Em 1999, era eu editor do semanário Gazeta de Goiás. Nessa condição, entrevistei o eterno governador Mauro Borges - essa peça jornalística está também no meu livro "Deu no Jornal", publicado em 2000. Transcrevo-a para que meus amigos leitores conheçam um pouco desse grande estadista que organizou o sistema administrativo de Goiás, enfrentou os militares em 1961 quando da Campanha da Legalidade e, em 1964, foi deposto pelo primeiro presidente do regime militar. Em 2002, tive o privilégio de trabalhar com ele, coordenando o processo editorial de seu livro Tempos Idos e Vividos - Minhas Experiências (memórias). (Luiz de Aquino)
Entrevista com Mauro Borges
(26/09/1999)
Como era, para um garoto em
1930, ser filho de um governador em Goiás? Como era sua vida no começo da
Intervenção Federal?
Eu estou escrevendo um livro de
memórias, e a primeira parte dele é justamente a minha infância em Rio Verde.
Nem todas as crianças tiveram uma infância marcante, que influenciou tanto a
sua personalidade, como foi o meu caso em Rio Verde. Rio Verde era uma cidade
com aspecto muito interessante na época, era uma cidade pioneira, com uma
frente de desenvolvimento... uma cidade mais ou menos faroeste, com uma vida
bem parecida com a daquelas cidades do Velho Oeste americano: uma cidade de
gente armada. As brigas eram sempre muito sérias. Meu pai era médico e sempre
me chamava: "Mauro, vamos visitar os meus doentes, venha comigo". Tínhamos
um fordinho-de-bigode e íamos ver os doentes dele. Lembro-me uma vez em que
visitamos seis casas. Em quatro delas, os doentes eram feridos à bala. Pode ter
sido uma coincidência, mas era sempre assim. Realmente, era um povo muito
valente, muito independente. E, você sabe, a questão do meu pai (Pedro Ludovico Teixeira, interventor
federal em Goiás de 1930 a 1945, período em que construiu Goiânia para ser a
capital de Goiás), do meu avô Antônio Borges e do Ricardo Campos. Eles é que
levantaram a bandeira do Sudoeste Goiano contra o governador de então, que era
chefiado pelo senador Antônio Ramos Caiado. Essa ação começou com um jornal
chamado Sudoeste. Não era mais uma
questão, digamos assim, de caiadismo, não. Isso era uma coisa geral no Brasil.
Era uma época de influência dos grandes líderes locais, a que o pessoal se
habituara a chamar de coronelismo. Mas isso não era só em Goiás, era no Brasil
todo, era uma coisa da época, tanto assim que a Revolução de 30 foi em :grande
parte para mudar isso. As mulheres não votavam, imaginem! Elas não tinham o direito
de votar, e aquele tempo está tão próximo, não é?. É um absurdo. Mas isso, eu quero frisar para não parecer que
seja rastro de má-vontade com os Caiados, com o caiadismo, isso era uma coisa
generalizada no Brasil todo e Goiás não era exceção. Havia isso, uma política
brava, com aspectos gerais de prepotência em todo o País. Por isso havia muito
uso da força, da pressão política etc. Bem, nós reagimos: meu pai reagia, meu
avô, os amigos dele. Quando de eleição, apesar de proibido, todo mundo ia
armado, com carabina a tiracolo, revólver na cintura aparecendo... era regime
de luta ostensiva. Interessante é que isso acabava atingindo as crianças
também. A luta política se passava com os adultos e os meninos herdavam e
mantinham a mesma atitude. Eram grupos de crianças brigando umas com as
outras... Então, eu vejo um passado muito interessante. Meu pai caçava quase
todo fim de semana, tinha canil, cachorros presos em quantidade, e ele ia caçar
de caminhão, com aquela cachorrada, essa coisa toda. Era um ambiente, sob
certos aspectos, medieval. Essas grandes caçadas não existem mais. E nós
fazíamos parte daquilo tudo, aprendíamos a atirar muito cedo. Eu, com oito anos
de idade, ganhei de meu pai uma espingarda de nove milímetros. Portanto, era um
ambiente de faroeste, na verdade. Todo mundo era lutador, todo mundo era
valente, e essa criação me atingiu, é claro. Assumi tudo aquilo que as outras
crianças também assumiam, mesmo quem não tivesse vocação para a coragem acabava
tendo muita coragem. A infância em Rio Verde me marcou, porque quem não era
valente não se estabelecia. Qualquer líder político tinha que lutar. Tínhamos
brigas grandes, os nossos pais lutavam lá por cima e nós, os meninos, aqui em
baixo, um grupo contra o outro, etc. O que realmente acontecia é que nós
ficamos aguerridos, essa é a expressão exata. Todos sabiam atirar, andavam
armados, todo mundo de canivete, faquinha na cintura (risos)... Era muito
interessante. Eu tive influência disso tudo, inclusive até para a escolha da
minha profissão de militar.
