A moça do trem
Era um bar na esquina, na mesma quadra da Igreja. Perto do
hospital, o Carlos Chagas, e não muito distante da delegacia que, na época,
seria o vigésimo depê. Ou seria vigésimo segundo? Não, não... Vigésimo
quinto... Não interessa; melhor era saber da Igreja e do hospital: a missa das
sete da noite era pródiga de belas moças adolescentes em meio às mais velhas,
casadoiras. E o hospital... Bem, nunca se sabe. Mas polícia e cadeia − disso
queríamos distância mesmo.
Houve, de nossa parte, um certo atrevimento: nenhum de nós
atingira, ainda, os 18 anos. Na verdade dois tinham 16; e o outro, 15 anos. Mas
tínhamos de cumprir aquele desafio: era a primeira vez que pedíamos uma
cerveja. “Uma brama e quatro copos. Casco escuro”. Sim, porque as garrafas em
tom de verde eram os cascos claros; preferíamos as de cor marrom. Preferíamos
nada: tomaríamos da que viesse, mas Paulo Fernando sempre se empertigava para
demonstrar “adultice”.
Esqueci de dizer: éramos eu e três que se chamavam Paulo. Ou
três e eu. Luiz. Com Z, bem brasileiro. Aliás, já se disse que, no Brasil, o
nome assim, desrespeitando a raiz etimológica, tem de ser dito como se “com zê”
fosse sobrenome:
− Luiz Com Zê, porque sou espada.
Achei a cerveja muito amarga. Desse dia em diante, eu deixaria a
bebida se esquentar no copo; pareceria menos amarga. Mas isso durou pouco:
logo, logo eu aprenderia a beber cerveja. E nessa noite, como em muitas outras,
a cerveja seria precedida de batidas. Paulo Fernando e Paulo Roberto − os dois
de dezesseis anos − tomavam batida de limão; Paulo César e eu, de maracujá .
Depois, a cerveja:
− Brama. Casco escuro. E bem gelada − ordenava o Paulo Fernando,
com ares de líder.
Foi nessa noite, a da primeira cerveja, que lhes contei, entre
feliz e apreensivo, a viagem de volta, na tarde do mesmo dia. Por ter havido
prova, e era final de semestre, separamo-nos no meio da tarde. Alguém fora ao
Centro comprar algo; outro, à Tijuca para uma visita e o terceiro, ficara no
colégio a esperar alguém. Tomei a General Canabarro, rumo à estação de São
Cristóvão; de lá, preferi ir à Central do Brasil e pegar um trem “direto”, quer
dizer, dos que só paravam em determinadas estação − Engenho de Dentro,
Cascadura, Madureira e, daí a Deodoro, nas três intermediárias: Osvaldo Cruz,
Bento Ribeito, Marechal Hermes.
Trem atrasado e, por isso, cheio. À minha frente, no último
vagão, achegou-se uma belíssima morena. Devia ter 18 ou 19 anos, vestia um
justíssimo vestido vermelho. Decote generoso, seios arfantes, coxas duras,
lábios densos e rubros como morangos maduros. Lembrava um sorvete, tamanha era
a vontade de lambê-los. Os Paulos ouviam entre duvidosos e gozadores, e,
pareceu-me, somente Paulo César levava-me a sério desde o início.
O que aconteceu foi algo de maravilhoso. Eu era um garoto de 15
anos, virgem e sem saber que aquela angústia toda tinha um nome: testosterona.
E a moça de vermelho estava ali, bem colada a mim, frente a frente. Vagão
superlotado, o porta-livros entre nós e aquela respiração, aquele hálito que me
lembrava rosas, cereja, perfumes caros... mesmo que a moça tivesse mau-hálito,
era assim que eu a tinha: uma deusa! E sacudíamos juntos, grudados, desde a
Central até Madureira. Aí, o trem ficou vazio.
Imagine-se o meu espanto: até os bancos de madeira,
disputadíssimos, ofereciam espaço. E nós ali, frente, excitadíssimos... Eu
devia estar muito corado, suava em bicas, não sabia como esconder o volume
incômodo − mas a moça não se afastava:
− Fique tranqüilo, garotão, não vou deixar você em apuros.
E continuou colada a mim, protegendo-me, ocultando o que me
causaria vergonha ou constrangimento... Mas, ao mesmo tempo, impedindo que o
mal-estar tivesse um fim.
Foi então que não mais me contive, e antes que o trem parasse em
Osvaldo Cruz um vulcão em mim cumpriria seu desígnio. A moça sentiu e sorriu,
cúmplice e feliz.
− Moro em Bento Ribeigo. Desce lá comigo e vamos à minha casa...
Não desci. Confesso: tive medo. Foi tomado de um pavor
inexplicável, não conseguia imaginar o que aquela moça, tão bonita e elegante,
vira num moleque de quarta série ginasial, estudante pobre e feio.
Paulo Roberto ria; Paulo César, solidário, censurou-me aí:
− Rapaz, eu teria ido! Claro que ela te queria na cama, cara!
Mas eu me recusava a entender assim: a moça devia ter uma
família, sei lá.
− Se tivesse, ela não teria te chamado.
E Paulo Fernando, debochado e provocador, traduziu o meu
espanto:
− Fez bem em não ir, rapaz. Grana tu não tem mesmo, então não
era assalto; você já tinha resolvido o teu lado, tudo bem. Vá lá que ela
quisesse resolver o dela. Mas e se, em lugar disso, ela te levasse para o
gigolô dela te traçar, hem?
− Poxa! Pensando bem... foi melhor assim.
E fim de papo. Pelo menos com os amigos, sobre esse tema. Daí
por diante, os hormônios em conflito sugeririam muitas lembranças e imagens
imaginadas com a moça do trem. Claro que sem o vestido.