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domingo, fevereiro 26, 2012

Moda, gíria e mau gosto


Moda, gíria e mau gosto


Afinal, o que leva hífen? E o que não leva? O acordo ortográfico mexeu com acentos e já nos deixa em dificuldades quando escrevemos “herói recebe homenagem na Assembleia”. O trema, que causou tanto incômodo, foi punido de morte de maneira brusca, cruel e radical. E as palavras compostas têm novas e complicadas regras... Vale a pena tentar entendê-las? É que o acordo internacional para a escrita lusófona, garantem, não interfere no modo de falar. Vai daí, pronunciar “extra (ê) ou extra (é)” passa a ser algo muito individual, já que ambas as pronúncias se permitem por certas.

Aprendi que a palavra século, quando escrita para especificar um período, se escreve com inicial maiúscula e em algarismos romanos – Século XIX, Século XXI... Mas a regra mudou, os ordinais perderam essa majestade gráfica, ficaram vulgares – século 19, século 21 – ,do mesmo modo que alguns títulos: dona Maria, imperador d. Pedro I (em lugar de Dona Maria e Imperador Dom Pedro ou D. Pedro).

As grandes transformações sociais e políticas trazem mudanças drásticas nos costumes e na língua em todos os conjuntos sociais diretamente afetados. Como as guerras, os sistemas e regimes político-administrativo e as transformações de ordenamento econômico. Como sombra de tais eventos – guerras, governos e economias – reina, quase que discretamente, a evolução da ciência e (isso é indispensável) da economia.

Há poucas décadas, restaurantes eram casas solenes voltadas muito mais para o lazer e o atendimento a viajantes (por profissão e turismo) do que para acudir quem não tinha tempo para almoçar em casa. Bermudas, chinelos e camisetas eram roupas para a intimidade do lar ou a descontração nas praias e nos clubes. Gíria era linguagem que bem identificava profissionais – técnicos, cientistas, militares – e calão era o falar solto, descontraído, sem regras, coisas de marginais para dificultar o entendimento fora de seu grupo, e estendeu-se ao linguajar sem regras ou classe (ou ambos) dos trabalhadores então considerados “de menor importância”. Com o tempo, o que era gíria tornou-se “linguagem profissional” e o calão virou gíria. E a gíria expandiu-se, atingiu todas as classe, chegou com facilidade aos grandes meios de comunicação.
Do mesmo modo, falar bem a língua, no Brasil, deixou de ser importante – ou elegante. A elegância, estranhamente, ficou restrita ao vestir-se, ainda que a resistência perdure. Jogar lixo pela janela do carro e toco de cigarro nas calçadas era coisa corriqueira antigamente, hoje já se nota isso como péssimo hábito. Ou seja, nem tudo mudou para pior.

Na língua, porém, alguns novos hábitos incomodam ouvidos sensíveis (olhos também, quando se lê). Nas vitrines das lojas, a simples expressão “a partir de” é escrita de modos vários: “à partir de”; “apartir de”; “á partir de”. Isso acontece em maiúsculas e minúsculas. Tal como fizeram dirigentes do futebol brasileiro quando escreveram nas costas do “manto sagrado” da Seleção Brasileira um desqualificado “brasil”, em confronto elementar com a mais básica das regras gramaticais. Nos jornais e nas revistas, a farra não tem regras nem limites.

Erros à parte, há modismos que incomodam. Lembro-me de quando a juventude (quase sempre, a mocidade universitária) apareceu com uma nova construção de frases tendo a palavra “tipo” como eixo:

– A gente se encontra depois, tipo assim nove  horas.

Isso vem do tempo e do mesmo meio que a famigerada e desgastada “a nível de”, ainda hoje repetida por políticos, executivos e alguns profissionais que se sentem importantes ao falar bobagens – esses que se acreditam espertos o bastante para vencer na vida sem dar valor aos estudos.

Agora, a palavra chata que está presente em cada diálogo de novela, em cada notícia de todas as mídias e nas entrevistas de rádio e tevê, bem como cabecinhas sem disposição de construir frases melhores é “foco”. Ninguém mais se concentra – foca; ninguém mais olha – foca; ninguém mais tem uma meta – foca.