Como se deu a opção pela carreira militar?
Eu decidi ser militar em
parte porque a Coluna Prestes passou por lá. Eu a chamo de Coluna de Miguel
Costa, ou de Luís Carlos Prestes. O Luís Carlos Prestes naquela época não tinha
nada de comunista, o comunismo, para ele, veio depois de 1930. Bem, fomos
preparados psicologicamente para o futuro, para outras lutas que vieram. Para
nós, essas lutas não eram novidade porque assistíamos isso desde criança. Elas
influenciaram muito nas decisões graves que eu tive de tomar durante o curso da
minha vida. Tudo isso não foi mais do que reviver os tempos de infância. Certa
vez, vi minha mãe na porta de casa e um tenente com o pelotão, um tenente da
polícia, bêbado, com um revólver na mão, dizendo que ia matar meu pai. Ele
dizia: "A senhora pode se considerar viúva, eu vou matar o seu marido”. Eu
era menino de nove anos e via aquilo tudo, ficava escutando, porque o pensamento
que vinha na minha cabeça não era o de chorar nem de pedir pelo amor de Deus.
Pensava: "Como é que eu vou fazer para impedi-lo, aonde é que eu vou, com
minha espingarda, para dar um tiro no tenente?” Esses pensamentos nunca eram de
entrega, de concessão, mas que vinham às nossas cabeças de crianças como providências
de luta armada que nós íamos fazer, e isso marcou muito o futuro da gente, de
todos nós. Era um ambiente geral de luta. Quem não tinha capacidade para lutar
não se estabelecia politicamente.
Então o Sr. se dispôs desde de garoto a ser militar?
Eu dizia assim: "Vou ser
militar ou caubói (risos). Mas uma
coisa interessante é que a Coluna Prestes passou próximo de Rio Verde duas
vezes, e numa delas entrou um grande amigo, Atanagildo França, uma espécie de
irmão de meu pai, tão grande era a amizade entre eles. A coluna Prestes era
dividida em vários destacamentos, e no primeiro dia em que ele entrou em
combate, quando houve um ataque na fazenda Zeca Lopes, pertinho de Jataí, o
primeiro brinde que recebeu foi um tiro de fuzil no peito que transfixou-lhe o
corpo. Ele estava muito mal quando Siqueira Campos se aproximou e disse:
"Que falta de sorte a sua, logo no primeiro combate, você sofre um
ferimento tão grave. Você não vai poder acompanhar a coluna, vai ter que ficar."
Atanagildo respondeu que não ficaria: "Eu vou de qualquer forma, nem que
seja para morrer em cima de um cavalo". E foi. Daí a uns vinte dias, ele
estava bonzinho já, já lutando. Não havia penicilina, não havia antibiótico
naquele tempo. Aquela era uma época diferente, de muito idealismo e coragem.
