Iguais que se atraem
Lá
pelos idos de 1980 e poucos, era eu repórter da Folha de Goiás – o jornal
pioneiro de Goiânia, cujo nome se escrevia, erroneamente, Goiaz. Cuidava de
notícias policiais e, para isso, visitava delegacias e cadeias, conversava com
delegados e agentes, bandidos e suspeitos (naquele tempo, suspeito era uma
pessoa sobre quem havia alguma desconfiança; hoje, é bandido flagrado ou
criminoso confesso, porque o fervor da defesa dos direitos humanos exaltou os
marginais e os truculentos em desfavor dos que se formam no cada vez maior
contingente de vítimas).
Era
uma época de transição. Governava o país o último dos cinco generais de
plantão, João Batista Figueiredo; em 1979, veio a Lei da Anistia e a partir daí
pudemos escrever sem o rigor da presença de censores nas redações. A Linha Dura
enrijecera – dinamitava bancas de jornais que vendiam O Pasquim e outros
“nanicos” (apelido dado aos jornais de resistência, editados em formato
tablóide) e tentou explodir o Riocentro em véspera do Dia do Trabalhador
(1980).
Profissionais
da imprensa ainda eram visados. Éramos maltratados por chefes e chefetes de
repartições públicas que, no mínimo, deixavam-nos por horas na espera em suas
antessalas. Mas reagimos: eu mesmo adotei a prática de publicar o nome da
autoridade recalcitrante, destacando-lhe a crença em que a liberdade estava
remota...
Domingo
passado, o Fantástico da Rede Globo denunciou comportamento irregular,
aparentemente tolerado em penitenciárias de Goiás e do Rio Grande do Sul.
Prenunciei que o secretário Edemundo Dias já esvaziaria as gavetas. E a
destituição se deu, como esperado. Certamente, detalhes das investigações
acerca do fato correrão sob alguma reserva, como acontece em casos similares
(privilégios excepcionais a presidiários que comandariam ações de tráfico, assaltos
e mesmo assassinatos).
Há
quem fale em “poder da imprensa”; e há quem fale em articulações de bastidores.
Alguém falou em corporativismo – palavra depreciativa para qualificar ação de
grupos interessados em benefícios para seu segmento. Este conceito é também
fruto da onda do “politicamente correto” que assolou o país por alguns anos,
naquela fase pós-redemocratização. Costumo responder que todo grupo busca
proteger-se, sim – haja vista a mobilização de lobistas a pressionar deputados
e senadores quando da votação de matérias legislativas em que se vislumbram
benefícios ou a valorização da categoria. Algo como o que fazem os médicos
quanto à polêmica medida sobre o Ato Médico.
Dos
jornalistas, posso lembrar apenas que buscamos, com muito jogo de cintura,
evitar a matança de repórteres. Em Goiânia, recentemente, tivemos o primeiro
caso de assassinato de um jornalista por emitir opinião sobre um time de
futebol – antes, os mais visados eram repórteres políticos e os da área
policial.
Volto
aos tempos em que eu mesmo fazia cobertura policial, compartilhando o ofício
com os colegas fotógrafos Álvaro Soares (saudoso Álvaro!) e Antônio Alfredo
(que se aposentou e sumiu de Goiânia). Na Secretaria da Segurança Pública, o
secretário (oficial do Exército, imposto pelo governo federal) resolveu nomear
uma delegada de polícia como assessora de imprensa. A moça, bela e gentil,
tinha o péssimo hábito de privilegiar informações para determinados veículos –
especialmente a tevê.
Um
dentre nós, num dado momento, resolveu acabar com aquilo e postou-se entre a
câmera e o secretário (a repórter já com o microfone aberto) e ameaçou: “Só
saio daqui depois que liberarem nossos releases; chegamos primeiro e não
vamos dar lugar na fila”. O secretário tentou argumentar, dizendo que se
tratava “de uma mulher, primeiro as damas”, mas não foi ouvido. Os repórteres
dos veículos escritos fecharam-se cheios de razões.
Curiosamente,
a coleguinha da tevê não se opôs ao que impusemos. E a delegada-assessora
viu-se constrangida. O secretário recolheu-se ao gabinete e evitava, sempre,
conceder entrevistas. Em poucos dias, aqueles profissionais formalizavam uma
pequena mas ativa Associação de Repórteres Policiais – entidade democrática que
reconhecia em cada profissional o mesmo valor, desmitificando o que alguns
tentam valorizar: uma hierarquia de trabalhadores baseada no poder econômico ou
midiático de um ou outro veículo.
Nenhum
de nós, fotógrafos e repórteres, se sentiu ofendido quando chamado de
corporativista...
* * *
Um comentário:
Depoimento-crônica valoroso porque faz história da memória….
Itaney campos
Postar um comentário