Inevitavelmente, foca (como substantivo, era como, na gíria jornalística, se chamava o aprendiz do ofício) tornou-se uma obsessão especialmente entre os focas: o grande desafio é enfiar “foca” nos textos, como se nenhuma frase ou parágrafo pudesse existir sem esse novo “tempero”.

E eu, que evito ao máximo misturar línguas, recorro a uma expressão inglesa presente em grande parte dos filmes norte-americanos relativamente recentes, ao ouvir a palavrinha da moda:

 Foco? Foquiú!

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segunda-feira, fevereiro 20, 2012

Tarados íntimos


Tarados íntimos


A semana marcou-se pela aplicação inusitada da “Lei Maria da Penha” num caso de agressão cometida por um rapaz contra um idoso (o conceito popular tinha tal lei como exclusiva dos casos de violência contra mulheres). A tevê publica um vídeo institucional acerca da pedofilia -  mais odiosa dentre as formas de violência. Lembrei-me de um tempo em que, no ofício da reportagem, percorria delegacias policiais, colhia informes criminais e eventualmente me deparava com um caso de pedofilia, a maior parte envolvendo pais, tios, padrastos e até mesmo alguns vovozinhos aparentemente dóceis (ledo engano: canalhas também envelhecem). O tal filmeto da tevê termina com a voz da garotinha num apelo fortíssimo: “Por que ninguém faz nada?”. Nos meus velhos arquivos, achei esta crônica (escrita em 15/02/2001 e publicada logo após).

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Minha amiga – vamos chamá-la de Melissa – é uma mulher jovem e bonita. Casada, tem no marido um parceiro na construção do futuro em família (eles têm um filhinho na fase da escola maternal). O guri, contou-me ela exatamente ontem, é uma vitória, uma conquista. “Todas as vezes que beijo meu filho, fecho os olhos e uma emoção me invade, chego às lágrimas... Até as vésperas de ficar grávida, os médicos não me acreditavam capaz de gerar, pois tinha o útero lesionado”.
A lesão aconteceu na infância, e ela guardou o fato como um segredo por muitos anos. Aliás, nos primeiros dez anos após o fato, diz Melissa, ela esqueceu-o completamente. Melissa assistia uma novela em que um coronel estuprava uma jovem. Não há novidade, porque sexo em novela, consentido ou violento, é cena para se ver em família, pouco antes ou logo após o jantar. A cena levou-a aos cinco anos de idade, numa pequena cidade do interior (de novo vou simular Caldas Novas, embora isso aconteça lá, como aqui em Goiânia, em Rio Verde, Pirenópolis, Recife, Paris, Roma ou Jerusalém).

Melissa viajou ao passado e pousou no dia em que, brincando na casa de um amiguinho de sua idade, foi violentada pelo pai do garoto. Ele foi gradual, usou os dedos para abrir caminho e não a poupou de nada mais. “Recordo aquilo nitidamente, era como uma faca que me cortava”. Lembra que sangrou e que ele cuidou de limpá-la, prevenindo-a: “Se contar para alguém, vamos ver se alguém acredita em você”. Ora, ninguém acreditaria! Um profissional liberal, membro de sociedade secreta, respeitável como ele só, membro de família tradicional, etc. Seria a palavra de uma criança contra a dele; um lorde, se vivêssemos na Inglaterra.

O mal-estar que sentiu ao ver a cena na novela reside num fator, apenas: “Senti-me culpada por não ter contado, podia ter evitado outras vítimas dele”. Ela sabe de pelo menos outra vítima do respeitável senhor: a própria filha. A mãe tentou reagir, foi espancada por ele; procurou ajuda, recebeu orientação mas foi contida pelos parentes: onde já se viu causar um mal-estar desse em família? Afinal, ele era marido e pai, a cidade toda gostava dele, blá, blá, blá...

Melissa superou o trauma, discutiu-o em sessões de análise, não teve seu equilíbrio emocional ou seu comportamento sexual adulto comprometido; a lesão no útero, como se sabe, não a impediu de ser mãe. Só que ela não é um caso isolado – são milhares, milhões talvez, já que não se tem estatística, os casos de violência sexual contra crianças. E os tarados são sempre pessoas muito próximas: pais, irmãos, avós, tios – inclusive os tios de mentira, os vizinhos, os pais dos coleguinhas. “Não se tratem as vítimas de violência sexual como coitadas, apesar de tudo; eu soube superar isso de todas as formas, mas sei de muitas pessoas que tem essa marca como algo que lhes compromete toda a vida, precisam ser tratadas”.

