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sexta-feira, julho 02, 2010

Centenário do Professor Gomes Filho

Professor Gomes Filho, ano 100!
Professor Gomes Filho, entre Luiz Antônio e Coxó (em 1978


Era 20 de agosto, em 1910. Na capital do Estado, a cidade de Goiás, uma moça chamada Ana, moradora de um casarão incrustado na barranca do Rio Vermelho comemorava seu aniversário de vinte anos; em Pirenópolis, na Rua do Rosário, pertinho do Largo do Rosário, nascia o menino Joaquim.
Ana, ou Aninha, não imaginava, talvez sequer sonhasse, que cinquenta anos depois começaria a ser conhecida em todo o país devido a uma referência forte e positiva do poeta mais admirado da época (Carlos Drummond de Andrade). Mas Aninha, a da casa velha da ponte da Lapa, tornou-se, antes da fama, Cora Coralina, a poetisa que fazia doces. Gomes Filho, lá pelos 12 ou 13 anos de idade, deixou Pirenópolis a cavalo, pegou um trem na ponta da linha (Pires do Rio, talvez) e desembarcou em Uberaba, foi fazer exames e habilitar-se à escola regular.
Contou-me ele, lá pelos idos de 1978, que após a argüição ante um professor de Francês, este anotou em sua ficha: “Deuxième année” (segundo ano). Atrevido, o menino de Pirenópolis tomou a caneta da mão do mestre, riscou a expresssão “Deuxième” e substituiu-a por “Trosième” (terceiro). O mestre admirou a coragem do garoto e aquiesceu: Joaquim Gomes Filho matriculou-se no terceiro ano do Ginásio Diocesano.
Notabilizou-se pelo tirocínio, ou seja, a rapidez de raciocínio com que reagia às situações de momento. Essa capacidade mental, aliada ao gosto pela leitura e pelos estudos, fizeram dele, além de contador por formação, notável professor, com amplo domínio da Língua Portuguesa e sua gramática. Texto fluente e límpido, ideias claras e com bom fundamento filosófico, jornalista e político, dirigiu importantes escolas em Pirenópolis e Goiás. Por concurso, tornou-se Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de Goiás, ao tempo em que os conselheiros eram chamados de ministros e aposentou-se em 1963, depois de ter exercido, mais de uma vez, a presidência do órgão.


Tinha também sólida formação católica e orgulhava-se das coisas culturais das cidades de Pirenópolis e Goiás. Certa vez, Pirenópolis em festa recebia obras do governo estadual e Gomes Filho foi convidado a saudar o governador Irapuan Costa Júnior, de quem foi professor. Discorria, de improviso, sobre as coisas de Pirenópolis, obviamente exaltando a história e os costumes locais quando notou, na Banda Fênix, formada diante do palanque, um menino, pequenino, portando uma requinta (instrumento parecido com a clarineta). Interrompeu e perguntou ao menino seu nome e idade. O guri respondeu e Gomes Filho exaltou a precocidade daquele instrumentista: “Como se vê, governador, esse menino tem apenas dez anos e já toca requinta na banda. Aqui, todos já nascemos requintados”.
Seu amigo José Sizenando Jaime, meu mestre no curso de Geografia da Universidade Católica, escreveu uma importante obra sobre a cultura popular dos pirenopolinos e dedica boa parte do livro aos trocadilhos inesperados de Gomes Filho. A propósito, e respeitando a cronologia, Gomes Filho, José S. Jaime e José Veiga formam, para mim, o trio de maior requinte dentre os nativos de Pirenópolis (Veiga nasceu no município vizinho, Corumbá de Goiás; mas, digam-me, como fazer diferença entre as duas cidades, distantes apenas 17 km por rodovia?).
Seguindo a Rua do Rosário em direção ao Largo, onde hoje há o coreto, lembrei-me do que me contou Gomes Filho sobre o local de seu nascimento: a  penúltima casa do lado esquerdo de quem chega ao Largo do Rosário, era ali que morava minha família. Pertencia a Chico de Sá, o dono da casa grande voltada para o largo onde, na época, existia a Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, demolida em 1947. A casa seguinte foi construída pelo pai de Joaquim Gomes Filho, em terreno doado por Chico de Sá. Nela, o professor passou a infância até sair para o aprendizado das escolas e do mundo.
Desfrutei de seu convívio desde 1977, quando, com muita timidez, abordei-o no canteiro central da Avenida Goiás, em frente ao Grande Hotel (esquina com a Rua Três). Disse-lhe o meu nome e ele identificou-me como o neto mais velho do maestro Luiz de Aquino, seu amigo, falecido em fevereiro daquele ano. Falei do livro que estava escrevendo e pedi-lhe orientação, sendo imediatamente convidado a ir à sua casa, na Alameda das Rosas. Fiquei rico com esse convívio: ganhei, além de excelentes conselhos, uma meticulosa revisão em meus originais (a gráfica cuidou de estragar, e muito, o texto ao digitá-lo, com os recursos gráficos da época). De quebra, ganhei também um belo prefácio para o meu livro de estreia.
Haveria mais: era prefeito de Pirenópolis Altamir Mendonça. Ajudou-me com uma parcela do custo gráfico do livro e ofereceu-me também um coquetel de lançamento, no qual o professor Gomes Filho discursou de improviso e brilhantemente, como sempre.

