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quarta-feira, maio 23, 2012

A moça do trem


A moça do trem

Era um bar na esquina, na mesma quadra da Igreja. Perto do hospital, o Carlos Chagas, e não muito distante da delegacia que, na época, seria o vigésimo depê. Ou seria vigésimo segundo? Não, não... Vigésimo quinto... Não interessa; melhor era saber da Igreja e do hospital: a missa das sete da noite era pródiga de belas moças adolescentes em meio às mais velhas, casadoiras. E o hospital... Bem, nunca se sabe. Mas polícia e cadeia − disso queríamos distância mesmo.

Houve, de nossa parte, um certo atrevimento: nenhum de nós atingira, ainda, os 18 anos. Na verdade dois tinham 16; e o outro, 15 anos. Mas tínhamos de cumprir aquele desafio: era a primeira vez que pedíamos uma cerveja. “Uma brama e quatro copos. Casco escuro”. Sim, porque as garrafas em tom de verde eram os cascos claros; preferíamos as de cor marrom. Preferíamos nada: tomaríamos da que viesse, mas Paulo Fernando sempre se empertigava para demonstrar “adultice”.

Esqueci de dizer: éramos eu e três que se chamavam Paulo. Ou três e eu. Luiz. Com Z, bem brasileiro. Aliás, já se disse que, no Brasil, o nome assim, desrespeitando a raiz etimológica, tem de ser dito como se “com zê” fosse sobrenome:

− Luiz Com Zê, porque sou espada.

Achei a cerveja muito amarga. Desse dia em diante, eu deixaria a bebida se esquentar no copo; pareceria menos amarga. Mas isso durou pouco: logo, logo eu aprenderia a beber cerveja. E nessa noite, como em muitas outras, a cerveja seria precedida de batidas. Paulo Fernando e Paulo Roberto − os dois de dezesseis anos − tomavam batida de limão; Paulo César e eu, de maracujá . Depois, a cerveja:

− Brama. Casco escuro. E bem gelada − ordenava o Paulo Fernando, com ares de líder.

Foi nessa noite, a da primeira cerveja, que lhes contei, entre feliz e apreensivo, a viagem de volta, na tarde do mesmo dia. Por ter havido prova, e era final de semestre, separamo-nos no meio da tarde. Alguém fora ao Centro comprar algo; outro, à Tijuca para uma visita e o terceiro, ficara no colégio a esperar alguém. Tomei a General Canabarro, rumo à estação de São Cristóvão; de lá, preferi ir à Central do Brasil e pegar um trem “direto”, quer dizer, dos que só paravam em determinadas estação − Engenho de Dentro, Cascadura, Madureira e, daí a Deodoro, nas três intermediárias: Osvaldo Cruz, Bento Ribeito, Marechal Hermes. 

Trem atrasado e, por isso, cheio. À minha frente, no último vagão, achegou-se uma belíssima morena. Devia ter 18 ou 19 anos, vestia um justíssimo vestido vermelho. Decote generoso, seios arfantes, coxas duras, lábios densos e rubros como morangos maduros. Lembrava um sorvete, tamanha era a vontade de lambê-los. Os Paulos ouviam entre duvidosos e gozadores, e, pareceu-me, somente Paulo César levava-me a sério desde o início.

O que aconteceu foi algo de maravilhoso. Eu era um garoto de 15 anos, virgem e sem saber que aquela angústia toda tinha um nome: testosterona. E a moça de vermelho estava ali, bem colada a mim, frente a frente. Vagão superlotado, o porta-livros entre nós e aquela respiração, aquele hálito que me lembrava rosas, cereja, perfumes caros... mesmo que a moça tivesse mau-hálito, era assim que eu a tinha: uma deusa! E sacudíamos juntos, grudados, desde a Central até Madureira. Aí, o trem ficou vazio.

Imagine-se o meu espanto: até os bancos de madeira, disputadíssimos, ofereciam espaço. E nós ali, frente, excitadíssimos... Eu devia estar muito corado, suava em bicas, não sabia como esconder o volume incômodo − mas a moça não se afastava:

− Fique tranqüilo, garotão, não vou deixar você em apuros.

