Minha pátria é a língua...
"Não
tenho sentimento nenhum político ou social. Tenho, porém, num sentido, um alto
sentimento patriótico. Minha pátria é a língua portuguesa. (...) Sim, porque a ortografia também é
gente. A palavra é completa vista e ouvida. E a gala da transliteração greco-romana
veste-ma do seu vero manto régio, pelo qual é senhora e rainha." (Fernando
Pessoa, Livro do desassossego [Companhia
das Letras, 1999, 536 páginas.])
As pessoas de Goiânia tingiram-se de amarelo na
metade superior do tórax e lotaram o Estádio Serra Dourada, ou os bares de
todos os bairros, esquinas de todos os setores, e cantavam a alegria de serem
brasis, com muito orgulho, com muito amor. A Seleção Canarinho, ou antes, o
Escrete de Ouro, estava na cidade; e no final da tarde da terça-feira, dia 3 de
junho, nove dias antes da estreia da XX Copa do Mundo, jogou prazerosa contra a
representação do Panamá - o país com o chapéu alheio - e vitoriou-se com
um expressivo quatro-a-zero.
Notícias chegaram pela tevê, talvez Cristiano
Ronaldo desfalque a seleção lusitana. Isso entristece, tira um pouco do brilho
desses jogos, que voltam ao Brasil 64 anos depois de ficarmos vices num
Maracanã emudecido.
Os caras que dirigem a FIFA - um governo sem
pátria, sem território específico, sem povo próprio mas muito mais rico que
dezenas de países do mundo que carecem de bens públicos e sofrem de fome – os
super cartolas da FIFA dizem que a grande bandeira deste campeonato é contra o
racismo. Nada de jogar bananas aos jogadores negros, nada de menosprezar os jogadores
índios (existem?), nem de menosprezar os orientais de olhos puxados e cabelos
lisos como a cara-de-pau de político que apoia o poder, muitas vezes sem sequer
fazer parte dele.
E eu –
poeta menor, escritor da província Goiás, torcedor do Vila Nova em
segunda divisão estadual e lanterna da Série B do Brasileirão –, regozijo-me de
ser brasileiro, com orgulho e amor demais. Vencer a Seleção Panamenha foi uma
alegria não tanto pelo placar, mas pela festa de "esquenta" dos
canarinhos nacionais. E sempre é bom tê-los em Goiânia (dá saudade da presença
que ficou quotidiana de Luciano do Vale nessas ocasiões).
A FIFA deve insistir: " Não joguem banana
aos atletas negros", mas essa campanha, vindo deles, soa mais falsa do que
os cartazes de "Não pise na grama" – e, dia destes, vi letras miúdas
como um rodapé no cartaz, e em baixo estava escrito, em letra miúda: “Está
cheia de cocô de cachorro”. A FIFA é falsa.
A mídia insiste nas patriotadas verde-amarelas,
mas jamais teríamos um bom time, uma seleção-orgulho se não houvesse esse
mundão de craques de todo o mundo, essas seleções multicores de todos os
continentes. É torcer pelo Brasil, sim, mas esticar esse amor aos jogos a
outras terras da grande pátria que tão bem definiu Fernando Pessoa: "Minha
pátria é a língua portuguesa".
Nada de estranho, nada de mais, nem de menos...
Elegeu o vate lusitano a língua pátria como pátria maior; e os boleiros fizeram
quase que o mesmo: na falta de melhor saber a língua, empatriaram-se no reino
do que melhor fazem: para
estes, a pátria é a bola e o bolo de dinheiro que lhes dá graças a cada fim de
mês.
*
* *
Um comentário:
Parabéns. A maior "arma" de um povo é a sua língua!
Postar um comentário