Páginas

terça-feira, abril 13, 2010

Outro dueto com Lílian Maial

Submersos

Lílian Maial


A chuva crava pingos-pregos na carne da palavra. Cala impiedoso deságüe. Total atrevimento, irrequietas águas. O Rio submerso.

A terra, ferida terra, sangra húmus e homens. Nada se move. O homem é grão. O lixo é o pão. Recende a lama, lágrima, escansão.

Um Rio celeste encharca a poesia. Respingam versos na falta de espaço. Entre prédios e barracos soçobra um infiltrado de (m)águas. Espirra, nos olhos do dia, o espanto desolado.

Na correnteza, um pequeno galho flutua o absurdo. Puxa a rotina e as certezas.

Afundadas em si, poças de esperança. Espelho d’água. Reflete e transborda. Arranca, joga e (des)mata.

Dói abrir a janela. A realidade inundada. Ao útero da terra retornam em silêncio.

A chaga se desvanece líquida.

Nada a fazer, senão lavar a sujeira, enxugar o grito, evaporar.

Navegar é preciso.




Choro de chão

Luiz de Aquino


Afora o desaforo das águas,

os rios que infestam

sem festa

o Rio, o Rio que a gente ama

das ruas à cama,

derramo-me de dengos

em seu colo que me prende.


Caem chuvas, cobrem-nos nuvens

densas de cristais que viram água

ou granizo a beijar o granito

dos belos morros por quem morremos

pouco a pouco, ou de súbito.


Transbordam canais, regurgitam bueiros

de rios submersos,

elevam-se os manguezais

a inundar quintais

no Rio inteiro!


Nas ruas e avenidas, não mais

o tráfico nem o trânsito. Águas

retidas de março invadem abril.

Chora o Brasil com tantos rios

a correr, como desafios

de versos em águas reversas.


Tanto fluir, tanto caudal!

Nada emito de mim,

mas vem-me a torrente

persistente, sempre presente

a afluir-me como os rios:

é poesia de dor e de lírica

muito mais que fatídica

de Lílian Maial.

7 comentários:

Lila Boni disse...

Como sempre...te lendo e adorando!!!
Mil beijos !!!!!

Edivaldo Andrade disse...

Luiz,
a tristeza ficou alegre,
o desespero em esperança.
a agonia em alivio.
porque o Rio, continuará lindo.
Que o CRISTO REDENTOR, nos proteja.
abraços.
edivaldo andrade

Mariana Galizi disse...

Luiz, dueto carregado de verdades doridas, mas tão bonitas que trazem aos olhos as águas que desaguam, parecendo injustas, sobre nosso Rio.
Poeta doador de minhas catarses, adorei ambos poemas; adoro especialmente seu estilo de jogar com as palavras: granito X granizo...
Tua pena é bela.

Maria Helena Chein disse...

Luiz,

a tristeza do Rio e sua gente, as águas barrentas e sua gente,
os mortos e a tristeza de sua gente deixam-nos perplexos
com tanta dor. Você e Lílian choram a cidade nos belos e comoventes
versos, nessa poesia de luto, nessa poesia de alma lavada com
sentimento e pesar.

Bjs.

Maria Helena

Luiz Delfino disse...

Poetas,

Que linda parceria para tão dolorido pranto.

Do alto de Goiás vertem lágrimas que apaziguam - ou tentam - as águas necrófilas.

Abraços

Luiz Delfino

Marluzis disse...

“A terra está viva!”
Já havia escutado antes e hoje ouvi novamente. Ambos os poemas são portadores do seu lamento, da sua ira, mas ao mesmo tempo existe uma doçura quase que resignante diante de tamanha força.
Ah, poeta, eu gostei tanto, que posso demonstrar dando pulinhos ao lê-lo. Dos seus, é um dos mais maravilhosos que li nos últimos tempos, com versos tão ricos e bem estruturados!
Meu carinho.
Marluci

Unknown disse...

Mas como é bonito seu dizer, o seu sentir,o seu viver,o seu transmitir.Meu dia ficou mais quentinho,aqui,em Portugal.Um grande beijinho.