E continuou colada a mim, protegendo-me, ocultando o que me causaria vergonha ou constrangimento... Mas, ao mesmo tempo, impedindo que o mal-estar tivesse um fim.

Foi então que não mais me contive, e antes que o trem parasse em Osvaldo Cruz um vulcão em mim cumpriria seu desígnio. A moça sentiu e sorriu, cúmplice e feliz.

− Moro em Bento Ribeigo. Desce lá comigo e vamos à minha casa...

Não desci. Confesso: tive medo. Foi tomado de um pavor inexplicável, não conseguia imaginar o que aquela moça, tão bonita e elegante, vira num moleque de quarta série ginasial, estudante pobre e feio.

Paulo Roberto ria; Paulo César, solidário, censurou-me aí:

− Rapaz, eu teria ido! Claro que ela te queria na cama, cara!

Mas eu me recusava a entender assim: a moça devia ter uma família, sei lá.

− Se tivesse, ela não teria te chamado.

E Paulo Fernando, debochado e provocador, traduziu o meu espanto:

− Fez bem em não ir, rapaz. Grana tu não tem mesmo, então não era assalto; você já tinha resolvido o teu lado, tudo bem. Vá lá que ela quisesse resolver o dela. Mas e se, em lugar disso, ela te levasse para o gigolô dela te traçar, hem?

Poxa! Pensando bem... foi melhor assim.

E fim de papo. Pelo menos com os amigos, sobre esse tema. Daí por diante, os hormônios em conflito sugeririam muitas lembranças e imagens imaginadas com a moça do trem. Claro que sem o vestido.


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sábado, maio 19, 2012

ISO 9000 avalia atendimento?


Empresas e profissionais liberais descuidam do setor de recepção






ISO 9000 avalia atendimento?


De uns bons anos até agora, empresas grandes ou em ascensão buscam um certificado de excelência. O crachá para isso é um certificado que nos chega como “ISO 9001” ou “ISO 9002”. Pesquisando, encontrei no site Wikipédia:

“As famílias de normas ISO 9000 estão entre as mais conhecidas normas da ISO em todos os tempos. As normas ISO 9000 e ISO 14000 são implementadas por mais de 800.000 organizações em mais de 150 países. A ISO 9000 transformou-se na referência internacional para os requisitos da gestão da qualidade em negócios (...). A família ISO 9000 está primariamente preocupada com a "gestão da qualidade". Isso significa que a organização deve: - atender aos requisitos de qualidade do consumidor; - atender aos requisitos regulatórios aplicáveis; - melhorar a satisfação dos consumidores; e - conseguir uma contínua melhora no seu desempenho em busca desses objetivos”.

Estranhamente, algumas empresas conquistaram o famoso diploma e, em seguida, deitam-se na glória e agem como conquistadores bárbaros – tratam a clientela como um bando de derrotados – pessoas que buscam favores, em lugar de reconhecerem no freguês o sujeito que contribui para o fundo pecuniário que lhes garante a sobrevivência e o enriquecimento.

É a famosa situação dos recepcionistas de clínicas médicas. Em menos de 15 dias, fui vitima de “profissionais” desse naipe. Antes, eu resolvia a perlenga com a própria anta uniformizada; recentemente, decidi levar o caso aos chefes. No caso dos médicos, é sabido que estudam por décadas e cuidam de preservar seus pacientes, em nome da ciência e da ética médica, bem como da política de relações humanas (de que nos valeria um médico não humanitário, hem?). Constatei que os “esculápios” não sabiam que a sua linha de frente trabalhava contra seus princípios. Mas é bem provável que, em Goiânia, pelo menos 70% dos consultórios, clínicas e hospitais precisam conferir a atuação de seus recepcionistas.

