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sexta-feira, julho 20, 2012

Gostar de mulher burra


Gostar de mulher burra


Esta crônica , publiquei-a em setembro de
2003; ao relê-la, bateu saudade de uns dias
lindos, tempo de bom convívio... Lembrei-me
de amigos que se espalharam e, em sua
homenagem, republico-a agora!



Marcelinho Pão-e-Vinho, o delegado meu amigo - aquele de uma pequenina cidade do interior - tem posturas que, não raro, me surpreendem. Como, por exemplo, não gostar de crianças nem de adolescentes. Jovem que é, ele se sente bem quando está entre pessoas com mais de 40 anos. E tem lá o seu discurso apropriado, que, não raro, destoa da função que exerce. 

Gozado... agora me ocorre isso. A gente tem a mania de estereotipar as pessoas conforme a sua origem geográfica, seu habitat urbano ou rural, sua profissão, etc. E a gente espera que um delegado de polícia seja um sujeito truculento, indelicado, com linguajar apropriado – como chamar alguém de “elemento” e dizer “viatura” para se referir ao automóvel. Esse meu amigo, não. Ele é educado, culto, bom leitor de literatura, ouvinte de boas músicas e apreciador de bons vinhos. Em termos de, digamos, identidade comportamental, ele é namorador, gosta de uns momentos boêmios e, já foi dito, sabe bem escolher amizades e companhias femininas. E é aí que aparece a surpresa.

Mulher bonita é quase unanimidade – todo homem quer. Certo, há exceções, mas isso decorre da índole sexual de cada um e nada tem a ver com beleza, e sim com o gênero da pessoa a quem o tal escolhe. Se a intenção é apenas bater um papo e tomar cerveja e deixar o tempo correr, ele não faz distinção; mas para os feitiços do amor, disse ele, o ideal é mulher burra. E, antes que eu dissesse qualquer coisa, Marcelinho Pão-e-Vinho espalmou as duas mãos na vertical e explicou:

- É lindo curtir uma mulher burra! Elas dizem coisas encantadoras, não sabia?

Não, eu não sabia. Coisas encantadoras saindo da boca de uma mulher burra?

- Sim, é claro... Veja só, semana passada eu saí como uma garota linda, dos olhos grandes, boca carnuda, toda elegante e, pensa ela, bem informada. Aí, passou por nós um sujeito que a cumprimentou rapidamente. Ela me perguntou se eu o conhecia e já esclareceu: “Ele é ornitorrinco”. Como eu fiquei assim, meio sem entender, ela explicou, toda poderosa, que “ornitorrinco é médico que cuida de garganta”.

Bem, bem... O delegado relegou essa e ficou, então, à espera da próxima patacoada que a moça diria. E esta aconteceu logo em seguida, com a chegada de um amigo de infância do policial, professor de história, finalizando o mestrado e já pensando no título de doutor como meta seguinte.

- A donzela não perdeu a oportunidade, ela tinha que mostrar que era culta - continuou o delegado. - E esticou-se com muita classe em direção ao professor, dizendo que adorava história, que só tirava notas altas na escola. Meu amigo, para ser educado, deu-lhe ouvidos e se arrependeu amargamente. A moça, com ares de intelectual de feira-livre, pôs fim à conversa com esse disparate: “Adoro a história de Cleópatra, aquela loba que amamentou Romeu e Julieta”.

O professor evadiu-se do recinto (essa expressão só é usada aqui em homenagem ao delegado), olhando o amigo com expressão de desespero. Mas a namorada eventual de Marcelinho Pão-e-Vinho ainda diria mais coisas. Era só haver oportunidade. Não demorou muito, apareceu o Tuti – advogado, boêmio, boa prosa, um tanto descuidado de sua própria saúde, mas só quando a causa é nobre (diz ele). Não o recrimino, porque também sou dos tais. Pelo prazer de uma boa prosa em torno de algumas garrafas de cerveja, sacrifico o controle sobre as taxas de glicose. Não é o caso de Tuti, o que o incomoda é a pressão arterial.

O delegado apresenta a namoradinha do momento, convida Tuti a se sentar, ele aceita. Oferece-lhe bebida e tira-gosto, mas o bacharel recusa, justificando-se:

- Ah, amigo, hoje não. Estou controlando, meu colesterol anda a mais de trezentos.

E a loira (eu tentei não dizer, para não ser acusado de preconceito de cor), sempre se exibindo, comentou, segura de si:

- Puxa, está caro, hem! Pechincha, você acaba conseguindo um precinho melhor.


* * *

Um comentário:

Mara Narciso disse...

Palmas para ela. De fato não encontra concorrentes à altura. Ainda assim, parabéns a ela pela espontaneidade e coragem.