Atanagildo merecia ser mais lembrado em nosso Estado pela sua participação nas
1utas, que eram lutas, na verdade, de fundo político. Quais eram os objetivos
da Coluna Prestes? Eram justamente melhorar as condições políticas, de
representatividade, por eleições mais livres, pelo voto secreto. Não havia voto
secreto naquela época. Imagine um sujeito pobre, desvalido, lutar abertamente
contra os poderosos. Como é que ele ia sobreviver das perseguições? O voto secreto
era de absoluta necessidade, assim como o voto feminino. Então a coluna lutava
pela melhoria das condições políticas, por maior eficiência contra a corrupção.
Corrupção já existia naqueles tempos.
Mesmo sendo militar, o Sr.
acabou desempenhando algumas funções fora da caserna; na Estrada de Ferro, por
exemplo. Depois elegeu-se deputado e, mais tarde, governador... Qual era a sua
arma?
Infantaria. O que acontece é que
fui para o Exército com uma vocação muito grande, quase compulsiva. Eu gostava
da vida militar, sempre gostei, gostava muito do Exército. Fui até o posto de
capitão absolutamente dentro das atividades militares, depois fiz curso de
Estado Maior. Estado-Maior era o curso de maior importância no Exército, era
uma espécie de PhD, e nós éramos os oficiais mais jovens, eu e o coronel
Petrônio, que era meu companheiro de estudos. Depois é que eu realmente comecei
a mudar um pouco e fui ser diretor da Estrada de Ferro Goiás. Meu pai, que já
havia estado no governo, foi eleito nas eleições de 1950. Em 1951, ele tomou posse,
a mesma coisa que aconteceu com o presidente Vargas. Eu já tinha feito o Curso
de Estado-Maior. O País estava em calma, não havia guerra, e, como eu tinha
feito um curso de terceirização de transporte ferroviário, achei bom que pudesse
ir para Estrada de Ferro de Goiás. O nome que era “de Goiás”, mas ela era uma
estrada de ferro federal. Aí eu poderia dar uma contribuição para o
desenvolvimento do meu Estado, e foi o que fiz, e realizei um trabalho grande
Acabei mudando a sede da estrada de Araguari para Goiânia. Foi uma luta muito
grande, e realmente merece um livro bonito. O pessoal de Araguari reagiu, assim
como a política mineira, de todo o Triângulo Mineiro. Eu prestigiava a cidade
de Araguari e não iria mexer com os funcionários, mas transferir apenas os
necessários. Não ia tirar de lá as oficinas, instalações grandes, não ia querer
trazer para Goiânia tudo aquilo, mas só a gerência, a administração. Porque
realmente a estrada tinha o nome de Goiás mas servia muito pouco para Goiás,
era uma estrada atrasada e os interesses maiores ficavam ali mesmo em Araguari
e não no Estado de Goiás. Trabalhei três anos na ferrovia, conheci muita gente
na área. Entusiasmei-me com a missão, a estrada era muito necessária, naquela
época não existiam essas grandes rodovias asfaltadas, esses grandes caminhões,
tudo dependia da ferrovia e a ferrovia não estava preparada para isso. Eu fiz
outra estrada, praticamente, porque eu desenvolvi um trabalho muito intenso,
quase que dobrei sua capacidade de carga. Essa é uma história interessante: eu
arranjei um camarada aposentado, o Sr. Garcia, da Sorocabana. Ele era um velho
ferroviário, ficou sendo meu professor, porque eu não tinha experiência de
ferroviário. Quando precisamos de alguma coisa, e não tínhamos dinheiro para
comprar, por que tudo era caríssimo, ele sugeriu: "Pede ao diretor da
Sorocabana., eles têm inúmeras locomotivas encostadas. Quando elas começam a
ficar velhas, eles arranjam outras". Aí eu pedi e ganhei tudo emprestado,
equipamentos que nunca mais voltavam (risos):
trem noturno para passageiros, uns vagões especiais... São muito interessantes
essas passagens. Mas eu ia à luta, corri muito risco nessa ocasião, o pessoal (de Araguari) não se conformava de perder
a sede.
Isso foi na primeira metade dos
anos 50...
Isso foi em 1951. Fiquei uns
tempos e, depois, quando o Getúlio se suicidou, em agosto de 1954, eu pedi
minha exoneração e voltei ao Exército, fui servir no Rio Grande do Sul.