Mas algo há de ser feito em caráter preventivo. E isso só será possível com a correta orientação às crianças. Se, contudo, o pior acontecer, que a vítima seja estimulada a revelar o fato e o tarado.


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quinta-feira, fevereiro 09, 2012

Cidadania de Folhetim



Cidadania de folhetim



Que dias, estes! Assustadores, malucos, inconsequentes – sei lá que mais!... Até há alguns anos, podíamos concentrar-nos nos problemas do quotidiano próprio, com questões familiares e de trabalho; quando muito, questões da administração pública quanto a consertos de calçadas, buracos nas ruas ou terrenos abandonados.

Os tempos mudaram a vida. Hoje, convivemos com tecnologias inimagináveis há vinte anos. Um educador indiano, falando na Campus Party, em São Paulo, prenuncia o fim dos celulares em cerca de cinco anos – ou seja, a geringonça indispensável terá existido em nossas vidas por  pouco mais de duas décadas, pois novas técnicas vêm aí.

Há quinze anos, a Internet oferecia-nos a praticidade (?) de uma sala de chat e o luxo de uma home page; depois vieram ICQ, MSN, Orkut e Facebook (e permito-me grafar palavras estrangeiras cujo uso é tão corriqueiro que parecem ser, já, da nossa língua). Notebook era uma máquina cara, inacessível para a grande maioria, e em pouco tempo fez com que os personal computers se tornassem obsoletos. E veio o Netbook, que durou pouco porque surgiu o Ipad e seus similares de fabricantes vários, e os tablets viraram uma espécie de vademecum cibernético...

Mudou quase tudo – menos a miudeza humana.        

Esta semana, a Advocacia Geral da União acionou o Twitter para tentar impedir que os locais de policiamento móvel contra os condutores bêbados fossem assunto de avisos na rede social. E não faltaram profissionais – até professores – de comunicação a argumentar em defesa da liberdade de expressão.

A cidadania que se dane! Usemos a liberdade de expressão para que motoristas e motociclistas sejam notificados sobre as blitz (dizem que o plural é blitzen; não sei). Os desastres acontecerão, e suas consequências funestas serão meros detalhes – o importante é assegurar a liberdade de expressão!

Na mesma linha, a greve da Polícia Militar da Bahia. Dane-se a segurança pública, as atividades econômico-profissionais no carnaval de Salvador – importante é o direito de greve! Mas a Constituição Federal proíbe a greve de militares... Azar da Carta Magna, os favoráveis ao movimento leram só a parte em que, sob um jargão filosófico de ocasião, os constituintes “asseguraram” a greve também a funcionários públicos.

Não fosse a Justiça autorizar escutas telefônicas, este final de semana poderia marcar paralisações de policiais e bombeiros militares em várias outras unidades federativas. E estaríamos vivendo uma Síria em proporções brasileiras. A fachada das liberdades mascara situações complicadas: as profissões militares, por sua natureza, “sustentam-se nos pilares da disciplina e da hierarquia”, definem graduados militares e dignidades jurídicas. Mas o que vemos foi um ex-policial dirigir a greve baiana, com o apoio expressivo de um cabo bombeiro do Rio de Janeiro. Alguém me explica?

Sim: um cabo bombeiro da corporação fluminense posou de dignidade na Bahia. Estranhamente, militares do Partido dos Trabalhadores, notórios ideólogos das greves, omitiram-se quanto à greve da polícia baiana. Assim, pouparam o governador Jaques Wagner de uma saia justa.

Desligo os noticiários. Vou às novelas. Alguma diferença? Que nada! Os folhetins, assinados por notáveis escritores de agora, repetem a sordidez de alguns famosos da vida pública nacional, políticos ou sindicalistas; mas com a vantagem da arte dos talentosos e da divertida insegurança dos canastrões. Na arte, ao  menos, os bons têm tudo para vencer no fim.


