Lágrimas antes da Primavera
Os ipês florescem desde agosto. E fazem uma
dança festiva de revezamento, alternando os pontos de profusão do amarelo, do
rosa, do roxo e do branco, entre outras cores ou tons, lembrando-nos que a vida
se renova e que podemos não apenas trocar esperanças, mas também fortalecê-las.
Há
notícias diversas de festas e de tristeza; há a descrença ante a dor e a
esperança de lenitivo em cada gemido. Em dias inesperados, o calor mostrou
nuvens altas que nos trouxeram chuvas rápidas e benfazejas, e mandamos que as dores
se adormecessem, pois é-nos dado o tempo de nossos sonhos, de novas crenças. É
como se cada instante dedicado a confiar no futuro fosse uma ação de
investimentos tal só comparável à sisudez dos investidores na bolsa de
valores.
Há os que investem o próprio capital para
fazê-lo crescer; outros investem sua fé porque o propósito é ser feliz. Esta é
a lição dos ipês, das buganvílias e das quaresmeiras, das rosas e dos
flambuaiãs (a publicidade prefere dizer flamboiãs...): acreditar, porque a vida
se renova; e, com ela, renova-se a esperança, que só nos chega se tivermos fé.
A floração dos ipês é muito rápida, os
biólogos dizem que dura cerca de três dias. Muitas dessas árvores parecem
florescer durante uma ou até duas semanas, mas é porque algumas flores se abrem
enquanto outras caem. Assim, a festa dos ipês, esperado por todo o ano, só
acontece nestas semanas de vésperas da Primavera.
Aqui estou eu a falar de flores – sexo das
plantas – enquanto a vida humana é ceifada a cada instante, feito as flores dos
ipês. Assim caíram as 15 jovens (crianças inclusive) assassinadas por
motoqueiros; assim tombaram muitas vítimas de assaltos – a vida valendo o preço
de seu automóvel ou mesmo de seu celular. Assim findou feito um susto o menino
Bruno Henrique, talvez por uma embolia pulmonar, dois dias após um acidente de
moto, antes mesmo de ser operado por conta de uma fratura de fêmur.
A morte por assassínio ou acidente evitável é
sempre muito dolorosa. Como o caso do sr. Orlando – atropelado por uma moto
quando circulava de bicicleta na Avenida dos Alpes, sem segunda chance para sua
vida; e como a morte de Bruno Henrique. A ambas as famílias, a dor chega de
súbito, não pede licença nem deixa uma aviso.
No meu coração também há algo que incomoda.
Uma dor, certamente menor, e algo como um remorso, uma tentativa de pedir
desculpas aos que choram – mas eu, pessoa, não tenho culpa alguma. Sou, sim,
parte dessa máquina cruel que vê as cores se renovarem, as flores que chegam e
se vão para retornar no ano que vem – mas essas pessoas que se foram antes da
hora não voltam.
Deixo minha dor e minha culpa nas mãos dessas
famílias – como os pais de Bruno e a esposa, filhos e netos de Orlando
(especialmente a Luciene e a Bárbara). Em cada morte dessas eu vejo cair uma
lágrima, nestas semanas antes da Primavera. Feito a flor do ipê amarelo que
anotei caindo, devagar e triste. A lágrima do ipê...
* * *
3 comentários:
O Dia da Árvore, um dia especial para festejar os ipês e suas vestimentas belas, ainda que fugazes, como o é também a nossa vida, e como foram de súbito ceifadas essas vidas de Goiânia, vítimas de atropelamento.
Pois é, Aquino... De flores e emboscadas, ipês floridos e vidas ceifadas, é construído o cotidiano de muitas cidades.
Aqui também é tempos de ipês e muitos usufruem das flores que parecem posar para os fotógrafos de plantão.
Parabéns pela crônica.
Abraços
Infelizmente os ipês e outras árvores continuarão a testemunhar episódios tão lamentáveis. Ótima crônica!
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