Sua esposa, Dona Lourdes, era gaúcha. Quando o Sr. se casou?
Logo que eu sai da academia
militar, que naquele tempo se chamava Escola Militar do Realengo. Eu me casei
com 24 anos e ela, 16.
(No dia 15 de fervereiro de 2000, Mauro Borges completou 80 anos de
vida. O jornalista Nilson Gomes, do Diário da Manhã, entrevistou-o rapidamente,
enquanto amigos lhe ofereciam uma serenata: Qual foi o cargo mais importante
que o Sr. ocupou?, perguntou-lhe Nilson. O ex-governador respondeu sem vacilar:
“O de marido de Lourdes”).
Como o Sr. conheceu Dona Lourdes?
Santa Maria é um grande centro
estudantil, tinha muitos colégios e é uma cidade central do Rio Grande do Sul,
que é estado de fronteira com o Uruguai e a Argentina. Fui servir lá no 7º
Regimento de Infantaria, foi quando a conheci e logo me apaixonei (risos).
Ela era de São Borja?
Ela era de uma cidade vizinha de
São Borja. Os parentes dela tinham uma fazenda, nas cabeceiras do Rio Itu, é o
rio que corta o Uruguai e a fazenda do presidente Vargas, da família Vargas.
Chamava fazenda do Itu, era o mesmo rio. Ela tinha um parentesco, um pouco
distante, com Getúlio, que se chamava Getúlio Dorneles Vargas, e ela, Maria de
Lurdes Dorneles Estivalet. Pois é, ela era parente do Getúlio, o presidente.
Mas eu não vou te falar mais não, senão você vai furar meu livro (risos).
O Sr. chegou a servir com o presidente Getúlio?
Sim, eu tinha servido dois anos
em Foz do Iguaçu, que era uma guarnição especial de fronteira, lugar de sertão,
não tinha luz não tinha nada. Depois de dois anos na guarnição especial de
Fronteira, tive o direito de escolher o lugar onde servir. Escolhi Petrópolis,
que tem um clima muito bom, é perto do Rio de Janeiro... E foi justamente logo
depois que eu me casei. Eu fui dar guarda lá no palácio e me apresentei ao
Presidente. Ele tinha a guarda pessoal, mas nós éramos a guarda do Exército,
mais armada, em maior número, por que já tinha havido um incidente grave, eles
tentaram matá-lo, naquele Palácio (Palácio
da Guanabara) perto da Rua Paissandu, no Rio. Havia realmente uma
necessidade da guarda para atingir toda a área do palácio. Eu fui me apresentar
a ele, como é da praxe militar: o presidente precisa conhecer o comandante.
Ele passava temporadas em Petrópolis, ou só fins de semana?
Passava mais de três meses.
Quando começava a esquentar no Rio, ele ia para Petrópolis. Algumas vezes
voltava em março, mas de outras, só saia na véspera do Dia do Trabalho (primeiro de maio). Essa tradição de
Petrópolis não era dele só, vinha desde os imperadores D. Pedro I e D. Pedro
II. Por isso, já havia o palácio (Palácio
Rio Negro) lá. E, realmente, Petrópolis é um lugar muito agradável. Moramos
dois anos lá, o meu primeiro filho, Mauro Jr., começou a engatinhar lá em
Petrópolis.
São quantos filhos? E netos?
Eram cinco, agora são quatro,
faleceu o Pedro. Tivemos quatro homens e uma mulher. E já tenho 11 netos.
Como foi a sua decisão de entrar para a vida política propriamente
dita?
A vida política preliminar foi
quando do meu tempo na Estrada de Ferro Goiás, quando deixei a função militar.
