, estava viajando. O blog continua elegante e dinâmico.. parabens!
bjus