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domingo, setembro 23, 2012

Caronas de estrada


Esta crônica, escrevi-a em 2005, para o DM, sobre fato vivido por mim alguns anos antes, mais precisamente em 1998, quando viajava sozinho de Goiânia a Belo Horizonte, num carrinho novo muito esperto. Ainda em 2005, inseri-a entre outras crônicas que foram veiculadas na antologia Roda Mundo, do editor Douglas Lara. Diverti-me ao relê-la e quero compartilhá-la com os leitores de agora. (Luiz de Aquino - 15/09/45, aniversário de 67 anos).



Caronas de estrada


Já levei muita bronca por conta de uma mania da qual custei a me safar – a de dar carona nas estradas. Tarimbado repórter, com significativa vivência na cobertura de fatos policiais, sempre soube dos riscos, sim, senhor. Mas no fundo, num cantinho muito escondido da consciência e da memória, fica a imagem de eu menino, uniforme de ginásio, polegar para cima à espera de que alguma alma bondosa me poupasse dos sacolejos e dos apertos nos trens de subúrbio no Rio de Janeiro. Mais tarde, em Brasília, a carona era uma instituição séria – os estudantes motorizados reconheciam nas indefectíveis pranchetas, então na moda, colegas da UnB à espera de condução nas saídas das super-quadras.

Também nas estradas, fui useiro das caronas. Principalmente de Caldas Novas para Goiânia, pois havia apenas um horário de ônibus – mais tarde, dois: um pela manhã, outro à tardinha – e perder a condução podia significar a perda das aulas ou do expediente no trabalho.

Tudo bem, era um tempo em que as pessoas eram mais confiáveis, ninguém se vestia de carteiro para assaltar prédios de luxo. Certa vez, dei carona a um soldado à paisana. Era um soldado da PM de Brasília, vinha de Piracanjuba. Ele me perguntou se não tinha medo, dar carona para estranho. Respondi apenas que confiava em Deus, ora!

Realmente, nunca tive problemas, mas resolvi interromper essa estranha carreira de bom samaritano. Ainda nos anos 70, embarquei um casal de hipies na BR-153, no trevo que demanda a Pirenópolis. Os jovens vinham de Belém, viajavam há uns quatro dias em várias caronas, dormiam ao relento e fediam muito. Outra vez, conduzi de Anápolis a Brasília duas mulheres bonitas, mãe e filha – mãe jovem de filha moça. Nasceu daí um começo de amizade e quase que uma paixãozinha, que ninguém é de ferro. Mas ficou tudo no passado.

O caso mais interessante foi dos últimos em que cometi o desatino de ser caridoso. "Fazer o bem sem olhar a quem", ensinava um livrinho do primário, "Lições do tio Emílio". Parei o bom e ágil Gol vermelho, faltavam 150 km para chegar a Belo Horizonte. A moça que me fizera sinal era uma negra alta, esguia, com duas maletas nas mãos, e veio correndo (parei uns 50 metros mais à frente, estava meio acelerado).

"Moço, pra onde o senhor vai? O senhor me leva? Quero ir pra Belorizonte". Sim, eu vou para Belo Horizonte e levo você, sim, entre. Ela não entrava: "Mas o senhor vai parar? O senhor pára, né?". Não, não vou parar. Estou com pressa, moça, entre. E ela, retrucando, já com cara de meio indignada: "Mas o senhor não vai parar mesmo? O senhor não pára nem pra meter no mato?" Não, não quero...

Sem sequer se despedir, a moça correu a acenar para um caminhoneiro, que já brecava a jamanta. Ele, certamente, pararia.

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