Foi a primeira incursão fora do Exército, mas havia já um período de lutas
muito intensas aqui em Goiás, desde quando o Jerônimo Coimbra Bueno (candidato da UDN, União Democrática
Nacional) foi eleito – o PSD (Partido
Social Democrático) perdeu a eleição eu não me lembro se foi o Juca (José Ludovico de Almeida) o candidato,
mas ganhou o Coimbra; havia muita violência na época, foi assassinado o capitão
Getulino (Artiaga), eu fiquei muito
preocupado com a segurança do meu pai. E havia a criação de Brasília, aquele
movimento... Eu tinha vontade de participar. Ali eu fui fazer parte da comissão
da Novacap, o chefe era o Israel Pinheiro. Eu tinha uma atividade fiscalizadora
e podia prestar bem este serviço, não só para Goiás mas para o país. Eu me
entusiasmei muito com isso e fiz um bom trabalho, também no sentido da
transferência da capital, no sentido da escolha do local lá em Brasília, etc.
Aí eu tomei gosto pela política e resolvi, depois, ser candidato a deputado federal.
Tive bastante sucesso, fui o mais votado (1958).
A Câmara então era no Rio de Janeiro, ficamos um ano lá e depois fomos
inaugurar o Congresso Nacional em Brasília (21
de abril de 1960).
E em 1960, o Sr. foi candidato
a governador.
Aí eu vi que teria chance de
disputar o governo do Estado. Meu pai era um homem de muito prestígio, o PSD
era um partido forte e o problema era justamente ser o candidato do PSD. O meu
competidor era um homem que tinha bastante prestígio (Juca Ludovico), já havia trabalhado com meu pai antes, já havia
sido governador. Não foi muito fácil, mas eu era bem mais jovem, tinha mais
fôlego e, ao final das contas, fui eleito bem. Aí, pus em prática os
conhecimentos do Estado-Maior. O fato é que eu aprendi a planejar. Eu fiz a
campanha simultaneamente com a preparação do planejamento: "Se eu ganhar, o
que é que eu vou fazer?" E comecei a pedir a colaboração do povo, de me
dar por escrito as necessidades, e isso me ajudou muito. O povo ficava
entusiasmado em participar do plano e isso ajudou demais a ganhar a eleição.
O Sr. foi o idealizador, no Brasil, das Secretarias de Planejamento.
Fui. Quando cheguei ao governo,
fiz a primeira secretaria de planejamento do Brasil. Não só fiz o plano, como
trouxe uma turma inteirinha da Escola Brasileira de Administração Pública, da
Fundação Getúlio Vargas, para me ajudar, porque eu desenvolvi uma ação
administrativa muito ampla. Tive que trazer muita gente de fora porque, naquela
época; havia uma certa dificuldade... Não havia as universidades de hoje, não
havia preparação para arranjar gente de nível elevado. Não era muito fácil,
porque não havia escolas superiores, era só curso de Direito. Era necessário,
mas não era suficiente. Havia também o déficit de dinheiro, porque eu arranjei
muita gente de fora; falta de material humano com alta qualificação, havia
falta de gente... E fiz o plano. E plano é plano, está sujeito a modificações.
Muitas vezes, esses órgãos que criei, mais de vinte órgãos específicos, eram de
tal importância que a estrutura do estado não era adaptada, preparada para
executar esse volume enorme de ações no campo da educação, dos transportes, da
infra-estrutura, das coisas essenciais e do desenvolvimento. O Estado não tinha
condições, então eu tive que trazer muita gente, veio essa turma da Escola
Brasileira de Administração. Quer dizer, eu fiz uma renovação, nós demos uma
sacudida de terremoto em Goiás.
Alguns ficaram. O Sr. lembra de alguém especificamente?
Muitos ficaram. Sim, lembro, mas
eu posso esquecer, eu não quero citar nomes. Alguém pode dizer a você: "Não lembrou que eu fiquei
também?"... é complicado (risos).
E não se pode furar seu livro.
Mas o fato é que... só para falar
no campo da educação, nós tivemos que fazer três centros de treinamento de
professores, porque uma grande parcela dos professores eram semi-alfabetizados,
eu não sei se eram semi-analfabetos; tem aquela coisa.
Era Catalão, Morrinhos...
