Páginas

quinta-feira, junho 23, 2011

Segredos de Copa (e cozinha)



Segredos de Copa (e cozinha)


“Segredo é pra quatro paredes”, escreveu Herivelto Martins para uma canção inesquecível, em parceria com Marino Pinto. O nome da música: Segredo.
Itaquerao é obra em ritmo de catedral medieval
Segredo é o que pretende o governo da República, alegando que, sem divulgar números de custos financeiros, as obras para a Copa do Mundo serão bem menores.  Será?

Nós, os que vimos acontecer os cinco anos de Juscelino Kubitschek, o despreparo e a ingenuidade de Jango Goulart e o golpe de primeiro de abril de 1964, os que sofremos as humilhações físicas, morais e cívicas dos anos de chumbo temos um certo medo dos segredos de Estado.

Passado de ojeriza e xingamentos;
hoje, unidos pelos segredos da ditadura
José Sarney e Fernando I, o Collor, de inegáveis ligações com o regime de arbítrio, como lacaios bem agraciados pelos sabres e coturnos, insistem em que jamais sejam revelados os segredos daqueles tempos. Temem o quê? E, para “blindá-los”, corre à língua solta, pela Net, uma série de panfletos mal escritos e mal argumentados, desses que qualificam e equipe da vez no poder como “ex- terroristas” e outros impropérios, muito ao gosto do deputado Bolsonaro – aquele que não gosta de pretos nem de viados nem de lésbicas nem de civis e povo; pelo visto, ele gosta de civis ricos e suspeitos, desses que abrem suas “burras” para custear a propaganda saudosista do arbítrio, como o IBAD (Instituto Brasileiro de Ação Democrática) do começo da década de 1960.



O novo estádio sairá até 2014?

Sigilo nas licitações. A Lei das Licitações, sempre citada como a “famigerada Lei 8.666”, precisa ser revista e atualizada; precisa ser mais ágil. Famigerada é uma palavra que, originalmente, quer dizer apenas “que gera fama”, mas seu uso transformou-a em “de triste fama”. Ao que me consta, a única vantagem dessa Lei é o fato de que há alguma claridade na ação de contratação de obras e serviços; e ainda assim, sabe-se, acontecem os acordos das madrugadas, das portas lacradas etc. E então, outro verso da mesma canção se destaca: “Ninguém precisa saber o que houve entre nós dois”. E me pergunto, outra vez: será?

Resumo meu sentimento nisso aqui, ó: quem sentiu na alma e no amor-próprio as agressões da ditadura – aquele tempo em que sentíamos que “A felicidade para nós está morta” – acredita, sim, que “...não se pode viver sem ela”. Há mais de três anos esperamos pelo início das obras para a Copa de daqui a dois anos. E aí? Varinha de condão? É... A ministra do Planejamento, Miriam Belchior, argumenta que o sigilo resultará em custo menor, pois vai inibir eventuais combinações entre as empresas.  Pergunto outra vez: será?

Pois bem: sabe-se que algumas toneladas de papéis constituem o tal de “arquivo secreto” que Sarney e Collor querem manter secretos. Felizmente, eles não propuseram repetir o que fez Rui Barbosa – tão enaltecido pela classe dos bacharéis em Direito nos últimos cem anos – com os arquivos da escravidão: incinerar tudo! Um dia, para melhor compreensão da nossa História, esses documentos virão à luz.
Morumbi não serve: o São Paulo F.C. votou contra Ricardo
Teixeira para continuar na presidência da CBF.
Enquanto esperamos por isso – mais vinte e cinco anos, mais cinquenta anos ou até quando descendentes e fanáticos por Collor e Sarney, ou  simpatizantes das práticas de arbítrio insistirem em perpetuar essa postura – o povo brasileiro fica, passivamente, esperando pelas obras da Copa. A Lei das licitações, se aplicada a rigor, impedirá obras em tempo hábil; as negociatas já mostraram muito mais que “a parte visível do iceberg” – é claro que me refiro ao affaire Ricardo Teixeira e o novo estádio do Corinthians – mas a boa-fé, ainda que mascarada de indisfarçáveis conveniências, teima em aceitar tudo isso como absolutamente normal.

“Primeiro é preciso julgar pra depois condenar”.

Será?


* * *


Luiz de Aquino é escritor e jornalista.
Imagens: Internet

6 comentários:

Marcelo Corte Real disse...

Parabéns pela crítica e como conclui o Herivelto Martins na sua música: Segredo: "Ninguém tem culpa de nossa desunião", e nesta situação nossos governantes deitam e rolam no quarto, na copa e em qualquer lugar.

Apenas uma revisão no texto, a música do Herivelto Martins diz: "segredo é pra quatro paredes" e não quarto como escreveu.

Marcelo Corte Real disse...

Essa é para sua crônica Luiz de Aquino, você foi no fundo do baú. Parabéns pela associação, muito atual por sinal


Segredo
(Herivelto Martins e Marino Pinto)


Teu mal é comentar o passado
Ninguém precisa saber o que houve entre nós dois
O peixe é pro fundo das redes, segredo é pra quatro paredes
Não deixe que males pequeninos

Venham transformar os nossos destinos
O peixe é pro fundo das redes
Segredo é pra quatro paredes
Primeiro é preciso julgar
Pra depois condenar

Quando o infortúnio nos bate à porta
O amor nos foge pela janela
A felicidade para nós está morta
E não se pode viver sem ela
Para o nosso mal não há remédio coração
Ninguém tem culpa de nossa desunião

Mara Narciso disse...

Uma crítica bem alinhavada e com ótimos argumentos. Como diz meu filho "quando é preciso dar explicações, é por que já está errado". E quando é preciso esconder? É por que está certo?

Tathiane Galdino disse...

Lembrei da música, adorei a crítica,pensei na política brasileira, enfim, gostei do seu blog!E assim que puder visite também o meu blog de poesias.

Um grande abraço!

Klaudiane Rodovalho disse...

Pois bem, Luiz, mais uma vez estamos diante de um viés nada confiável sobre a administração das verbas destinadas às obras da Copa do Mundo.
Tudo por aqui é assim: a volência, a corrupção, o tráfico existem mas ninguém sabe quem manda, segredos... Ah, o Brasil, país de feridas abertas de um tempo que ainda não foi passado a limpo! Por quê?
Segredos... os donos da verdade ainda mandam por aqui. Por quantas gerações?... Só o tempo nos revelará.

Helô Prado disse...

Gostei da exposição do tema e da forma como o fez... além do primor literário, é claro!