No posto de gasolina do maior supermercado do Setor Oeste, um funcionário que, às 19 horas da última quarta-feira, 16 de maio, “respondia” em lugar do gerente, ridicularizou-me porque eu estranhei o abastecimento de 51 litros num tanque com capacidade para apenas 45. Ele disse que o Polo (VW) “recebia” até 65 litros. Argumentei com as informações do manual e com o fato de que uso o mesmo carro há dois anos.

Foi o bastante para que o moço, de vinte e poucos anos, começasse a “zuar”comigo, ante os risos da moça do caixa. Ele ironizava, questionava minha leitura do manual de fábrica, dizia saber mais do carro do que constava no tal manual. Sentindo-me constrangido com as provocações do jovem e os risinhos da moça, pedi para falar com o gerente. “Ele já foi embora; no momento, quem responde sou eu”, disse o cara, insinuando que só me restava chamar a polícia.

Preferi ir à loja, no piso superior, onde outro gerente-plantonista atendeu-me com a lisura que se espera do representante de um grande estabelecimento – afinal, é o maior empregador privado do país, o grupo agrega 170 mil colaboradores! Ele me informou que os empregados são treinados para atender bem, é claro! Para oferecer um atendimento “extra”.

Espero que aquele rapaz seja removido da área de atendimento; e que só venha a ser destaque quando mostrar condições para isso. Enquanto curtia com a minha cara e meus cabelos brancos, quando eu lhe disse que sabia ler e escrever e que até escrevia livros, ele me disse:

– Nem de livro eu gosto!

Justificou-se, pois, a má educação.  Que aquele moço seja removido para uma função em que nem ele nem a moça com quem se engraçava tenham contado com o público.

Mas a via-sacra ainda não se acabara: empenhado em alugar um apartamento, caí nos cuidados das imobiliárias. Tudo bem, não fosse o cinismo de alguns funcionários – ora recepcionistas, ora corretores ou encarregados de aluguéis. O pretenso inquilino, assim que é identificado como tal, é tratado sob sorrisos, mas com a desconfiança que se dá a suspeitos de delinquência. O que parece é que o dinheiro do aluguel não tem valor algum! Quando acontece a gentileza comercial, a burocracia causa inveja à morosidade famigerada do aparelho judiciário.

Mas a placa ISO 9002 está lá, solene, enfeitando a parede.


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sexta-feira, maio 11, 2012

A emoção de Adriana Accorsi


Foto: Eduardo Ferreira
Adriana Accorsi, Delegada-Geral de Polícia Civil: ela ligou para Antônio Gomes para saber se tinham almoçado...


A emoção da delegada


Tenho mais de 40 anos no ofício das letras, em literatura e jornalismo; se adicionar o tempo de leitura, são mais sessenta e poucos anos desde os primeiros gibis. Dia destes, um colega jovem, mas já desprovido da coberturas capilar, estranhou quando o chamei de Pinduca. Expliquei os meus favoritos nas revistas ilustradas da infância. É que as gerações pós-Disney não conheceram Hortelino Trocaletra, Os Sobrinhos do Capitão nem Gaguinho e Petúnia, nem Gato Félix...

Escrever não é apenas juntar letras, formar frases e dar sentido ao que se pretende comunicar – isso é redação técnica. Escrever, no conceito dos escritores, é acrescentar a isso aí a magia que contêm as ideias – Brasigóis Felício define bem essa coisa, esse tempero que alguns dentre nós chama de “molho”. Gosto da metáfora, pois se a leitura é o alimento da alma, nada mais belo que compreender que a alma, como a língua (não o idioma, mas o órgão da fala e do paladar) tem suas exigências.

Não se faz um escritor por títulos ou associações. Ter títulos ou associar-se a entidades do segmento é consequência, jamais a causa.

Neste ofício – e  ao dizer ofício remeto-me ao título de um livro póstumo de Jorge Luís Borges, “Esse ofício do verso”; indispensável a todos os que escrevem! –, familiarizamo-nos também com a filosofia. Não necessariamente com conceitos clássicos e conhecidos, ou adormecidos entre linhas e páginas de solenes compêndios postados em nossas estantes, mas a filosofia que desenvolvemos como plantas semeadas em nossas mentes e almas, que crescem por si, formam moitas e mesmo matas respeitáveis da qual colhemos ora folhas, ora flores, ora ramos com que ornamentamos nossos textos.