É, era Catalão, Inhumas e lá na
ponta do bico do papagaio, lá naquela virada, eu esqueci o nome (Tocantinópolis, hoje no Estado de
Tocantins). Eram três grandes obras, obras enormes, chamava todas as
professoras, elas tinham um entusiasmo enorme, que emocionava a gente porque
elas não tinham chance, eu tive que trazer professores de Minas Gerais para
poder ajudar esse volume enorme de estagiários, para melhorar as condições.
Então eu tinha que trazer muita gente de fora, era um problema imenso no campo
educacional, gente muito boa, que não faz rodeios, me ajudou muito naquela
época, muita gente... eu não quero citar nomes que a gente esquece... o
Consórcio Rodoviário
Intermunicipal, o Crisa, esse
negócio que eu fiz foi o primeiro que existiu no Brasil, depois a quantidade de
Estados aí que nos copiou exatamente porque foi uma solução para melhor... e a
Esefego (Escola Superior de Educação
Física de Goiás), que hoje é uma faculdade de Educação Física e
Fisioterapia, nós fizemos uma quantidade de coisas enormes, como a Efomargo (Escola de Formação de Operadores de
Máquinas Agrícolas e Rodoviárias), começaram a agir com propósitos
políticos, o pessoal estava atrás de uma vaga política e acabou que a escola se
desmoronou, uma escola formidável! Goiás é um estado que se desenvolveu muito
rapidamente, a agricultura e não tinha gente para operar os tratores modernos,
eu criei uma escola para isso, a escola de tempo integral você ia lá em regime militar,
todo mundo de uniforme, de macacão para trabalhar, disciplina forte. Eles, os
fazendeiros, acabavam procurando os alunos da Efomargo para trabalhar nas fazendas.
Desses órgãos, qual o que se pode chamar de a menina dos seus olhos?
O Consórcio, o Crisa (Consórcio Rodoviário Intermunicipal S. A.,
que, com a reforma administrativa promovida pelo governo de Marconi Perillo em
1999, passou a integrar a Agência Goiana de Obras Públicas). Quando eu fui
convidado para participar da inauguração (do
espaço cultural com o nome de dona Lourdes Estivalet) eu fiquei muito
honrado e todos... Quer dizer, não tinha nada, era só uma secretaria. Só no
campo da agricultura, eu criei a Caesgo (Companhia
Agrícola do Estado de Goiás), a
Casego (Companhia de Armazéns e Silos do
Estado de Goiás), a Efomargo – uma porção de órgãos. A Caesgo é essencial
para guardar os cereais. Onde ó que se ia pôr os cereais? Tinha que botar no
asfalto, cobriam com lona a produção em cima das ruas asfaltadas... E por aí
foi um sem-número de coisas. No setor de saúde, eu tive que organizar a Osego (Organização de Saúde do Estado de Goiás),
a Iquego (Indústria Química do Estado de
Goiás)... não adiantava dar a receita sem dar o remédio, o pessoal era
pobre, então foi criada uma alternativa para dar o remédio para o pobre e por
aí foi. Eu criei sabe quantos órgãos, desses que terminam em GO? Iquego, Metago
(Metais de Goiás S. A.)... ela
descobriu o fosfato de óxido de Catalão, a maior jazida de amianto do mundo,
que é em Minaçu, e tantas descobertas que nós fizemos. Então, esses órgãos que
eu criei foram marcantes nas suas necessidades e por aí foi. Então, realmente
foi um governo... parece que eu tinha a intuição de que, não ia demorar muito,
eu ia ter choques, dificuldades. Eu entrei em choque com a revolução (de l964) e saí, perdi os direitos por
14 anos e, então, eu tinha que trabalhar depressa, ali parece que eu tinha uma
intuição... Como eu dizia, eu entrei rachando, com toda força, para fazer o
plano e depois executar o plano com rapidez, com quatro anos de governo. O
Consórcio tinha que fazer 2.000 km por ano de estradas intermunicipais, eu já
tinha mais de 10.000 em quatro anos. Quer dizer, eu atingi as metas um ano
antes do prazo.
