Cidadania de folhetim
Que
dias, estes! Assustadores, malucos, inconsequentes – sei lá que mais!... Até há
alguns anos, podíamos concentrar-nos nos problemas do quotidiano próprio, com
questões familiares e de trabalho; quando muito, questões da administração
pública quanto a consertos de calçadas, buracos nas ruas ou terrenos
abandonados.
Os
tempos mudaram a vida. Hoje, convivemos com tecnologias inimagináveis há vinte
anos. Um educador indiano, falando na Campus Party, em São Paulo, prenuncia o
fim dos celulares em cerca de cinco anos – ou seja, a geringonça indispensável
terá existido em nossas vidas por
pouco mais de duas décadas, pois novas técnicas vêm aí.
Há
quinze anos, a Internet oferecia-nos a praticidade (?) de uma sala de chat e o
luxo de uma home page; depois vieram ICQ, MSN, Orkut e Facebook (e permito-me
grafar palavras estrangeiras cujo uso é tão corriqueiro que parecem ser, já, da
nossa língua). Notebook era uma máquina cara, inacessível para a grande
maioria, e em pouco tempo fez com que os personal computers se tornassem
obsoletos. E veio o Netbook, que durou pouco porque surgiu o Ipad e seus
similares de fabricantes vários, e os tablets viraram uma espécie de vademecum
cibernético...
Mudou quase tudo – menos a miudeza humana.
Esta
semana, a Advocacia Geral da União acionou o Twitter para tentar impedir que os
locais de policiamento móvel contra os condutores bêbados fossem assunto de
avisos na rede social. E não faltaram profissionais – até professores – de
comunicação a argumentar em defesa da liberdade de expressão.
A
cidadania que se dane! Usemos a liberdade de expressão para que motoristas e
motociclistas sejam notificados sobre as blitz (dizem que o plural é blitzen;
não sei). Os desastres acontecerão, e suas consequências funestas serão meros
detalhes – o importante é assegurar a liberdade de expressão!
Na
mesma linha, a greve da Polícia Militar da Bahia. Dane-se a segurança pública,
as atividades econômico-profissionais no carnaval de Salvador – importante é o
direito de greve! Mas a Constituição Federal proíbe a greve de militares...
Azar da Carta Magna, os favoráveis ao movimento leram só a parte em que, sob um
jargão filosófico de ocasião, os constituintes “asseguraram” a greve também a
funcionários públicos.
Não
fosse a Justiça autorizar escutas telefônicas, este final de semana poderia
marcar paralisações de policiais e bombeiros militares em várias outras
unidades federativas. E estaríamos vivendo uma Síria em proporções brasileiras.
A fachada das liberdades mascara situações complicadas: as profissões
militares, por sua natureza, “sustentam-se nos pilares da disciplina e da
hierarquia”, definem graduados militares e dignidades jurídicas. Mas o que
vemos foi um ex-policial dirigir a greve baiana, com o apoio expressivo de um cabo
bombeiro do Rio de Janeiro. Alguém me explica?
Sim:
um cabo bombeiro da corporação fluminense posou de dignidade na Bahia.
Estranhamente, militares do Partido dos Trabalhadores, notórios ideólogos das
greves, omitiram-se quanto à greve da polícia baiana. Assim, pouparam o
governador Jaques Wagner de uma saia justa.
Desligo
os noticiários. Vou às novelas. Alguma diferença? Que nada! Os folhetins,
assinados por notáveis escritores de agora, repetem a sordidez de alguns
famosos da vida pública nacional, políticos ou sindicalistas; mas com a
vantagem da arte dos talentosos e da divertida insegurança dos canastrões. Na
arte, ao menos, os bons têm tudo
para vencer no fim.
* * *
Um comentário:
Vi que apoia a tecnologia e até aceita palavras estrangeiras na falta de outras em Português, mas fiquei na dúvida sobre a liberdade de expressão. É favorável a censura do Twitter?
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