Surpreendi quando visitei a sede nova da Câmara Municipal de Goiânia e meu retrato estava lá... |
O tempo, a poesia, o amor
A
gente nunca mais tomou “umas” por aí, poeta Valdivino Braz! Os anos, quando
muitos, parece que nos aleijam a vida. Tantos os que se foram antes, como
Joaquim Machado, Tagore Biram, Yeda Schmaltz, Vilda Guerra... Poetas de letras
e vida, não desses que se fecham em quatro paredes e uma porrada de livros nem
todos lidos... Esses poeta de paletó e gravata, de fala empostada e muito pouca
– pouquíssima – vida a viver e poetizar.
Saudade
de ontem, do tempo das páginas viradas e dos nossos risos verdes, da alegria e
das críticas (nem sempre legítimas, mas inevitáveis a todo instante), do
Delermando Vieira sempre silencioso, ora soturno, de pouca fala e muita verdade
– ele que, desde sempre, mostra-se entre nós e some por longos dias ou meses!
Do Brasigóis e sua cara de Cristo, montado numa prosaica motocicleta, e de
Sônia Elizabeth, sempre rica de versos e metáforas, de imagética forte...
De
Aidenor Aires, cabeludo e profundo, mesclado de muita vida e teorias, sempre
capaz de discernir entre o que se conta ou não. De Ana Cárita e Placidina, que
fizeram de suas vidas altares de ensino e de versos. E Rogério Lucas, ainda
aprendiz das redondilhas que preferiu enveredar-se pelos meandros da notícia
política. E Geraldo Dias da Cruz, grande poeta de cabelos brancos e tanto o que
ensinar!
Foi Gomes de Souza (com M. Cavalcanti) o autor do painel de artistas ilustres; e entenderam de me pôr lá também. |
E
tínhamos os dos pincéis, poetas de cores e boemia (sem circunflexo), como
DaCruz, Gomes de Souza, Omar e Roos, sempre envolvidos em nossas andanças que
variavam da barraca do Paulo Araújo até as noitadas em bares e vendinhas –
desde que a cerveja estivesse gelada. Gomes de Souza experimenta também as
letras, lançou livro há poucos dias e exige-me essa declaração: eu te amo,
Gomes!
Sim,
que dessa matéria intocável somos feitos todos – do amor e das saudades; não
necessariamente a saudade dolorosa como a que temos por Tagore e Yeda, mas esta
que nos traz amigos à lembrança, sem rugas nem cãs (cãs: palavra bonita para
cabelos brancos que um revisor modificou num poema meu para “cães” – para meu
óbvio desespero).
Horas
antes desta escrita, ouvia rádio; e numa programação pra lá de especial, a
emissora tascou canções áureas da MPB que, ao lado da Bossa Nova, marca a minha
geração; e era Tim Maia cantando “Quando o inverno chegar / eu quero estar
junto a ti”... Os primeiros acordes acordaram-me arquivos esquecidos; “Eu... é
Primavera!... te amo...”. Confirmei o que esporadicamente lemos por aí, dando
conta de que perfumes e sons transportam-nos a momentos muito distantes no
tempo. Não é o mesmo que rever, pois os lugares, tal como as pessoas, modificam-se
muito no decorrer de uma existência. Mas os aromas e os sons têm o pendor de
nos despertar, sim.
Aquela
música levou-me a longe, devia ser algum momento de 1971; é que eu senti, eu
sei, que viajei ao ontem mais remoto e me lembrei de coisas lindas, de um amor
vivido com intensidade, mas não fui capaz de me lembrar de tudo.
Assim:
sei que estava impregnado, embevecido, inebriado de amor. Só não sei a quem
amava naqueles dias relembrados. Era Brasília, era a UnB, era agosto ou
setembro – primeiras semanas de aula no curso de Geologia que abandonei por
total incompatibilidade com as matemáticas avançadas. Era muito bonita a
menina, morava na 507 Sul, tinha a cor pálida e viva das rosas colhidas e
beijava bem.