Acho que essa é uma das definições aplicáveis aos escritores. Sim, mas é indispensável também a liberdade do pensamento e a consequente liberdade de expressão. O texto literário vem, algumas vezes, de sonhos, e os sonhos têm asas fortes e ágeis.

Tem mais: o escritor não integra uma equipe; ele é o todo. Elabora o projeto, detalha peças e medidas, concebe a forma e as cores, monta e equipa, testa a solidez e aprecia o modelo pronto, antes de lançá-lo ao leitor. Faltou, em tudo o que eu disse acima, algo que bem caracteriza o citado “molho” ou a maravilhosa “mágica”: emoção.

Isso de escrever por semana deixa-me um tanto dispersivo. Na segunda, penso num tema, ou mais; na terça, novas escolhas, sem repetir as da véspera. Assim é a cada dia e na quinta sentencio-me: é hoje! E, algumas vezes, adio estes minutos da escrita para a manhã da sexta-feira, o dia-limite para que eu ocupe devidamente o espaço de domingo (é o que faço agora e em pouco o editor do DMRevista liga para cobrar-me).  E a cada semana imagino que seria de bom-tom um passo a passo nas emoções da semana.

Vale lembrar que, nas últimas dez semanas, nós, de Goiás, temos vivido momentos desagradáveis que envolvem nossos meios político e social. Como o escândalo das investigações da Policia Federal em torno de escutas telefônicas, os altíssimos índices de homicídios (a quase totalidade em função do tráfico de drogas) e ainda a fatalidade – como o acidente com o jovem cantor sertanejo e a queda do helicóptero da Policia Civil. Esta semana, e fugindo ao passo-a-passo, escapando também das notícias tristes, prefiro registrar coisas que nos fazem crer na grandeza do ser humano.

Refiro-me, primeiro, a entrevistas que fiz com dois grandes músicos – os maestros Alessandro Borgomanero, regente titular da Orquestra Filarmônica de Goiás, e Emmanuelle Baldini, “spala” da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo. Ambos italianos, velhos amigos e virtuosos em suas funções. Valeu a pena vê-los em destaque nas noites de terça e quarta-feira! (Borgomanero usou um violino de fabricação italiana, datado de 1688 – quase uma década antes que o primeiro bandeirante penetrasse este território onde hoje somos Goiás). Foram duas noites de emoções intensas, algo que nos dá a sensação de lustrar nossas almas!

Mas o momento alto, horas depois de divulgada a tragédia com o helicóptero da Polícia Civil de Goiás, foi ouvir a Diretora Geral da PC, delegada Adriana Accorsi, dizer que telefonara ao delegado Antônio Gomes (foi meu aluno no ginasial do Colégio Dom Abel, no setor Pedro Ludovico, de 1968 a 1970), querendo saber se tinham almoçado.

Semana que antecedeu o Dia das Mães. Não sei se Adriana Accorsi é mãe de filho carnal, mas aquela atitude, que ela narrou com naturalidade e a levou às lágrimas, foi o selo que, para mim, mostra uma profissional de árduas missões a demonstrar um carinho maternal para com os colegas de trabalho – no caso, seus subalternos, mas este é um detalhe temporal, apenas.

Sendo assim, mando daqui um beijo à Adriana. Receba-o representando as mães desta nossa terra, Sra. Delegada!


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domingo, maio 06, 2012

Mãe, segundo Clarice


Mãe, segundo Clarice


Dia das Mães, domingo que vem. Conheço muita gente que torce o nariz, repudia datas festivas – Natal inclusive – alegando tratar-se de uma data comercial etc.  Sim, claro! Todos sabemos que essas datas são comerciais. Como também o dia do aniversário da gente. E daí? Vamos festejar! E costumamos festejar com comidas e bebidas, com presenças e presentes. De minha parte, nada contra!

