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segunda-feira, maio 16, 2011

O fenômeno da burrice (do Professor Doutor José Fernandes, membro da Academia Goiana de Letras)

            O FENÔMENO DA BURRICE

                                                                        José Fernandes*

           
– Professor, já conhece a nova cartilha do MEC, “Viver, aprender”, em que os lingüistas afirmam peremptoriamente que podemos falar e escrever “Nóis pega o pexe?”, “ Os menino pega o pexe”?

– Seu Ângelo, já lhe disse que não quero mais falar e, muito menos, escrever sobre os problemas da Língua Portuguesa, pois o nível do ensino anda tão precário que falam e escrevem sobre tudo, sem se ter a base, o alicerce do conhecimento! Pelo amor de Deus, me poupe desse assunto! Estou aposentado, sou cardíaco e não posso me estressar!   

– Infelizmente, não posso poupá-lo! Não podemos passar à história, coniventes com a burrice e com a demagogia, que criam preconceitos e problemas de convivência social existentes apenas nas cabeças de pessoas pequenas que iniciam o prédio pelo teto! Você já mostrou este problema muito bem naquela crônica sobre Monteiro Lobato; mas elas não se contentam apenas em condenar o passado, querem recriar o presente como se história começasse com elas. Se a escola existe para confirmar a linguagem falada que se aprende em casa, para que escola, para quem, ensino? Não é sem motivo que o filosofo francês George Gusdorf disse que a desgraça do ensino é a proliferação de pedagogos e, podemos acrescentar, a proliferação de lingüistas que não sabem escrever e querem ditar normas lingüísticas e, além do mais, criam preconceito; agora, lingüístico. Não é uma piada?

– Já lhe disse que não quero me manifestar. De qualquer modo, uma vez que deseja discutir assunto tão perigoso, quem são os preconceituosos; os que escrevem e falam corretamente, ou os que se utilizam da língua popular e não sabem escrever?

– Hoje, você está inflexível! Como os preconceitos, segundo os preconceituosos, são sempre contra as minorias, ele advém dos que falam errado e não sabem escrever. É a lógica! Se bem que a maioria dos preconceitos está passando por um processo de reversão, pois as chamadas minorias estão se tornando maioria, como os parcos intelectuais que reprovam o analfabetismo funcional, como o daqueles dois que acusaram Lobato de racista e de eugenista, por exemplo! Os perseguidos são aqueles que sabem as causas, como você. E estes são extrema minoria! Você não acha?

– Não acho nada! Depois, se achar ou deixar de achar, pouco vai resolver, porque além de pequenos no sentido ôntico e, também, no ontológico, lingüistas e pedagogos sofrem de gogo. Não viu aquela professora imbecil que desejava saber a opção sexual de um menino de onze anos? Será que ela estava interessada no menino? Será que ela é apenas burra, ou apenas preconceituosa?

– Finalmente o senhor falou alguma coisa! Mas, isso é bom para o MEC verificar a quantas anda o ensino neste país, se é que vê? Na verdade, não vê! Se visse não aprovaria uma cartinha que contraria um instrumento que não apenas afirma a cidadania do individuo; mas que, sobretudo, manifesta o seu estado de ente ou de ser. Mas, como a maioria é ente e sequer sabe o que é ser, não apenas no MEC; mas em toda sociedade carnaval desse país carnaval, pensa apenas em cidadania, cria apenas preconceitos infundados!

– Se os “sábios” de tamanco alto não sabem a diferença entre ente e ser, jamais entenderão que a língua é um componente metafísico que confere identidade ao cidadão. Sempre verão o conceito de cidadania no rodapé da semântica e, pior, sempre o verão sob a ótica da demagogia barata, centrada em ideologias pernilongas. Nossa Senhora! Disse que não queria falar e estou falando. O senhor é terrível, seu Ângelo!

– Professor, se não nos manifestarmos, o futuro nos condenará a mudez, quando ainda podíamos falar. A manifestação através da linguagem não se configura matéria e essência de liberdade? Só somos livres, se pudermos falar! Se formos obrigados a dizer só o que o poder ou aqueles a ele ligados, deseja ouvir, não existe liberdade. Mas, só é livre quem pensa e sabe falar, porque o que se pensa só é pensado em linguagem. A manutenção do cidadão na ignorância lingüística é uma forma de mantê-lo dominado; é uma maneira de mantê-lo em estado de ente, pouco diverso dos animais, porque ignorante de seus direitos e deveres.