Éramos
outros, sei! Não lhe recordo o nome, somente o endereço, a pele cheirosa e os
lábios quentes e doces. E a música me traz de volta tudo isso... Mas, ora! Como
esquecer de todo?
* * *
6 comentários:
A sua visita ao passado foi gostosa e leve, sem aquela dor dos desesperados, ainda que tenha mencionado que há pouco a viver. Quem é que sabe? Um momento como a da leitura desta sua crônica foi de prazer e aproveitamento. E fiz isso em pouquíssimos minutos. O que conta não é o número de horas, mas o que se sente nelas. Muita vida para você, Luiz!
Obrigada, amigo.
Placidina.
Que delícia de texto! Mesmo sem ter vivido junto a vocês passeei pelas alamedas do passado e lembrei dos aromas e sabores que só a saudade pode tornar tão intensos. Gostaria de conhecer estas pessoas que você cita com tanto carinho.Abraços
Olá, Luiz. Como vai o Aquino? Pois é: nem "umas", nem outras. "Os anos, quando muitos", você diz, numa clara ou sutil alusão à idade das vidas, as nossas. Amiúde rumino isso, esse sentimento de falta, de ausências, amigos que se foram. Ainda dia desses estive aqui apreciando O pássaro que inventou a solidão (belo título), do saudoso Joaquim Machado, que tomava umas comigo, Delermando Vieira e Tagore Biram, os quais, entre outros, você cita em sua crônica. Incluo, em suas evocações, a poeta Zina Brill (in memóriam), autora do livro O passo trocado. Recentemente, reli, de Tagore, o poema Para saltar os muros que nos separam (a propósito, não?), que ele declamou dentro do antigo Cepaigo, quando lá estivemos como jurados de um concurso literário para os presos, alusivo ao Dia das Mães, e lá, inclusive, declamamos poemas nossos. Conosco estavam o cantor Lindomar Castilho e, se bem me lembro, o Waldomiro Bariani Ortêncio, que sempre foi amigo do Lindomar. Foi quando anunciamos o ganhador e, ao chamá-lo ao palco, fomos informados de que ele havia fugido da prisão na madrugada daquele dia. Tagore riu alto ao saber disso, e o soube logo após ter declamado aquele poema. Voltando à sua crônica no DM, Antônio Carlos Machado Teles (com um "l" só), irmão de Marietta Telles (dois "ll") Machado (você o conhece, pois não?; ele é médico odontólogo aposentado, que também publicou um livro de poemas, Ícaro sem asas), leu O tempo, a poesia, o amor, daí me fez e-mail falando de sua "bela e evocativa crônica" e corroborando suas evocações, que o sensibilizaram. Com efeito, Luiz Aquino, o tempo se vai com "os nossos risos verdes", como também vai nos tirando parte da antiga alegria, quando, sim, a vida era mais vida e as pessoas tinham mais qualidade (e já publiquei que a humanidade perdeu a qualidade). Fica-nos o cotidiano da vida corrida, aliado à premente nece$$idade de sobrevivência, e falta-nos, pois falta em Goiânia, aqueles nossos encontros e agitos culturais, regados a um cevado lúpulo. Além do quê, nossas entidades culturais pouco fazem em termos de um real congraçamento entre as artes e a cultura de um modo geral. Parcos, hoje, os nossos eventuais eventos. Nossos anos 80, em Goiânia, foram dos melhores em termos de poesia e convívio pelos botecos da noite, poesia falada e tudo o mais. Fica mesmo um nostálgico sentimento de perda, de falta e de saudade, e, por que não dizer?: uma certa vontade de chorar.
Fraterno abraço.
Val Braz (ainda)
Esta carta do Valdivino Braz, velho amigo e poeta-irmão, faz com que as emoções que me sacodem de tempos em tempos prenunciem-se eternas!
Um beijo nessa alma linda, meu Brazamigo!
Zina Brill poetisa de primeira grandeza.
Bem lembrada !!
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