A sua posição diante da
crise da renúncia do Jânio Quadros pode ter influenciado na indisposição dos
comandantes militares de 1964?
Ah, sim, sem dúvida nenhuma!
Aquele golpe que foi dado na revolução, em 1964, era para ter sido feito
naquela época. Mas acontece que a reação de (Leonel)
Brizola e a minha atrapalharam a mudança e ela não pôde ser deflagrada de um
modo concreto. Mais foi... Digamos assim, ela estourou em 64.
Gostaria de saber a opinião do Sr. sobre algumas pessoas. Leonel
Brizola?
Brizola é um homem de
grande coragem pessoal, inteligente. Mas eu acho que ele sai um pouco fora dos
limites da audácia, da coragem, e passa a ser temerário. Há uma diferença entre
valente, bravo e o que faz coisas dentro de uma viabilidade, mas há aqueles que
passam além disso e, sem medir as conseqüências, pode causar um desastre. É um
temerário. Vai mais além da coragem.
Juscelino Kubitschek?
Era um homem extraordinário! Ele
e o presidente (Getúlio) Vargas foram
os maiores presidentes que o Brasil teve.
O professor Gomes Filho
costumava dizer que se Pedro Ludovico não tivesse construído Goiânia, Juscelino
não construiria Brasília.
Ah, é verdade. Sem dúvida,
Goiânia foi essencial para construir Brasília.
Miguel Arraes?
Eu o acho um homem até
complicado... não posso fazer um juízo dele, é difícil interpretá-lo.
Jânio Quadros?
Muito inteligente, muito dinâmico
e capaz, mas também com um certo desequilíbrio entre a realidade e o sonho.
Como nós podemos interpretar aquela renúncia atualmente?
Eu diria que ele teve uma sede de
poder total. Ele tentou uma forma (de golpe),
sem preparo suficiente, e deu nisso: ele renunciou mesmo, mas a intenção era
ter mais poder para continuar melhor.
Pedro Ludovico – o homem, o
político.
Bom, tenho muitos trabalhos
parecidos com os de meu pai. Eu acho que ele era um homem idealista, puro e de
grande cultura filosófica; corajoso, de uma coragem pessoal muito grande. Era
um homem de conhecimentos muito amplos, havia jornalistas que iam entrevistá-lo
e estranhavam, porque ele tinha uma fama de homem valente e em tudo parecia um coronelão daqueles tempos, mas não era.
Era leitor de Espinosa (ele lia muito filosofia), de história antiga... Ele
sabia tudo de Roma, de Esparta, de Atenas, do Egito; tinha grande conhecimento
histórico e, sobretudo, era um grande pai.
Esses ingredientes – coragem,
cultura, equilíbrio – faltam aos políticos atuais? Quem é o político de hoje
que reuniria esses predicados?
São homens realmente marcantes,
com coragem; esses homens têm que correr risco, não podem ser tímidos. Risco de
não acertar bem, risco de morrer... Risco de uma porção de coisas.
O Sr. acha que a era dos estadistas acabou?
Acabou não, mas ele (o tempo)
sofre hiatos. O presidente da República (Fernando
Henrique Cardoso) é um homem intelectual, mas não ó um líder carismático;
ele não tem carisma, não tem a energia dos grandes construtores, como era o
caso do Juscelino; era o caso do meu pai, Pedro Luduvico; como era o Getúlio. E
ele é um grande intelectual, digamos assim.
Quem é bom político em Goiás?
Eu acho que tem muitos políticos
competentes, inteligentes. Eu acho que o Marconi (Perillo), pelos contatos que tenho mantido com ele, acho que é um
homem extraordinariamente bem dotado de inteligência e capacidade de direção,
quer dizer, ele pode não ter tido uma formação de chefia, estudos especiais.
Mas ele tem uma grande vocação de chefia, ele já tem aquelas qualidades inatas,
ele sabe dirigir, sabe comandar, é enérgico e inteligente. Ele é
impressionante; pela idade, ele é fora de série. Eu acho que vai fazer um bom
governo para Goiás.