– Assim, o senhor não se aproxima das massas, seu Ângelo! Segundo a nova cartilha, o correto é dizer “inguinhorante”!

– Você fala pouco! Chamo-o de você, pois sou trinta anos mais velho e, portanto, possuo a imunidade conferida pelos ontens!

– O senhor está dando o pé para os lingüistas e pedagogos, mandões do MEC, lhe pegarem! Onde já se viu usar um advérbio no plural!

– Você tem razão! Eles jamais vão perceber que este plural transforma a frase seca e referencial em frase poética! Mas, como eles não sabem nem o que é poesia, para que me preocupar! Eles só pensam em preconceitos! Como os poetas, somos poucos, nós é que somos discriminados! Veni Creator Spiritus, mentes pedagogón et linguosorum visita!

– Ainda bem que o Espírito Santo sabe latim e grego, pois como as duas palavras pedem genitivo plural, nos dois idiomas, o senhor as utilizou corretamente! Parabéns! Garanto-lhe que lingüistas e pedagogos do MEC, metidos em língua portuguesa, uma língua neolatina que possui inúmeros vocábulos oriundos do grego, não as sabem! Nem escrever em português, eles sabem! Logo, teremos de importar professores de Língua Portuguesa da lusitana pátria de Camões e Fernando Pessoa! É o fim! Miserere nobis, Domine!




* José Fernandes é membro da Academia Goiana de Letras. thjfernandes@uol.com.br  - thjfernandes@gmail.com

* * *

Minha resposta ao Mestre:







Gente humilde tem direito 
de aprender o certo!


A propósito do meu texto em apoio a crônica do acadêmico José Fernandes, um libelo contra o livro que tenta legitimar a fala e a escrita incorretas, recebi, via Facebook, essa “pérola”, de pessoa que, imediatamente antes, pedia para ser “amigo”; mas ele queria apenas alfinetar-me, nos termos seguintes, sem qualquer retoque de minha parte:

“Caro Luiz quando você critica o livro de português que tem variações de conjunções verbais, mostra que estais longe de ser um professor, perto de seu alunos. sua avaliação e preconceituosa e distante da realidade”. (Amigos da revisão, deixem tudo como está, ou minha resposta perde o sentido).

Respondi, direto e franco:
“De jeito nenhum, Sr. Francisco! Sou usuário contumaz da linguagem coloquial em meus textos de crônicas e poemas. Só não aceito essa suposta facilidade: legitimar a escrita errada é negar a quem mais precisa o acesso à língua culta. Rejeitá-la, sim, é preconceituoso. Todos temos direito de compreender a escrita correta e a ninguém é dado o direito de substituir a Língua Portuguesa por um dialeto tosco como "nóis pega o pexe". Note, porém, que qualquer de nós, escritores, usa essa grafia na voz de personagens. Mas evoco o saudoso Carmo Bernardes, a quem chamava de "o matuto erudito", pois foi ele quem mais registrou o linguajar do roceiro sem, contudo, cometer erros de português, entende? Portanto, antes de me condenar sem julgamento, informe-se melhor, por favor. Gosto, por exemplo, das combinações de tu e você, como "Você é linda, eu te amo"; mas usar a segunda pessoa do plural, como você fez linhas acima, é sinal de pedantismo. E pedantismo é pior que preconceito, já que preconceito denota ignorância (pré = antes; conceito = juízo). E, novamente por favor, não se ofenda: você me acusou de estar longe de ser um professor - e estou mesmo, ainda que formado para tal; áulicos da ditadura afastaram-me do ensino por causas menores que a sua acusação vil formulada agora. Se você se dá ao direito de assim me julgar, dá-me também a permissão de responder-lhe como melhor me convém, em defesa própria”.

Esse Sr. Francisco deve ter recebido alguma luz libertária sem saber, contudo, de onde vinha o foco. Mistura, como é da praxe nos últimos trinta anos, o desejo de liberdade com a facilidade de não se comprometer. Quer ter todos os direitos, sem arcar com a obrigação mínima de retribuir à sociedade, aprendendo algo nos anos em que pôde cursar escolas.

Note que o Ministério da Educação, tentando mascarar o grave erro de fazer permanecer o livro equivocado (não citarei seu título nem autora) tentou lavar as mãos, alegando que continuará exigente no ENEM e nos vestibulares – ou seja, o estudante que acreditar naquilo de que falar e escrever errado é válido, estará condenado às trevas da ignorância; virá a constituir a massa ignara do subemprego, dos biscates possíveis, da marginalidade, enfim! Escolas existem para permitir o desenvolvimento do cidadão. Para evitar, certamente, que ele, ainda que com titulações pomposas, venha a escrever “Você estais”, como se viu na interpelação com que fui atropelado.