Alguns amigos torcem o nariz quando digo isso. Pergunto-lhes: quem consegue viver sem comércio? Compramos e vendemos de tudo, as relações humanas escoram-se fortemente no comércio desde que as sociedades se organizaram. E é o comércio o estimulador do desenvolvimento de praticamente tudo em nossas vidas, desde a escrita e as viagens – por terra e por mar –, até o desenvolvimento técnico  e tecnológico que marca fortemente a humanidade destes dias.

Só não vou comprar presentes no Dia das Mães porque não tenho a quem presentear. Mas meus filhos, sim. Essa data, que o comércio brasileiro tem no conceito de o segundo melhor momento de vendas, implica também – tal como todas as datas festivas – expressões de sentimento. E foi quase que sem querer, relendo a páginas salteadas de um livro (Aprendendo a Viver, de Clarice Lispector; presente de aniversário da Leda Selma, há alguns anos), achei coisas assim:

“...fui preparada para ser dada à luz de um modo tão bonito. Minha mãe já estava doente, e, por uma superstição bastante espalhada, acreditava-se que ter um filho curava uma mulher de uma doença. E sinto até hoje essa carga de culpa: fizeram-me para uma missão determinada e eu falhei”.  (Clarice Lispector).

Algumas linhas após, num texto certamente concebido noutra ocasião, noutro dia, mas com um sentir igualmente ligado à relação maternal, achei essa pérola – esse texto, vou copiá-lo inteiro. Vejam que coisa linda!:

“Houve um diálogo difícil. Aparentemente não quer dizer muito mas diz demais.

– Mãe, tire esse cabelo da testa.

– É um pouco de franja ainda.

– Mas você fica feia assim.

– Tenho o direito de ser feia.

– Não tem!

– Tenho!

– Eu disse que não tem!

E assim foi que se formou o clima de briga. O motivo não era fútil, era sério: uma pessoa, meu filho no caso, estava-me cortando a liberdade”.

Clarice considera um pouco mais o seu direito, a sua liberdade de querer ser feia, mas conclui de um modo sábio. Um modo mãe:

“...eu queria ser feia, isso representava meu direito total à liberdade. Ao mesmo tempo eu sabia que meu filho tinha os direitos dele: o de não ter uma mãe feia, por exemplo. Era o choque de duas pessoas reivindicando – o quê, afinal? Só Deus sabe,  e fiquemos por aqui mesmo”.

Essa é Clarice, a eterna. Um ser capaz de viver a plenitude humana – coisa que a poucos de nós atinge. E se quisermos ser ligeiramente sábios, não a invejemos: antes, aprendamos com Clarice Lispector – gente. E mãe.