8 comentários:
Homem inteligente e espontâneo. Curioso como a pessoa entende estar fazendo o melhor, sob todos os aspectos. Imodéstia não lhe falta. É certo ter inúmeros detratores, que julgam seus feitos por um outro prisma. Você conseguiu algumas confissões interessantes, Luiz. Feliz resgate. Quando alguma capacidade rara se vai, todos lamentam. De que ele faleceu? Quando a uma penitência é grande, a família sente alívio, embora não exponha isso.
Ótimo documento histórico, recupera a importância de um governador visionário, que sonhou com um Goiás muito maior. Sonhou e fez um estado moderno, vencendo as oligarquias que, sem sua ação, seria muito menor.
Amigo Escritor Luiz de Aquino...
Só de vc citar que ele foi contra a Ditadura Militar, como eu, que quase fui para DOI/CODI, eis aí uma pessoa que eu admiro, sem conhecê-lo...!!!
Silvio Mello
Luiz,
muito boa a idéia de republicar esta entrevista, da qual não me lembrava
mais (vou distribui-la para alguns amigos e para meus alunos na PUC).
Em geral, sempre gostei muito de ler tudo sobre MB. Cheguei a ter uma
experiência pessoal com ele, como assessor de imprensa, quando ele se
preparava para concorrer ao governo de Goiás, pelo PDC, sem chance de
ganhar. Coincidiu com meu curto tempo - dois meses apenas - de Secretário de
Comunicação na gestão do Daniel Antônio.
Antes de ir para prefeitura (ali na praça Civica), a gente se reunia na
casa dele, em frente ao Centro Administrativo. Chegamos a montar no comitê
dele uma boa estrutura de comunicação (jornais, rádio e TV), mas aí pintou
ciumeira dentro da própria assessoria e decidi sair. Tenho guardada a carta
de agradecimento ao meu trabalho. Um documento. Foi uma experiência pessoal
e profissional muito boa. Mas ele já é um bom "fantasma" para todos que
sentaram e ainda vão se sentar na cadeira de governador de Goiás, pois foi
insuperável e, principalmente, será sempre um grande inspirador.
Não fui me despedir dele....e ainda não havia me refeito da morte de
outro ser humano maravilhoso, que foi o Padre Pereira.
Abs,
Joãomar
Luiz,
que menino danado é você. Publica oportunamente esta entrevista que nos faz relembrar/conhecer
fatos da vida do grande Mauro Borges e da política de então. Morreu uma das figuras mais humanas
e representativas do Brasil. Parabéns, Lu, por seu excelente trabalho.
Bjs.
Maria Helena
Obrigado, Luiz, pela infausto notícia. Abraço,
Gilberto
Luiz, o quão é importante o resgate desta matéria neste momento histórico. Sou admiradora do Presidente Mauro Borges, que como poucos, passou por esta jornada, agregando valor à humanidade. É rico este material que nos leva a conhecer um pouco este grande estadista e que nossa juventude sequer vislumbrou a riqueza de sua existência.
Que Mauro Borges seja amparado e assistido em seu retorno à Pátria Espiritual e que os familiares recebam o conforto e o entendimento necessários para atravessar esses momentos difíceis da separação. Ainda que tenhamos a certeza de que a morte do corpo físico nada mais é do que uma passagem de regresso ao lar, as saudades são inevitáveis. Paz e Luz a todos!
Luiz, o quão é importante o resgate desta matéria neste momento histórico. Sou admiradora do Presidente Mauro Borges, que como poucos, passou por esta jornada agregando valor à humanidade. É rico este material que nos leva a conhecer um pouco este grande estadista e que nossa juventude sequer vislumbrou a riqueza de sua existência.
Que Mauro Borges seja amparado e assistido em seu retorno à Pátria Espiritual e que os familiares recebam o conforto e o entendimento necessários para atravessar esses momentos difíceis da separação. Ainda que tenhamos a certeza de que a morte do corpo físico nada mais é do que uma passagem de regresso ao lar, as saudades são inevitáveis. Paz e Luz a todos!
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