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Aleg(o)ria de Pirenópolis, no conceito do meu amigo Jorge Braga |
Pirenópolis e os mascarados numerados
Está no blog “Cidade de Pirenópolis”, mantido pelo escritor Adriano Curado (http://cidadedepirenopolis.blogspot.com/):
“Numa decisão até o momento inédita, o Juiz de Direito da Comarca de Pirenópolis, Dr. Sebastião José da Silva, julgou procedente a ação civil pública que o representante do Ministério Público propôs contra o Município de Pirenópolis, para limitar a atuação dos Mascarados nas comemorações da Festa do Divino. Segundo a sentença judicial, o Município de Pirenópolis fica condenado a cadastrar, com descrição de roupa e máscara, todas as pessoas que quiserem se vestir de Mascarado na Festa Divino Espírito Santo e lhe dar um número de identificação”, entre outras medidas.
Corre na Internet um abaixo-assinado, em que os signatários tentam convencer o Promotor de Justiça e o Juiz de Pirenópolis da importância da revogação do ato judiciário. Os peticionários têm boa e forte argumentação e demonstram preocupar-se com o risco de empanar o brilho da festa, que hoje é um Patrimônio Imaterial Nacional.
Essas figuras mascaradas integram com forte marca e presença os festejos de Pentencostes, em sua parte profana, e foram introduzidos nos hábitos de Goiás há quase dois séculos, pelo vigário de Santa Cruz de Goiás, Padre Gouveia de Sá Albuquerque, com permissão do Vigário Capitular Padre José Vicente de Azevedo Noronha e Câmera. À época, alegou o Padre Gouveia o isolamento do povo neste sertão dos Goyases: “A falta de lazer e divertimento está desviando as almas para as festas profanas nos pagodes e vida mundana”
Padre Gouveia mandou confeccionar o cetro e a coroa, em prata pura, e a bandeira do Divino Espírito Santo; e ainda mandou fazer “pãezinhos do Divino” – espécie de rosca-da-rainha besuntada com calda caramelada de açúcar, que, benzidas, eram distribuídas nas casas como cortesia do Imperador. (Fonte: santacruzdegoias.net/institucional/cavalhada_mais_antiga_do_estado_de_goiAs/).
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Cavalhadas de Santa Cruz, pioneirismo em Goiás. |
Adriano Curado questiona: “Essa ação civil pública foi mesmo necessária? Conseguirá o Município de Pirenópolis fiscalizar o trânsito de todos os Mascarados? É possível a aplicação da sentença já nesta Festa de 2011, ou seria necessário uma longa campanha de esclarecimento?”.
A medida pode parecer drástica e ameaçadora, mas defendo-a em nome da segurança pública e, embora pareça paradoxal, da manutenção da festa com suas características, pois os riscos que representam os abusos – criminosos valendo-se da proteção das máscaras – podem resultar na mutilação definitiva do costume.
A iniciativa veio de Daraína Pregnolatto, que dirige uma instituição de arte e cultura. Ela critica, ainda, a iniciativa do governo do Estado de construir um cavalhódromo, postura essa que me chega em tom estranho; os sambódromos do Rio de Janeiro e de São Paulo, entre outros similares (os bumbódromos de Manaus e Parintins, por exemplo) não violentaram as tradições; é que as festas, num dado momento, tornam-se espetáculos públicos e peças turísticas.
A energia que se mobiliza contra isso devia ser usada para pleitear melhorias na pavimentação da cidade; e também na retomada das características das máscaras exclusivamente em papel machê, proibindo-se as de borracha, industrializadas. Isso, sim, é lutar por melhorias e tradição. No mais, medidas como cadastramento de mascarados e identificação perante as autoridades são, agora, indispensáveis, pois a imprensa nacional já qualifica o entorno de Brasília como uma das regiões mais violentas do mundo.
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Sambódromo, Rio de Janeiro. O carnaval não morreu nem deixou de ser popular |
Intervenções de governos em festas populares são inevitáveis. Em 1961, Jânio Quadros proibiu o lança-perfumes e o carnaval não se acabou. A Justiça e a polícia aplicam medidas de prevenção ou repressão a qualquer tempo e nada disso coloca em risco a sobrexistência das festas.
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Bumbódromo de Parintins. A festa virou atraçao turística, mas preservou-se |
Contestar providências de segurança é, ao meu ver, agir contra a corrente. Há cerca de trinta anos, apenas víamos a apresentação dos cavaleiros; Gutemberg Nóbrega gravou com os cavaleiros todo o enredo e pôs a fita para rodar, e Mouros e Cristãos passaram a dublar as falas. A tecnologia se aprimora a cada instante e todos sabemos de sua presença em todos os nossos momentos. Rejeitar o cavalhódromo é escolher o atraso.
Mas, pior que isso, contestar a segurança é dar vez ao inimigo.
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Luiz de Aquino, escritor e jornalista.