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domingo, fevereiro 05, 2012

Livros e pessoas



Livros e pessoas



Livro: conjunto de folhas de papel de igual tamanho, geralmente usadas nas duas faces, enfeixadas em uma das margens e  protegidas por um papel de maior gramatura, isto é, mais grosso. Em geral, o conteúdo contém um mesmo tema em ideia contínua (tese), ou uma história real ou não (documentário ou romance). Pode trazer histórias variadas (contos ou crônicas), poemas, doutrinação religiosa, informes didáticos, conselhos fúteis, códigos de normas e de leis – enfim, não há limites de temas. Visualmente, o livro é um objeto de tamanho e peso suficientes para que seja portátil. Há quem o diga um alimento do espírito, um apanhado de ensinamentos, um amigo inseparável etc. – enfim, definições e conceitos para livro também são ilimitáveis.

O livro só tem um limite: o mínimo de 50 páginas – menos que isso, é um libelo ou opúsculo.

Gosto de livros. Sempre os li, muitos, de quaisquer aspectos, conteúdos e qualidades. Há aqueles que nunca lemos – apenas os consultamos: os dicionários e alguns livros técnicos. Há os que lemos por partes e sem continuidade, tal como fazíamos com os discos em vinil – naquele tempo os chamávamos de elepês, mas escrevíamos apenas LP; como hoje fazemos com os cedês, que costumamos escrever CD.

É raro o dia em que não entra um novo livro em casa. Tem sido assim há muitos anos... Um dia, lá por 1972, fui roubado. Tinha eu, então, cerca de 400 volumes, e foram-se todos! O larápio vendeu-os, quase todos, num sebo. Foi Anatole Ramos quem me contou ter comprado alguns livros que continham meu nome manuscrito em algumas páginas.

Esta semana, meu amigo Giuglio Settimi Cysneiros presenteou-me com um exemplar de Coletânea Dramaturgos Goianos, editado pelo SESC, em trabalho gráfico de muito boa qualidade. Um registro e tanto!


Dias antes, recebi de minha querida prima Teresinha Pinheiro Lacerda, num pacote muito bem embalado, quatro preciosidades: Antologia Poética de Augusto Frederico Schmidt – seleção por Waldir Ribeiro do Val, edição de 1962; As Mais Belas Poesias Brasileiras de Amor – seleção e prefácio de Frederico dos Reys Coutinho, de 1946; Luz Mediterrânea, de Raul de Leoni, editado pela Civilização Brasileira, em 1940.




E o quarto livro do pacote: A Velhice do Padre Eterno, de Guerra Junqueiro, edição de Lello e Irmão Editores (não há ficha catalográfica nem data de impressão; a data que encontrei na obra é de 1926, mas a peça parece-me mais nova – dos anos de 1940 ou 1950, a julgar pelo aspecto geral e conservação do papel). Vale dizer: a livraria Lello & Irmão, da cidade do Porto, em Portugal, é considerada a mais bela do mundo; trata-se de uma relíquia histórica e patrimonial. 

Dá vontade de reproduzir alguns poemas de cada livro, mas... quais? Ah! Dentre de um desses livros, uma capa, lacerada do volume – A Paixão de Abelardo e Heloísa (Livraria Progresso Editora). Indo ao Rio, devolverei à Teresinha essa capa para recompor o livro mutilado pelo tempo e pelo uso.


Contudo, não encerro esta crônica sem destacar uma  outra alegria, igualmente grande. Falo de Janelas da Liberdade, do professor Geraldo Faria, meu mestre na Faculdade de Filosofia da então Universidade Católica de Goiás – a nossa PUC de  hoje. Uma breve carta do meu colega Paulo de Faria, jornalista, resume: um grupo de alunos esforçou-se e, com apoio da Universidade Federal de Goiás, o CAPAE/FUNAPE editou a obra. A edição é muito bonita, leve, com fac-símiles de manuscritos... Ah, um primor! Lendo, ao modo que me sugeriu o querido mestre “(“Pule páginas à vontade”), revivi momentos nossos em sala de aula no antigo prédio cujo nome – Faculdade de Filosofia – foi extirpado por ódio dos milicos que dirigiram o MEC no comecinho da década de 1970; assim, a nossa Faculdade ficou na memória de alguns como “o prédio do Básico”).

Mestre Geraldo Faria, ou melhor, Geraldo Alemão! Preciso revisitá-lo, levar-lhe novos  livrinhos meus. Mas, desta vez, hei de lhe cobrar comentários.

Meu abraço de aluno e de leitor feliz e agradecido!

Reencontro feliz: minha visita ao Mestre. 



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