Vale a pena ler a entrvista do acadêmico da ABL Evanildo Bechara: 
 http://ultimosegundo.ig.com.br/educacao/o+aluno+nao+vai+para+a+escola+para+aprender+nos+pega+o+peixe/n1596951472448.html.

Lembrei-me de uma moça simplória, em Caldas Novas de 1955 – eu tinha menos de dez anos e minha escolaridade era a das três primeiras séries. E eu já estranhava o modo como ela dizia, solene:

– Mais amor, menas confiança!

* * *

Luiz de Aquino, escritor e jornalista 

7 comentários:

Bariani Ortêncio disse...

Parabéns, Luiz de Aquino!
Vamos uniformizar o Ensino e fazer continência ao "Zé" Fernandes.

Bariani Ortencio

Marília Núbile disse...

É isso aí, Luiz de Aquino!
Se pessoas que entendem de educação e cultura como vocês não levantarem e levarem a bandeira, do que realmente é ensino e educação, essa "tsunami" imposta pelo PT-MEC levará de fato a cultura de nosso país ao apocalipse!!!
Você, mais do que ninguém, tem visto o caos nas escolas de Goiânia!!!!!!
Estou repassando para meus contatos.
Um forte abraço!

Heliany Wyrta de Oliveira Revignet disse...

Gostei muito da profundidade dessa crônica, Luiz!
Nem vou entrar em discussões sobre os pedagogos, em geral e os do MEC, nem nos pedagogismos (sei lá se essa palavra existe!) porque a essência da mensagem é muito maior do que a visão sectária dos mesmos.

Perante tanta atrocidade não é possível ficar mudo nem discutir assuntos secundários!

Respeitar a diversidade linguística e cultural é muito diferente de impor às classes populares uma visão de mundo rasa, sem rigorosidade científica e sem a criticidade da sua própria condição de excluído e marginalizado.
E que a língua falada ou escrita pode ser (e é) utilizada como fator excludente e para muitos melhor que assim seja!

Assim como não aceitamos bem a morte de uma criança pequena, pois afinal ela tinha tanto para viver! Não podemos aceitar que a esta criança que sobrevive seja imposta uma morte velada, através de sua exclusão dos bens acumulados historicamente, tanto cultural quanto linguístico, essa apropriação da língua culta é um direito que deve ser garantido.

A pessoa tem que ter a capacidade de reconhecer a diversidade e apropriar-se do conhecimento amplo da sociedade em que vive, entendendo que para construir seu espaço nessa mesma sociedade ela precisa dominar certos elementos, como a língua padrão, por exemplo. Compreendendo até em quais momentos ou porquê ela usa um ou outro modo de falar ou escrever, de acordo com o contexto em que está inserido. Isso é liberdade! Isso é respeito!
Qualquer pessoa que diga o contrário, usa de má-fé ou é extremamente ignorante. E não podemos deixar que os ignorantes dominem a estrutura de poder desse país que vai mal, muito mal, em todos os aspectos, no educacional, então, está na UTI!

Leda Selma disse...

Realmente, seu texto é muito bom. Discordo da generalização, pois são poucos os petistas que estão à frente da Educação, mesmo assim, parabéns ao José Fernandes e a você, Luiz! Encampemos essa luta. Beijão. Lêda

Violet disse...

Poxa vida! Vai mal a educação neste país hein? e piorando. Sinceramete, acho muito importante o aprendizado da língua padrão em todos os níveis, pois a linguagem é uma ferramenta com a qual pensamos. Eu estou tentando aprender a língua culta, para poder então ensiná-la futuramente. É triste o órgão regulador da educação nesse país, não valorizar a linguagem como meio de ascenssão social e progresso para o país. A última flor do Lácio pode ser inculta e bela, mas inginorante, por favor não.

Diego Mascate disse...

Oi Luiz! Tudo bem?
Vi esses links que botam mais "lenha na fogueira" nesse debate:

http://www.blogcidadania.com.br/2011/05/a-classe-media-arrogante-e-iletrada/


http://marcosbagno.com.br/site/?page_id=745


Abraços!

mm.olive disse...

Ai primo! "Sê deu medo n'eu!" Acho que nunca mais vou escrever "procê"!
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Mas é isto mesmo!Educação com o mínimo de qualidade é artigo de luxo neste país.