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sábado, janeiro 09, 2010


De césares e de aviões


Luiz de Aquino

Tem dias que a gente se sente / como quem partiu ou morreu...

Era 1967, o histórico Festival da Record. Chico escreveu e compôs, e o MPB-4 cantou para o enleio de quem pôde ouvir. Eram os primeiros meses do marechal Costa e Silva na cadeira de presidente da República, num período interrompido por uma suposta doença... A truculência de Costa e Silva ensejou (eta! Essa é antiga...) uma revisão dos conceitos sobre o primeiro marechal, Castello Branco. Chegou-se a tê-lo em conta de “um democrata”, no contraponto aos empurrões e trombadas de Costa e Silva. O terceiro, general Médici, fez de Costa e Silva um ingênuo... o regime endureceu pra valer.

Pois bem, os versos do pós adolescente Chico, naquele festival de 1967 (o irmão de Miúcha tinha 23 anos) davam bem a pista. O moço poeta escreveria muitas canções de síndrome romântica e conteúdo político, na linha da resistência ao arbítrio. Ele e mais um punhado de bons compositores, quase todos nascidos na década de 1940. Claro, havia exceções; alguns preferiam o suingue à ginga e bem-conviver com os quartéis; outros faziam a linha bom-mocinho, simpáticos às mamães e vovós, a decantar “uma jóia pendurada num cordão”.

Felizmente havia Chico e Sidney Muller, Vandré e Gonzaguinha e Henfil e Millor e um montão de pensantes conscientes. Aos que cantavam sem ser molestados, restou a alegria do enriquecimento, mas a História sabe bem em que estante arquivá-los.

“Acorda, amor / eu tive um pesadelo agora / sonhei que tinha gente lá fora...” – era Chico outra vez, noutro libelo denunciador. Outros cantavam uma “velha calça desbotada ou coisa assim”. A ditadura seguia seu destino, atingia o ápice, perseguindo e prendendo, arrebentando e matando. Logicamente, a resistência também deixou seu rastro de violência. Afinal, ninguém respondia a tiros recitando um pai-nosso (certa vez, um grupo de estudantes cantou o Hino Nacional enquanto a tropa fardada e montada partia para o ataque; o Hino foi silenciado a porradas e, a partir daí, surgiram as bolas de gude para desequilibrar os cavalos).

Lembro isso enquanto ouço no automóvel a notícia, Zé Ramalho... O presidente Lula, decidiu ignorar o parecer do pessoal da Aeronáutica sobre os aviões de caça a serem comprados para modernizar a frota de defesa aérea, prefere agir politicamente e fazer sorrir o companheiro Sarcozy. O ministro civil da Defesa, Jobim, faz coro. Estranhamente, o mesmo Jobim, uma semana antes, afrontou o Presidente da República que pretendia, de modo inédito, investigar a tortura no tempo do regime militar.

Claro: ele mordeu, agora sopra.

Mas Lula precisa mostrar que tem juízo e acatar o parecer dos oficiais da FAB. Não se faz agrado numa situação dessas. Quem somos nós, leigos, para contestar laudos técnicos?

Mas o ministro Jobim, ao alinhar-se com os comandantes militares, pisou no tomate. Poxa! E com esse nome!... Vemos que há Jobim genial e o chupim... Será que o escrivão errou ao registrar o ministro, hem? O governo precisa mesmo revisar a tortura. E revisar também as pensões a anistiados. Nem todo herói da resistência faz jus ao nome. Nem todo oficial militar com 60 a 100 anos foi torturador. Muitos foram os militares vitimados pela perseguição dos quartéis. E são muitos os civis que deram um jeitinho de se listar como perseguido político para ganhar indenização ou pensão.

A César o que é de César; e a Santos-Dumont o que lhe é de ofício. Quando a Jobim... Prefiro esse nome no cancioneiro nacional (aí, é gênio!).


Luiz de Aquino (poetaluizdeaquino@gmail.com) é jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras.



3 comentários:

Mara Narciso disse...

Ando confusa e sem heróis. Tive tantos sonhos, embalei-me nessas mesmas músicas que cita. Meus ídolos foram os mesmos seus. Era preciso coragem para fazer o que Chico fez. Hoje, pela persistência dele em suas convicções, é criticado como um cultor fajuto da democracia, já que admira ainda hoje a Revolução Cubana. Acredito que nos dois lados há injustiças históricas. Preferria que não se mexesse na anistia, mas se querem revolver a terra, vamos aos corpos.

Luiz de Aquino disse...

Tudo isso é verdade, querida Mara... A anistia, em 1979, serviu para nos mostrar que nossos ídolos tinham pés de barro. Agora, vejo, com tristeza, que o Brasil é o único país que tenta perdoar torturadores e, por outro lado, gratifica com pensões vitalícias ou gordas indenizações pessoas que posam de vítimas daquele regime. Se vão revisar a questão da tortura, revisem também os critérios dessas pensões. Não é justo que muitos de nós, por não termos sido presos, amarguemos dificuldades por conta das perseguições perpetradas, enquanto alguns dos nossos algozes tenham em suas contas, até suas mortes, o crédito mensal de alguns bons milhares de reais.
E, por vim, faço-lhe eco: vamos aos corpos.

L.deA.

Maria Luiza de Carvalho disse...

Revivi hoje algumas conversas que escutei de meu pai.
Militar daqueles que se orgulhava de ser da antiga guarda civil. (São Paulo - Capital). Homem digno! Responsável e justo.
Nunca gostou da esquerda, entretanto suas atitudes eram bem mais revolucionárias no seu cotidiano, do que ele mesmo imaginava. Gostava de tratar bem as pessoas e vestia com orgulho sua farda muito bem passada pela minha mãe.
Em várias ocasiões chegava lá em casa cabisbaixo por presenciar torturas. Ele sempre arrumava uma forma para fazer diferentes seus interrogatórios. Quem sabe a minha habilidade na escuta, não tenha vindo dessas conversas ao “pé do fogão”.
Lembro-me ainda da peça MORTE E VIDA SEVERINA, encenada num sábado á noite na igreja, pelo grupo de teatro no qual minha irmã fazia parte. Logo cedo no domingo minha irmã partia para Feira de Santana, Bahia. Como na época telefones eram raros, seus amigos foram presos e torturados. (Alguns com seqüelas até hoje).

Assim caro amigo poeta! Concordo quando você coloca. Quem nem todo militar dessa época foi torturador. Ah! Termino aqui com a música que era mais escutada em casa pela irmã mais velha e aprendi fazer de refrão na minha própria caminhada:
Pra Não Dizer Que Não Falei Das Flores
Geraldo Vandré
“Vem, vamos embora
Que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora
Não espera acontecer..”.(2x)



“Os amores na mente
As flores no chão
A certeza na frente
A história na mão
Caminhando e cantando
E seguindo a canção
Aprendendo e ensinando
Uma nova lição.”
Tenha certeza que suas crônicas propiciam sempre uma nova reflexão e estimulam, principalmente, ações inovadoras. Espero ainda que os parlamentares se tornem mais ligeiros nas ações do que na língua (esta é facilmente levada para a esquerda).
Afetivamente,
Malu