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sexta-feira, maio 04, 2012

Escritores goianos são marginalizados em Pirenópolis


Flipiri – o autor na lateral
Na noite de quinta-feira, 3, deu-se a abertura da IV Flipiri – Festa Literária de Pirenópolis. O evento vem se realizando, pois, desde 2009, promovido por uma empresa de Brasília e,  embora conte com o apoio pleno da Prefeitura, os autores goianos vinham sendo discriminados: não foram convidados para a primeira festa; na segunda, incumbiram-me de formar um grupo para atuar no evento, e o fiz (nosso evento ficou isolado na programação, sendo o último item do programa, no mesmo horário em que se procedia à apoteótica sessão de encerramento, noutro local; na terceira, houve um convite para participarmos de um momento de autógrafos – sob o sol das onze horas, à sombra tórrida de uma tenda ao lado de onde se montou a livraria – exclusiva dos promotores, cobrando dos autores goianos uma comissão de 50%. E a participação em debates, como o que fizemos sobre a vida e obra de José J. Veiga, bem como de um sarau. Este ano...
Este ano o convite para a participação enfatizou apenas o evento das 11 horas de sábado, dia 5. O convite, na voz do secretário de Cultura do município, ao telefone, veio com o regozijo por terem conseguido patrocínio da Petrobrás. Na contracapa do folheto com a programação, constam ainda patrocínios de Governo de Goiás, por alguns de seus órgãos, bem como do BNDES e dos Correios. Mas não se fala em remuneração aos autores locais, nada de aquisição de livros... Ao que fui informado, livros adquiridos só mesmo os indicados pela promotora do evento – mas há rumores de que tais livros não chegam às escolas, ainda que adquiridos na proporção de um livro por aluno – e por titulo – porque a Prefeitura não os encaminha. E goianos não vendem livros lá. A não ser a venda de mão em mão.
Não se inserem goianos na “itinerância”, que é o ciclo de palestras nas escolas. Essa função é da exclusividade dos autores que integram o grupo da promotora, mas também estes são vilipendiados: seu cachê é da ordem de R$ 100,00 por palestra, o que rende a um autor, ao longo de seis dias, algo próximo de R$ 600,00 (pagos com atraso de meses). Mas autores de projeção nacional, estes são pagos na razão de R$ 2.000,00 e até mais por palestra! Goianos, não. (No ano passado, Elisa Lucinda foi gratificada com R$ 10 mil por apenas uma palestra e exigiu que só daria um autógrafo por pessoa, para não estender o tempo de permanência previsto em contrato).
Por essas razões, embora meu nome já constasse da programação, ao lado de outros escritores goianos, sem mesmo termos sido consultados antecipadamente, respondi que não compareceria. Mas, à última hora, fui designado pelo acadêmico Getúlio Targino Lima, presidente da Academia Goiana de Letras, para representá-lo e a entidade no evento de abertura. Fui.
Fui, mas não participei. Retirei-me do recinto da solenidade nos primeiros minutos. Um jovem bem apessoado, muito bem vestido, desconhecido e desprovido de condições mínimas para a função, fazia o cerimonial. E tentou pronunciar “Pirenópolis”, só o conseguindo na terceira arrancada. Depois, referiu-se ao vigário católico como “parôco” (pároco). E, ao anunciar o representante da Academia Goiana de Letras, acertou apenas no nome da entidade: definiu que a primeira  partícula do e-mail de Getúlio Targino era o nome do presidente da AGL e que seu representante seria o próprio.
Dirigi-me ao prefeito, reclamando da confusão que o apresentador fazia. Ao lado do alcaide estava a moça promotora do evento. Ouvi de Nivaldo Mello que “ele não é daqui, não sabe nada de nós”, mas isso não satisfazia: o moço é, no mínimo, um analfabeto funcional – mas ganha a vida como se profissional fosse.
Aos autores, nada!
Retirei-me, sob as tentativas de José Mendonça Teles e Aidenor Aires para que não o fizesse. Recusei-me a legitimar aquela pantomima. Se o moço é despreparado, a culpa cabe a quem o contratou. E não foi a primeira vez que, lá mesmo em Pirenópolis, ouvi apresentador chamando padre de “parôco” e complicando-se ao ler nomes próprios.
Finalizando, reproduzo a seguir trechos da fala da ministra Ana de Holanda no Senado da República, há poucos dias, sobre o tratamento que se dá aos autores no Brasil:
“Eu fico assustada quando vejo uma campanha pelo retrocesso em relação a essas conquistas. Essas campanhas sempre partiram dos grandes grupos econômicos, como agora também, em que estão fazendo uma campanha. Não, não! O autor... O autor não vive de vento; o autor vive do seu trabalho; ele escolheu essa profissão; estudou para isso; ele vive do seu trabalho. Quer dizer, podemos pensar, sim, temos que pensar no consumidor. E o autor não faz nada para pôr na gaveta, é claro. O criador faz para mostrar, para apresentar, para entregar ao público. Então, é fundamental que ele tenha acesso, seja pelos meios de comunicação tradicionais, seja pela Internet, seja pelos meios digitais mais modernos, mas ele tem que viver do seu direito autoral”, ressaltou.
“Muitas vezes me acusam de ser uma pessoa presa ao passado. Não, não sou presa ao passado. Eu sou presa aos direitos conquistados com muita dificuldade, ao direito à dignidade, às conquistas e direitos sociais, trabalhistas e humanos que existem” (Ana de Holanda, ministra da Cultura).
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