Os gaiatos de plantão
surpreendem-nos com seus rompantes de criatividade. Seja na adaptação de uma
antiga gíria, seja na elucubração de uma nova frase ou ainda em montagens
interessantes. Uma delas, de uns três anos atrás, enfatizava comportamentos
impostos pelas novas leis. Inevitavelmente, o primeiro item foi a lei-seca,
essa que visa a coibir a associação bebida alcoólica com volante.
Pausa: encabula-me o quanto
as pessoas rejeitam, sistematicamente, qualquer novidade! Todos sabemos que uns
tragos sorvidos reduzem-nos os reflexos e, ao dirigir qualquer automotor,
expomo-nos a riscos graves, como acidentes em que causamos danos materiais e
expomos as vidas – as nossas e as dos outros. Mas o tal de bicho homem tende a
reagir, resistir, burlar, revoltar-se.
Eu dizia de uma mensagem na
Internet, lá por 2010 ou pouco antes, em que o sujeito reclamava da lei-seca.
E, com ela, comentava que, nos tempos do “regime militar” – eufemismo para a
ditadura que nos tirava a liberdade e tolhia nossos sonhos – a gente podia
tudo: dirigir um Maverik a 160 km por hora, não usar cinto de segurança,
pilotar motos sem usar capacete etc. e tal. Eram muitos os itens, para
arrematar com isso: “Só não podíamos falar mal do presidente”.
Sim, falar mal do presidente
– na verdade, um general de plantão, com poderes absolutos, às claras; e às
escuras, podia prender, torturar, arrebentar e até matar – era absolutamente
proibido. Falar mal do presidente dava cadeia, com todos os riscos que incluí
logo acima, entre travessões. Ah, havia também o risco evidente de perseguirem
nosso filhos e cônjuges (alguém já ouviu alguém pronunciar “cônjuge”? Eta,
palavrinha feira, siô e siá! Mais chato, só mesmo o possível sinônimo “esposo”,
precedido do inevitável “meu”: “Meu esposo vai me levar para viajar nas férias”
– é um tipo de frase que, além do som que me incomoda, denota a subserviência
indesejável).
Volto à tal mensagem gaiata
do cara que preferia dirigir feito louco, sem cinto de segurança, sem a
profusão de lombadas e radares. Ele se esquece de dizer que foi durante o
“milagre brasileiro”, lá por 1973, que a velocidade nas rodovias ficou limitada
a 80 km por hora e os radares renderam uma solene fortuna em multas. E que a
obrigatoriedade do uso de capacete se deu no governo de João Batista
Figueiredo, o derradeiro na corrida de bastão que foi aquela ditadura.
Analisei as reações dos
usuários da Net – os que pude avaliar. Incrível, quase todo mundo concordava
com a brincadeira: podia-se tudo, menos falar mal do presidente. Agora, podemos
falar mal do presidente, mas não podemos nada mais – finalizava a mensagem, e
era essa frase que as pessoas curtiam.
Parece marcha pela maconha.
No meu tempo de estudante,
adolescente, não havia campanha antitabagista, e entendia-se que era muito
elegante uma mulher fina, bem trajada e maquiada, tirar da bolsa um maço de
cigarros, um isqueiro chique.
Isqueiros eram itens de finesse
nas bolsas das mulheres e nos bolsinhos (algibeiras, era o nome) das calças
masculinas. Havia, entre os homens, o exibicionismo de se usar um Zippo ou um Ronson – marcas famosas, importadas a altíssimos preços e
contrabandeadas para a alegria dos menos afortunados.
Mas não me lembro de
professores estimulando alunos ao fumo; recentemente, li artigo de um jovem
jornalista comentando sobre a cumplicidade de professores e alunos em rodas, no
bosque da universidade, para deliciarem-se com a Cannabis sativa. O artigo citava, ainda, um professor da mesma
universidade que declara, em sala de aula, o que ele diz ser um “sonho de
consumo”: invadir e assaltar um condomínio de luxo.
Falo disso tudo para chegar
a uma figura que anda muito comum no Brasil de hoje – o brasileiro
insatisfeito. É um sujeito que não questiona a carga tributária, não sugere
melhorias na legislação eleitoral, que remunera quem lhe faça, integralmente, o
TCC para se graduar e, depois, a dissertação para tornar-se Mestre; é o que
estaciona em calçadas, avança sinais, circula e velocidades siderais em seu
carrão, saqueia carga em acidente rodoviário, sonega impostos e... e... xinga o
Brasil!
Porque esses tais não se
vão, hem? Não fariam falta alguma. São os que nunca, nunca preocuparam-se em
melhorar a sociedade. E ficam aí apregoando que aqui tudo vai mal, mas que “lá
fora” tudo é maravilhoso. Que se mudem, bolas!
* * *
2 comentários:
Leio tuas crônicas quase sempre, mas essa,OS QUE ODEIAM O BRASIL,me deixaram um a pulga atrás da orelha, e sabes porque? Luiz a que horas abrem os bancos? Aqui em Porto Alegre abrem as 10 horas da manhã e fecham as 16 horas da tarde, passa em frente a um banco as 7 horas da manhã e vc vai ver os aposentados já na fila pra receber. E sabes porque, para poder ter asunto e falar mal do governo, dizendo viu quantas horas fiquei na fila para receber o que é meu de direito. O povo gosta de falar mal, mas ler para saber de fato o que acontece, muitos poucos e muitos desses poucos lêem sem entender o que lêem. Lamentavel mas é verdade.
Outra coisa surpreendente,Luiz, daquelas eras em que não se podia falar mal, não só do governo, como também do presidente, muitas coisas não eram permitidas. Cito: ver pessoas nuas, sexo não existia(tudo censurado - soa estranho hoje um adulto ser proibido de ver os mamilos, gentilmente borrados nas revistas). Mas uma coisa era permitida: tomar remédio vencido.Não existia qualquer controle sobre vencimentos de comidas ou remédios. "Meu esposo" é horrível. Coisa de gente servil e inculta.
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