Ah! Estou tocado de saudade... E de emoção, é claro! Afinal, dia 20 de agosto próximo, Pirenópolis precisa parar por uns instantes. É tempo de reverenciar um de seus mais importantes vultos, o contador, professor, jornalista, diretor de escolas, deputado, conselheiro, pai de quatro belas filhas e um tanto de netos e bisnetos. É tempo de convidar a família e os amigos sobreviventes (Jorge Braga há de produzir uma nova caricatura, estou certo). Vamos reunir pessoas para recordar e reverenciar o mestre.
Para mim, um ídolo!



Luiz de Aquino é membro da Academia Goiana de Letras. 
Blog: http://penapoesiaporluizdeaquino.blogspot.com/. E-mail: poetaluizdeaquino@gmail.com.

8 comentários:

Unknown disse...

luiz de aquino, vc é um historiador. gostei da apresentação do mestre. se tiver alguma comemoração em 20 de agosto me informe que irei comemorar com vcs. abraço. soter

Leda(ê) Selma disse...

Parabéns, Luiz! Um tom de saudosismo, pitadas de emoção, enfim, um texto bonito e de muito conteúdo para reverenciar o rei dos trocadilhos, Gomes Filho. Meu vizinho, Fábio Jaime, é irmão do José Sizenando. Realmente, o livro do JS é muito bom, li-o, reli-o e diverti-me bastante.

Marília Núbile disse...

Muito bom,Luiz!
Continuo aprendendo muito com você.
Um abraço,
Marília

Marília Núbile disse...

Muito bom,Luiz!
Continuo aprendendo muito com você.
Um abraço,
Marília

Adriano Curado disse...

Amigo Luiz, meus parabéns pela sua belíssima crônica de domingo. Toda exaltação feita a pirenopolinos de singular brilho é bem vinda. Senti muito não ter conhecido Gomes Filho pessoalmente, mas lá em casa ele sempre se fez presente na lembrança de seus trocadilhos famosos.

Outro dia li uma nota num velho jornal chamado Pyreneus, acho, e Gomes Filho ali se despedia dos pirenopolinos, pois se mudaria para outro Estado.

É uma pena que pessoas assim sejam esquecidas. Lá em Pirenópolis, tenho certeza, os jovens não sabem quem é Gomes Filho, Jarbas e José Jayme, seu avô, e muitos outros.

Meus parabéns e um forte abraço.

Adriano Curado

Maria Helena Chein disse...

Luiz,
Li suas duas últimas crônicas: sobre o ilustre Gomes Filho e sobre assuntos da Copa,
e também vi a de Mara Narcisa com a questão dos banhos em diferentes culturas.
Ao lado dos conteúdos dos três artigos, minha observação: Mara tem seu estilo correto, direto;
você tem sua verve de cronista que fica bem próximo do leitor e interroga (o leitor ou você mesmo ou um terceiro), afirma categoricamente, brinca e expõe sentimentos.
Como dizem (inclusive Fernanda, neta de cinco anos): cada um é cada um.
Beijo.
Maria Helena

Maria Helena Chein disse...

Luiz,
Li suas duas últimas crônicas: sobre o ilustre Gomes Filho e sobre assuntos da Copa,
e também vi a de Mara Narcisa com a questão dos banhos em diferentes culturas.
Ao lado dos conteúdos dos três artigos, minha observação: Mara tem seu estilo correto, direto;
você tem sua verve de cronista que fica bem próximo do leitor e interroga (o leitor ou você mesmo ou um terceiro), afirma categoricamente, brinca e expõe sentimentos.
Como dizem (inclusive Fernanda, neta de cinco anos): cada um é cada um.
Beijo.
Maria Helena

Maria Helena Chein disse...

Luiz,
Li suas duas últimas crônicas: sobre o ilustre Gomes Filho e sobre assuntos da Copa,
e também vi a de Mara Narcisa com a questão dos banhos em diferentes culturas.
Ao lado dos conteúdos dos três artigos, minha observação: Mara tem seu estilo correto, direto;
você tem sua verve de cronista que fica bem próximo do leitor e interroga (o leitor ou você mesmo ou um terceiro), afirma categoricamente, brinca e expõe sentimentos.
Como dizem (inclusive Fernanda, neta de cinco anos): cada um é cada um.
Beijo.
Maria Helena