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sexta-feira, junho 27, 2014

Vícios e costumes de linguagem

Vícios e costumes de linguagem



Recentemente, uma amiga do norte de Minas (médica e jornalista, escritora, mãe de escritor, sendo ambos colaboradores do DM; refiro-me a Mara Narciso e Fernando Yanmar) perguntou a amigos distantes – eu no meio – sobre variantes da palavra “complicado”. Apareceram “difícil”, complexo, emaranhado etc., e eu colaborei com o nosso goianíssimo “custoso”. E pensei, cá comigo, o quanto complicamos, dificultamos, emaranhamos e nos comprometemos com nada em nome de um momento de preguiça, de uma circunstância de incompetência ou simplesmente numa vontade de não-fazer.

Coisas da nossa preguiça pessoal... Mas o foco (focar está na moda) de hoje é a língua – um tema que me empolga tanto quanto o amor, o quotidiano (que os coleguinhas da reportagem dizem ser “o factual”), a violência nas ruas e o cinismo na política. Se focamos a violência, perdemos o encanto das ruas; se focamos o cinismo, perdemos bons momentos do “fazer” político (existem, sim; o problema é que o citado cinismo oculta as boas coisas) e por aí vamos nos perdendo.

Aí, tudo fica muito custoso...

Aos do meu convívio, incomodo com minhas críticas ao falar irresponsável dos repórteres de rádio e tevê, atores de novelas e apresentadores – para ficar, por enquanto, com os de rádio e tevê. Ah! Antes que me perguntem, o veículo é tevê; o nome (marca)  do veículo, como TV Globo, TV Record etc. a gente escreve com as duas letras em maiúsculo. E já que estou falando em tevês, algum coleguinha precisa aprender a gaguejar menos e, principalmente, pronunciar corretamente a palavra Anhanguera – e não “inhanguera”, como temos ouvido.

Regência e concordância são solenemente desprezadas; como se fosse chique cometer esses erros como quem acaba de inventar uma roda quadrada sob a alegação de “assim não precisamos de usar freio”. Os da escrita inventaram de pluralizar abreviaturas: assim, surgiram “PMs,” “UTIs” e outras menos usadas; é como vendedoras de perfumarias pronunciando, com a mesma ênfase com que ostentam os bordados de suas blusas, “Cinqüenta emieles” (o que seria 50 ml). Ora: centímetro se abrevia cm, hora se abrevia h, minuto (de tempo) é min, e não m (que é metro) e segundo é seg (os sinais ‘ e “, aplicados para minuto e segundo, não são usados em medida de tempo, mas de grau – coisas da geometria, e não dos relógios).

Isso de siglas também virou mania nacional, numa cópia desnecessária de costumes internacionais; administradores – tanto na vida privada quando nas estruturas de governos, adoram siglas (um modo inovador das abreviaturas, só que estas são regulamentadas, no nosso caso, pela ABNT). Os fazedores de organogramas mostram seus gráficos e ilustrações com tantas letrinhas, como ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas), e impõem-se como detentores de segredos decisivos; e, assim, apresentam-se ante os leigos de sua “ciência” como gurus. Acho que os gerundistas do telemarketing (tem que ser escrito em inglês, hem?) também se sentem assim...

Mas eu falava dos colegas da mídia escrita, e aí devo incluir também os publicitários. Virou moda ruim e desagradável, mais deselegante (para o texto) que uma pochete no visual de um sujeito que se pensa chique, a expressão “por meio de”. Pesa tão negativamente quanto “o carro caiu na ribanceira às margens da rodovia”. Ora: se o carro caiu, só pode ter sido em uma das margens, e não “às margens” (ou esse carro seria ubíquo?).

As redundâncias, então, ou os pleonasmos, acontecem no linguajar quotidiano (ou cotidiano, escolham!) como azeitona na empadinha do mercado municipal. Haja vista “santuário basílica”, “Câmara Municipal de vereadores” e outros mais, facilmente detectáveis na loquacidade dos profissionais da fala e da escrita – portanto, da língua portuguesa.


* * *



4 comentários:

Amaury Menezes disse...

Meu amigo Luiz de Aquino.
Sou leitor assíduo das suas crônicas, mas nunca comentei por vários motivos: nunca soube que você gosta de receber comentários e não é minha especialidade a crítica literária. Como acho muito cômodo, e por isso não aprovo, o uso de adjetivos para classificar alguma coisa, só posso dizer que sempre que começo a leitura de um texto seu eu não consigo parar, mesmo quando já o tenha lido anteriormente. Ufa, acho que consegui me expressar sem adjetivação.
Continue mandando seus escritos.
Obrigado.
Seu leitor Amaury Menezes.

José Liberato Ferreira Caboclo disse...

Crônica excelente.O prefácio do "o Encontro Marcado",escrito por Hélio Pellegrino é tão bom ,ou melhor que o livro.O prefácio de Carlos Lacerda para Giordano Bruno é um texto maravilhoso. Parabéns,companheiro. Você está,cada vez mais agudo. Abs

José Liberato Ferreira Caboclo

Zanilda Freitas disse...

Esta crônica é uma aula que não conseguimos na escola!

Mara Narciso disse...

Obrigada por me citar. Precisamos ser menos óbvios na escrita e buscar errarmos menos. Tenho procurado por isso, mas de vez em quando acho um erro feio e penso comigo: pena, mas agora é tarde. Já foi. Com a fala ainda é mais rápido. Ler bons autores, e especialmente este tema, pulsante da língua, coisa que você gosta e faz bem, ajuda bastante.