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quinta-feira, fevereiro 09, 2012

Cidadania de Folhetim



Cidadania de folhetim



Que dias, estes! Assustadores, malucos, inconsequentes – sei lá que mais!... Até há alguns anos, podíamos concentrar-nos nos problemas do quotidiano próprio, com questões familiares e de trabalho; quando muito, questões da administração pública quanto a consertos de calçadas, buracos nas ruas ou terrenos abandonados.

Os tempos mudaram a vida. Hoje, convivemos com tecnologias inimagináveis há vinte anos. Um educador indiano, falando na Campus Party, em São Paulo, prenuncia o fim dos celulares em cerca de cinco anos – ou seja, a geringonça indispensável terá existido em nossas vidas por  pouco mais de duas décadas, pois novas técnicas vêm aí.

Há quinze anos, a Internet oferecia-nos a praticidade (?) de uma sala de chat e o luxo de uma home page; depois vieram ICQ, MSN, Orkut e Facebook (e permito-me grafar palavras estrangeiras cujo uso é tão corriqueiro que parecem ser, já, da nossa língua). Notebook era uma máquina cara, inacessível para a grande maioria, e em pouco tempo fez com que os personal computers se tornassem obsoletos. E veio o Netbook, que durou pouco porque surgiu o Ipad e seus similares de fabricantes vários, e os tablets viraram uma espécie de vademecum cibernético...

Mudou quase tudo – menos a miudeza humana.        

Esta semana, a Advocacia Geral da União acionou o Twitter para tentar impedir que os locais de policiamento móvel contra os condutores bêbados fossem assunto de avisos na rede social. E não faltaram profissionais – até professores – de comunicação a argumentar em defesa da liberdade de expressão.

A cidadania que se dane! Usemos a liberdade de expressão para que motoristas e motociclistas sejam notificados sobre as blitz (dizem que o plural é blitzen; não sei). Os desastres acontecerão, e suas consequências funestas serão meros detalhes – o importante é assegurar a liberdade de expressão!

Na mesma linha, a greve da Polícia Militar da Bahia. Dane-se a segurança pública, as atividades econômico-profissionais no carnaval de Salvador – importante é o direito de greve! Mas a Constituição Federal proíbe a greve de militares... Azar da Carta Magna, os favoráveis ao movimento leram só a parte em que, sob um jargão filosófico de ocasião, os constituintes “asseguraram” a greve também a funcionários públicos.

Não fosse a Justiça autorizar escutas telefônicas, este final de semana poderia marcar paralisações de policiais e bombeiros militares em várias outras unidades federativas. E estaríamos vivendo uma Síria em proporções brasileiras. A fachada das liberdades mascara situações complicadas: as profissões militares, por sua natureza, “sustentam-se nos pilares da disciplina e da hierarquia”, definem graduados militares e dignidades jurídicas. Mas o que vemos foi um ex-policial dirigir a greve baiana, com o apoio expressivo de um cabo bombeiro do Rio de Janeiro. Alguém me explica?

Sim: um cabo bombeiro da corporação fluminense posou de dignidade na Bahia. Estranhamente, militares do Partido dos Trabalhadores, notórios ideólogos das greves, omitiram-se quanto à greve da polícia baiana. Assim, pouparam o governador Jaques Wagner de uma saia justa.

Desligo os noticiários. Vou às novelas. Alguma diferença? Que nada! Os folhetins, assinados por notáveis escritores de agora, repetem a sordidez de alguns famosos da vida pública nacional, políticos ou sindicalistas; mas com a vantagem da arte dos talentosos e da divertida insegurança dos canastrões. Na arte, ao  menos, os bons têm tudo para vencer no fim.


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Um comentário:

Mara Narciso disse...

Vi que apoia a tecnologia e até aceita palavras estrangeiras na falta de outras em Português, mas fiquei na dúvida sobre a liberdade de expressão. É favorável a censura do Twitter?